domingo, 13 de julho de 2014

Último ato - Carolina Braga

Último ato A pedido do Estado de Minas, roteiristas e dramaturgos criam enredos para peças de teatro e filmes inspirados nos dramas, tragédias,heróis e canastrões da Copa no Brasil


Carolina Braga
Estado de Minas: 13/07/2014

Independentemente do resultado da partida de hoje entre Alemanha e Argentina, o que não faltou nos últimos 31 dias foi drama. E da pesada. Daqueles que na pena de Shakespeare renderia uma boa tragédia e na máquina de escrever de Nelson Rodrigues resultaria em um melodrama rasgado. Samuel Beckett e Eugene Ionesco, talvez, não resistissem a uma nova incursão no gênero do teatro do absurdo.

Mas não é de todo louco traçar comparações entre as emoções vividas tanto no futebol como em uma peça, um filme, uma novela ou um seriado de TV. Como aponta a dramaturga e pesquisadora Adélia Nicoleti, o paralelo é possível, já que o esporte e o drama têm a mesma gênese: o jogo. “Personagens com características e objetivos próprios contam com aliados para enfrentar seus antagonistas com força e capacidade igualmente particulares. Conflito estabelecido, parte-se para a consecução da ação, circunscrita num espaço determinado e num tempo previamente definido”, explica.

As regras estão claras para todos os lados. O circo que se arma em torno do futebol pode ser comparado à mesma euforia registrada nos livros de história sobre os primórdios do teatro grego. Na época do culto a Dionísio também era assim. O público lotava arquibancadas, vibrava pelos ídolos criados em tragédias ou comédias. Da mesma forma, como lembra Adélia, “há regras estabelecidas e quanto mais houver tensão e esforço por parte dos personagens, mais o público irá envolver-se e aplaudir no final ou, quem sabe, em cena aberta”. E não foi exatamente assim na Copa do Mundo?

“Não só a mídia, mas todos nós nos apoderamos das ferramentas do drama, já que a maioria tem prazer em contar e ouvir histórias. O bonito da Copa, para o Brasil, é o tamanho monumental da aventura. Boa parte do país vive as viradas, surpresas, crises e ápices coletivamente”, comenta o roteirista e diretor Marco Dutra.

Hoje, com a força da mídia, uma mordida vira concorrência para a franquia Crepúsculo; uma joelhada nas costas se torna o clímax entre mocinho e o vilão do naipe de Karatê Kid. “Não se esqueça de colocar nessa história os goleiros como heróis”, lembra a pesquisadora e professora de teatro Bárbara Heliodora. Filha de Marcos Carneiro de Mendonça (goleiro da primeira Seleção Brasileira, da qual foi titular de 1914 a 1922), aposentada da função que a transformou em uma das críticas mais temidas da produção nacional, ela acompanhou como pôde o espetáculo da Copa do Mundo. “Toda situação na mão de um bom autor vira uma boa peça. Agora estamos próximos de chegar no clímax, naquela cena de grande confrontação”, diz sobre a final de hoje no Maracanã.

Para Bárbara Heliodora, o que houve de inesperado no desenrolar do torneio são os elementos determinantes para a ação dramática. “A derrota da Espanha, logo de saída, era uma coisa inacreditável. É perfeitamente possível criar uma situação dramática em torno do que se espera. Daquilo, não”, diferencia sobre o real e o ficcional. O mesmo vale para o fatídico 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil.

“Depois do terremoto do jogo, tenho pensado muito nos jogadores e sinto vontade de mergulhar no horror, gênero que me dá grande prazer, mesmo lidando com o lado sombrio de todos nós”, confessa o cineasta Marco Dutra, que tem no currículo longas como o drama Trabalhar cansa e o horror Quando eu era vivo. “Não faria um filme, mas uma série com muitas reviravoltas”, diz o diretor Gabriel Martins, integrante da produtora Filmes de Plástico. “Teve glória, surpresa, coisas sendo confirmadas e outras que não se imaginava. Falaria para os meus atores: ‘Só vou entregar o roteiro na hora de gravar’”, brinca.

Superação Responsável por sucessos de bilheteria como Até que a sorte nos separe, De pernas para o ar e outras comédias, o roteirista Paulo Cursino concorda que tudo que vivemos nos últimos dias daria para fazer um “senhor filme”. Ele, no entanto, exploraria outro gênero, diferente daquele que o consagrou. “Faria um filme sobre a Costa Rica. O fato de ser um país tão pequenininho e ter espancado os grandes. Seria legal contar uma aventura de superação”, propõe. Cursino conta que o primeira coisa que faz ao elaborar um roteiro é a concepção do personagem e a Copa tem um cardápio farto deles.

 “Os noticiários destacam de modo dramático o perfil dos jogadores: seu nascimento doloroso, a infância sofrida, a juventude abnegada de um herói que vive para os treinos e para levar o nome da nação a todos os cantos do mundo. Cada boleiro de várzea sente-se identificado e, de certo modo, representado por aquele guerreiro. Forja-se uma verdadeira mitologia. E como todo personagem dramático que se preze, os jogadores têm lá seus defeitos – são irascíveis, lúbricos, malandros, irresponsáveis, encrenqueiros, exibicionistas”, analisa Adélia Nicoleti. “No entanto, tudo isso é visto como insignificante diante de sua potência em campo, em defesa da pátria e de todos os brasileiros por eles representados”, analisa.

A copa como...

… circo romano

“Do lado de fora está a massa, que não pode pagar ingresso. Nas arquibancadas, os mais favorecidos, querendo ver sangue e suor da Seleção. Nos camarotes estão os empreiteiros, os patrocinadores, o poder público e a Fifa. Nas galerias está a mídia, estimulando o público a torcer por esse ou aquele gladiador, ou açulando os animais para que a luta seja mais atraente. No centro da arena, os jogadores/gladiadores competindo – vale mordida e agressão de todo tipo. Vaia, esbraveja, mas sabe reconhecer e incentivar quem é bom. Um guerreiro é atingido pelo inimigo e tem de ser retirado da batalha. A vitória está ameaçada. A mídia investe no suspense. Sem o seu herói, o time se vê perdido e também a taça. O inimigo venceu.”
Adélia Nicoleti, dramaturga


... tragicomédia irônica

“Euforia do Mundial em casa. O preparo da Seleção e do nosso craque, Neymar. A expectativa geral. A abertura da Seleção Brasileira: gol contra! – quiçá, uma música tensa de fundo. Entretanto, a Seleção não desanima. Vai em frente. Confiante. Neymar marca gols e pode sonhar com a artilharia do time. Terceiro momento (segundo obstáculo): nosso herói é ferido. Está fora da Seleção. Cena ápice de Neymar dizendo aos colegas: ‘Joguem por mim! Joguem pelo país! Uma Seleção é feita por todos’ – quiçá uma música que conduz ao clímax da peça. A peça termina com Neymar assistindo ao jogo em sua confortável casa. Depois do sexto gol, o hexa está longe... Ele muda de canal. Aperta o controle diversas vezes, sem chance de fuga... Só dá Copa! Só dá Alemanha! Mais um gol! Aperta freneticamente o controle, até encontrar um único canal que não noticia a fatídica partida. Um jornal qualquer. Voz de locutor: ‘Ainda não foi aberta a CPI para investigar as obras de mobilidade urbana, motivadas pela Copa do Mundo...’. Imagens de escombros. Um grande viaduto desabado. Neymar desliga o televisor. Suspira. Seu semblante está sério. Levanta-se e vai jogar pôquer.”
Sara Pinheiro, dramaturga


... filme de terror

“Jogadores brasileiros ganham um amuleto de pedra de uma torcedora – uma simpática menina de 6 anos. Eles não sabem, mas o amuleto os hipnotiza e os deixa à mercê de um demônio do inferno que tem uma diversidade de almas brasileiras em jogo. Na noite depois da vitória da Alemanha, ainda abalados, os jogadores decidem se unir uma vez mais para investigar a maldição, fechar o corpo e, se tudo der certo, salvar o país de uma eternidade de chamas.”
Marco Dutra, roteirista

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