domingo, 13 de julho de 2014

EM DIA COM A PSICANáLISE » Meia verdade‏

EM DIA COM A PSICANáLISE » Meia verdade
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 13/07/2014


É algumas vezes inacreditável que até hoje, no século 21, o ser humano insista no massacre das diferenças, na odiosidade pela disputa de opiniões, desejando destruir tudo aquilo que significa seu castelo, seja ele material ou ilusório. Sim, tanto faz um quanto o outro. Quando se acredita na sua verdade como a única a ser imposta pela força, na marra, o que se pode esperar é sempre o pior e da pior forma.

Ora, não se combate o que se considera ruim com algo ainda pior. A diferença é presença constante e é o que nos faz singulares e únicos. Cada um interpreta o que vive à sua maneira, e é por sermos dotados de subjetividade que as coisas se complicam.

Podemos entender isso na comunicação como um ruído entre quem fala e quem escuta. O ruído de mundos interiores. Então, quando falamos com alguém não podemos garantir que a intenção dessa fala foi alcançada. Quem escuta pode fazer do que falamos o que quiser, inclusive alterar, negar, rejeitar.

Mas o pior é quando somos cativos da agressividade e do ódio pelo diferente. Somos seres falantes da cultura e não animais da natureza, estes não odeiam ou oprimem como fazem os homens. Durante a história da humanidade, a guerra e o extermínio estiveram presentes, e ainda estão. Os jornais anunciam a crise na Ucrânia, a invasão no Iraque.

No Brasil, a guerra agora é entre partidos e é nas urnas que será decidida. A importância do voto é esta: dar possibilidade de escolha e isso quer dizer respeitar e aceitar diferenças. Cada um poderá defender sua verdade e o risco de uns é a esperança de outros.

Em todo lugar há disputa de poder, entre partidos políticos, times, religiões, crenças. Entre casais, irmãos, colegas. A discórdia surge da diferença porque insistimos numa lógica bipolar. Ou um ou outro. Excluímos ou desconhecemos, nos casos mais graves, que dentro de nós habita um estranho sujeito inconsciente, e não podemos nos livrar dele senão à custa do adoecimento.

De tudo isso a psicanálise nos vem em auxílio, com a certeza de que a agressividade é força constitutiva na estruturação do ser falante. E que ela sai sempre misturada com outros conteúdos, mas presente.

Antes do amor, quando nos reconhecemos como alguém, rivalizamos com o que é externo. Desde a origem do eu a tendência agressiva se revela fundamental. Como se tudo que se referisse ao corpo e ao ser próprio fosse bom e o outro, o que está no campo externo, o diferente, fosse ruim, ameaçador. E devesse ser atacado... uma das formas mais primitivas e contrárias às forças da civilização que conspiram pela vida.

 Por isso, precisamos da lei. Para impedir que o mais forte massacre, extermine. Além do auxílio da psicanálise encontramos alento na poesia. Aqui podemos aceitar diferenças fora do campo da agressividade simplesmente por entender que nenhum sujeito pode ser tão inteiro quanto quer. Prefiro o poema à disputa, porque resolve estar com a verdade como ela é. Com a palavra Carlos Drummond de Andrade em Verdade:

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez./ Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade./ E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. /E os meios perfis não coincidiam./ Arrebentaram a porta./ Derrubaram a porta./ Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos./ Era dividida em metades diferentes uma da outra./ Chegou-se a discutir qual a metade mais bela./ Nenhuma das duas era totalmente bela./ E carecia optar./ Cada um optou conforme  seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

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