segunda-feira, 9 de junho de 2014

Presidente por quatro ou cinco anos? - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 09/06/2014

Se o mandato presidencial subir para cinco anos, deixará de coincidir com o do Congresso, o que será ruim para o país.


Em diferentes ocasiões, dois aspirantes pela oposição à Presidência defenderam o fim da reeleição, somado à ampliação do mandato presidencial para cinco anos. Mas me permito dizer que esse mandato maior é uma ideia ruim, que certamente foi proposta sem que os dois candidatos medissem bem suas consequências. (Da reeleição, já falei em outra coluna, mas resumirei o que penso no final desta).

Se o mandato do mais alto cargo executivo da República subir para cinco anos, a primeira pergunta é: acabará a coincidência da eleição do presidente e das legislativas? Essa coincidência surgiu há apenas vinte anos e foi uma das melhores mudanças institucionais das últimas décadas, junto com a criação do segundo turno. Mas, se aumentar o mandato presidencial, ou acaba a coincidência, ou os mandatos legislativos sobem, para cinco anos o de deputado federal, para dez anos o de senador. Ora, deputados eleitos por cinco anos nunca houve no Brasil e não são frequentes, mundialmente falando; senadores por dez seria um excesso, um absurdo.

Então, que tal acabar com a coincidência de mandatos executivo e legislativo? Ela foi introduzida somente em junho de 1994, por uma emenda à Constituição de 1988, e dizem as más línguas que teria sido com a intenção de encurtar um eventual mandato de Lula, favorito, antes de iniciar o Plano Real, para as eleições que seriam daí a quatro meses. Não importa. O fato é que nossa última eleição solteira (ou "escoteira", como preferem alguns - o significado é o mesmo) para a chefia do Executivo federal se deu em 1989. Fernando Collor, talvez o mais demagógico dos nossos presidentes, venceu, em boa medida porque não havia nenhuma outra eleição junto com a sua. Todo o messianismo, o sebastianismo que se concentrou no primeiro presidente eleito da Nova República foi, não digo criado, mas facilitado porque o pleito estava separado de qualquer outro - sem a necessidade de construir uma estrutura partidária inteira. Some-se a isso o momento: quase três décadas sem eleições livres; a enorme expectativa colocada no regime democrático; a frustração com o primeiro governo civil, sobretudo devido à inflação; o receio dos meios conservadores e da mídia ante a possível vitória de Lula ou Brizola, tidos por dois incendiários.

Coincidência dos mandatos federais foi uma conquista


Collor deu no que deu - o único presidente nosso afastado do poder mediante um processo regular de impeachment, o que abriu um período difícil, mas ao fim das contas áureo, de nossa História: a tranquilidade da transição para seu sucessor, o Plano Real, o primeiro e único plano de estabilização monetária introduzido sem susto, sem surpresa, sem mistérios. E nessa ocasião, aproveitando-se o fato de que quando se elege o presidente por cinco anos e o legislativo por quatro seus mandatos só coincidem a cada vinte anos, mas isso aconteceria já naquele ano de 1994, mudou-se a Constituição para tornar permanente a coincidência. Desde então, um candidato faz campanha pelos outros. Aumenta a fidelidade partidária, pelo menos nos partidos finalistas para a eleição presidencial. Cresce a responsabilidade recíproca, entre os que disputam o Executivo e o Legislativo pelo mesmo polo político.

Vale a pena pôr em risco essa corresponsabilidade de Legislativo e Executivo? No único período democrático que tivemos anterior ao atual, entre 1946, o presidente era eleito por cinco anos, os deputados por quatro e os senadores, por oito. A não-coincidência significa que os dois poderes eleitos se defrontam representando vontades expressas em tempos distintos. Esse fato acirra, em vez de acalmar, os conflitos. Põe em confronto duas legitimidades diferentes, sendo que a mais recente sempre poderá dizer-se mais forte.

É claro que há uma possibilidade, que não mencionei ainda, de funcionar o mandato de cinco anos: é generalizá-lo para todos os eleitos federais. O presidente e os deputados subiriam de quatro para cinco, os senadores baixariam de oito para cinco. Resta ver se o Senado aprovaria uma proposta que corta substancialmente a duração do mandato de seus membros. Eu reduziria minha oposição a essa proposta, neste caso, mas considero difícil sua aprovação na Casa Alta.


E por que sou favorável a manter a reeleição? Porque concordo com uma ideia de Thomas Jefferson, para quem, na prática, o presidente dos Estados Unidos era eleito por oito anos, com uma possibilidade de "recall" (ou reexame) na metade deste prazo. Porque quatro anos são pouco para governar o Brasil: no primeiro ano se segue um orçamento votado pelo governo anterior e se forma a equipe, que é truncada no segundo ano de governo, porque muitos saem para as eleições municipais, e no último ano o mandato já está acabando e há novas eleições para ele. Ou seja, o ano tranquilo é o terceiro ano de mandato, aquele em que se pode trabalhar mais. O país é muito complexo. Somente a formação da equipe presidencial demora pelo menos um ano. Mas, no caso da reeleição, tudo está já montado, em andamento, e praticamente todos os anos do segundo mandato podem ser de gestão. Ou seja, minha preocupação é: como maximizar a administração, a gestão, que precisa estar legitimada pelo voto popular, sim, mas não a ponto de perturbar a continuidade das ações de governo. Se o governo estiver bem avaliado, seu titular é reeleito, se não, não. E, nisso, um quinto ano de mandato acrescenta pouco: apenas faria, pelo cálculo acima que o terceiro e quarto ano fossem mais produtivos, enquanto um governante reeleito pode, em tese, ter todo o segundo mandato em razoável tranquilidade - sempre falando da gestão.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br


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