sábado, 31 de maio de 2014

Histórias do país da bola - Ana Clara Brant

Safra de livros aproveita a onda da Copa do Mundo e traz um interessante relato sobre a histórica rivalidade entre brasileiros e argentinos nos campos de futebol


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 31/05/2014 0



Os baixinhos Romário e Maradona são exemplos de jogadores que representam a paixão de cada país pelo futebol (Paulo Whitaker/Reuters)
Os baixinhos Romário e Maradona são exemplos de jogadores que representam a paixão de cada país pelo futebol

A Copa do Mundo já está batendo à porta e não só as seleções começam a chegar ao Brasil. Dezenas de publicações sobre o tema pipocam nas livrarias. Uma das mais interessantes é Os hermanos e nós, dos jornalistas Ariel Palacios e Guga Chacra, que faz uma curiosa análise do futebol argentino.

Ariel, que muita gente pensa que é argentino pelo característico sotaque, nasceu em Londrina, no Paraná e vive em Buenos Aires desde a década de 1990. Guga Chacra, que também morou na capital argentina, atualmente é comentarista de política internacional. Os dois são comentaristas em programas da Globo News, na TV paga.

E foi a experiência no país vizinho e o amor pelo futebol que os levaram a contar de maneira saborosa histórias sobre vários temas ligados ao esporte na Argentina: a origem dos clubes, a comparação com os times brasileiros, as principais rivalidades, os torcedores ilustres, os grandes craques, a relação com a ditadura, o fanatismo das torcidas. Os autores falam ainda da culinária futebolística e do grande sucesso da seleção gay argentina (três vezes campeã mundial, superando até mesmo o bicampeonato da seleção convencional).

O livro elucida muitas dúvidas. Por exemplo: é verdade que os hermanos nos chamam de macaquitos? De acordo com os jornalistas, isso não passa de mito. Diversos jornalistas argentinos que trabalham no setor esportivo há décadas indicaram que o termo simplesmente não existe. Até porque a palavra indicada para macaco no idioma espanhol seria mono e, no diminutivo, o certo seria monitos.

Um dos capítulos mais curiosos de Os hermanos e nós é o dedicado às superstições. São casos como o de um treinador que utilizava sempre a mesma gravata em todos os jogos; outro que proibiu os atletas de comerem frango na concentração, porque acreditava que dava azar; ou até de um goleiro que urinava no gramado para dar sorte.

Na Copa de 2010, muitos torcedores teimaram que a Argentina só conquistaria a taça se Lionel Messi aderisse a um formato capilar parecido com o encaracolado de Diego Maradona em 1986, a última conquista de um mundial pelos argentinos. Houve até campanha na internet para convencer o craque do Barcelona. No entanto, Messi continuou com os cabelos lisos.

Por falar na Copa do México, foi durante esse torneio que surgiram as principais crendices. Quando a seleção azul e branco ainda disputava a primeira fase, o ônibus que transportava o escrete quebrou, o que obrigou os jogadores a utilizarem táxis para chegar ao local do jogo. O time venceu a partida, levando o técnico Carlos Bilardo a acreditar que os táxis haviam ajudado a equipe a ganhar. Por causa disso, durante todo o torneio, a delegação utilizou esse meio de transporte e acabou se sagrando campeã. Se foi efeito da superstição do técnico, isso ninguém tem como provar…

Maldição e rivalidade Foi logo depois dessa conquista que surgiu a chamada “maldição” da Virgem de Tilcara. Quando a seleção argentina preparava-se para ir para a Copa do México, Bilardo levou 14 jogadores (entre eles o jovem Maradona) para treinar em um lugar de elevada altitude, com o objetivo de adaptar-se às condições mexicanas. A escolhida foi Tilcara. Após dias de treino, o técnico e os atletas foram até a pequena igreja local – Senhora do Rosário, construída em 1865 – para prometer à Virgem que, se a Argentina ganhasse o Mundial, voltariam a Tilcara em peregrinação. Ajoelhados na frente do altar, Bilardo e os jogadores juraram que levariam o troféu da Fifa para a Virgem.

Poucos meses depois, parcialmente graças à “mão de Deus”, a Argentina venceu a Copa. No entanto, a Seleção jamais retornou para pagar a promessa. Desde então, coincidência ou não, os argentinos nunca mais venceram uma Copa do Mundo.

É claro, que a rivalidade entre brasileiros e argentinos não ia ficar de fora do livro. Mas será mesmo que o Brasil é o grande adversário? Ariel e Guga entrevistaram alguns experts no assunto, como o acadêmico Pablo Alabarces, da Universidade de Buenos Aires (UBA), que junto do brasileiro Ronaldo Helal (da Uerj) realizou um debate interessante sobre a relação futebolística entre os dois lados da fronteira. E cunharam uma frase lapidar: “Os brasileiros amam odiar a Argentina, enquanto os argentinos odeiam amar o Brasil”.

Os jornalistas revelam que é comum ver um argentino com a camisa da Seleção Brasileira nas ruas, fora do período de Copa, e que o Brasil já foi de fato o principal rival – da mesma forma como o Uruguai foi o principal adversário argentino de 1910 a 1960. Depois da Guerra das Malvinas, em 1982, muita coisa mudou. Hoje, o Brasil não é mais o maior rival da Argentina, mas a Inglaterra. O grande sonho dos nossos vizinhos seria derrotar a seleção canarinho nas semifinais e, na sequência, estraçalhar os ingleses na final de uma Copa do Mundo.

Os hermanos e nós
• De Ariel Palacios e Guga Chacra
• Editora Contexto
• 256 páginas, R$ 39,90

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