sexta-feira, 2 de maio de 2014

Eduardo Almeida Reis - Jornalísticas‏

Hoje a tentação é muito grande, mesmo para os que, infelizmente, não estão nadando em dinheiro



Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 02/05/2014



 “Presidente Dilma visita a Minas”. Na véspera, foi o governador Alberto Pinto Coelho que concedeu nos estúdios da mesma emissora, em BH, uma “coletiva exclusiva”: está ficando difícil ouvir o noticiário radiofônico. Se acordo mais tarde e chego à mesa do café pouco antes das 7 horas, tento ouvir as últimas notícias, mas não tenho dado sorte.

Gosto do Alberto, perdão, de sua excelência o governador Alberto Pinto Coelho, que conheci pessoalmente num almoço em casa do saudoso José Aparecido. Meses depois, o então deputado estadual me deu carona em seu carro particular entre o Aeroporto da Pampulha e minha casa no Bairro de São Bento. Dirigindo, contou-me diversas passagens de sua vida, não a pública, mas a pessoal, gesto simpático que guardo como segredo de confessionário, do tempo em que os segredos confessionais eram supostos de ser segredosos.

Pelo crepúsculo matinal, confesso que tinha todo o interesse de ouvir os planos do novo governador, mas empaquei na “coletiva exclusiva”. Recorro ao Houaiss para que não digam que sou implicante: Entrevista coletiva, entrevista agendada e concedida a um grupo de jornalistas de diferentes órgãos de comunicação; conferência de imprensa. Entrevista exclusiva, entrevista outorgada a uma única empresa jornalística.

A partir daí fica meio difícil ouvir o resto da entrevista, como também fica impossível ouvir o noticiário depois de saber que a “presidente Dilma visita a Minas”. Quer dizer: o verbo visitar deixou de ser transitivo direto (e pronominal), os donos da rádio escutam e fingem que não ouvem.

Nem se diga que o padrão dos textos impressos seja melhor. Entourage sempre foi substantivo masculino com um só erre e nos chegou do francês significando “grupo de indivíduos que forma a roda habitual de alguém”, “conjunto de circunstâncias, condições ou objetos pelos quais alguém se vê rodeado”, “grupo que, por interesse ou adulação, rodeia alguém de posição social ou política proeminente”.

Presumo que o governador Pinto Coelho tenha ido aos estúdios da rádio acompanhado pelo seu entourage. Pois muito bem, só ontem, lendo jornais e duas revistas, encontrei um monte de “a entourrage” e “a sua entourrage”. Castraram o entourage e acrescentaram um erre, para compatibilizar com a pronúncia. Logo, logo, teremos “a anturrage”, que é para o negócio ficar perfeito. Philosophei e fui ao Google, onde encontrei num jornal, assinado pelo doutor Joaquim Nagib Haickel, Secretário de Esportes e Lazer e membro das Academias Maranhense e Imperatrizense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, no dia 8 de dezembro do ano passado: “Comecemos pelo significado da palavra entourage. Ela é de origem francesa e significa grupo social, conjunto de indivíduos com quem convivemos habitualmente. Pessoas que vivem em volta de uma espécie de líder, de senhor, de governante. Para efeito desse texto vou abrasileirar a expressão francesa. Usarei em seu lugar a palavra anturragem”. É isso aí, bicho.

Questão


 Vivesse hoje, Shakespeare andaria às voltas com a seguinte questão: to buy or not to buy, “comprar ou não comprar”, em lugar de to be or not to be, that’s the question, que o Google diz significar “ser ou não ser, eis a questão”.

Existiria o consumismo no tempo de Shakespeare (1564-1616)? Tal como o entendemos, certamente não. Hoje a tentação é muito grande, mesmo para os que, infelizmente, não estão nadando em dinheiro. Escrevo depois de ver nos jornais o anúncio de um smartphone LG por R$ 399,00. Será mesmo um smartphone? Aprenderei a lidar com ele? Tenho tido sorte com os produtos LG. De repente, compro um e aproveito a oportunosa ensancha para perguntar ao leitor: não existisse a propaganda, alguém tomaria Coca-Cola? Já tomei muita e hoje fico triste quando vejo filhas e netos consumindo aquele xarope.

Sei que eles também ficam tristes quando me veem pendurado num charuto. Escrevo numa terça-feira: ontem queimei o último Havana, que, por sinal, estava ótimo. Tenho o livro O Charuto de Churchill, de Stephen McGinty, com notícias assustadoras. Durante a Segunda Grande Guerra, diversas pessoas e agremiações cubanas mandavam de presente para Churchill, via Estados Unidos, pequenos armários de cedro ou mogno com dezenas de caixas de charutos.

Temendo o envenenamento do primeiro-ministro, a Scotland Yard analisava em laboratório, por amostragem, um charuto de cada caixa. Nunca encontraram veneno, mas havia tudo que o leitor possa imaginar, além do inimaginável: excrementos de insetos e de ratos, pelos de ratos etc., entremeio às folhas do mais puro tabaco de Havana.

O mundo é uma bola

2 de maio de 1519: morre Leonardo di Ser Piero Da Vinci, nascido em 1452, gênio do Alto Renascimento, cientista, matemático, inventor, engenheiro, pintor, anatomista, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. Há coisa de dois meses, em São Paulo, incumbido de fazer matéria sobre exposição de obras de Da Vinci, um jovem repórter teve a cautela de telefonar perguntando ao curador: “Leonardo estará presente?”. Hoje é o Dia Nacional do Ex-Combatente.

Ruminanças


 “O homem que se deixa chatear é ainda mais desprezível do que o que o chateia” (Samuel Butler, 1835-1902).

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