domingo, 6 de julho de 2014

Torcida alemã prepara invasão‏

Torcida alemã prepara invasão
Simpáticos e comunicativos, os primeiros torcedores do time adversário do Brasil começam a chegar à capital
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 06/07/2014


Não tem um jeitinho de arrumar ingresso para terça? - Mario Goralski, estudante, que adorou o fígado com jiló do Mercado central (FOTOS: TÚLIO SANTOS/EM/D.APRESS)
Não tem um jeitinho de arrumar ingresso para terça? - Mario Goralski, estudante, que adorou o fígado com jiló do Mercado central


Pesquisa do Ministério do Esporte estima que 11,3% dos ingressos vendidos para a semifinal desta terça-feira seja para alemães. É só fazer uma conta rápida, bem por alto, para ver que o Mineirão deve receber, por baixo, seis mil torcedores que esperam por mais gols do atacante Thomas Müller. Seja como for, a invasão tricolor só deve se intensificar a partir de hoje. Ainda que em pequeno número, sua presença já começa a ser notada em Belo Horizonte.

Passar despercebido, por sinal, é tarefa difícil para Mario Goralski, de 28 anos. Alto e loiro como boa parte da população de seu país, ele vai bem além dos estereótipos. No Mercado Central, em meio a um fígado acebolado e bate-papo entre alemães e brasileiros, houve quem perguntasse se era modelo. Não, apenas um estudante de Bochum (região da Renânia do Norte) que, recém-saído de um mestrado em administração e economia, se permitiu um período sabático de três meses.

Já ficou ao menos um – sua passagem de volta está marcada para 24 de agosto – onde conheceu boa parte do Ceará. Surfou nas ondas de lá e não temeu os tubarões do Recife. Em Caruaru, não perdeu o São João. Chegou a Belo Horizonte justamente um dia antes de ver sua Alemanha virar semifinalista após bater a França. Assistiu ao gol de Mats Hummels na Savassi ao lado do amigo brasileiro Lucas Barbosa, que o hospeda na cidade. Comemorou até as cinco da manhã em festa no Mercado das Borboletas. Ainda que em Fortaleza ele tenha surfado – até conseguiu virar garoto-propaganda da marca Sakapraia, surfwear de Pernambuco – em BH teve contato com um calor humano que ainda não tinha sentido.

Mario fica aqui por uma semana. Daqui a uns dias vai até Ouro Preto para ver o Festival de Inverno. Na temporada brasileira, conseguiu assistir no estádio somente ao embate de Alemanha e Gana no Castelão, em Fortaleza. “Não tem um jeitinho de arrumar ingresso para terça?”, pergunta o alemão surfista com sua brasilidade recém-adquirida e seu português mais do que admirável para alguém que estudou por somente seis meses. “Já falava espanhol, é muito parecido.”

Imersão cultural O alemão vai tentar ir ao Mineirão de qualquer maneira. Vai também tentar adiar a partida brasileira. Depois de Minas Gerais, viaja até o Rio, São Paulo, Salvador. E, quem sabe, arrumará um estágio numa empresa. Seu sonho já foi realizado pela conterrânea Sabine Koch Menezes. O último sobrenome vem do marido brasileiro Diego. Conheceram-se há três anos, falando em inglês, num ônibus turístico na Patagônia chilena. Com o casamento e a mudança para BH, Sabine estudou muito o português, que fala e escreve com fluência.

Já o alemão natal virou meio de vida. Atua como professora de alemão, além de ter criado o Liebe & Lebe Deustch (Amar & viver alemão), que reúne grupo de alemães e brasileiros que viveram naquele país. A ideia é uma imersão na cultura e gastronomia do país europeu, para matar as saudades e não perder as raízes. São encontros semanais, sempre às quartas-feiras, que só viram crescer seus integrantes por causa do Mundial. Sabine quer reunir um grupo maior na noite de amanhã como uma preparação para o jogo. Na terça, admite, ela e o marido vão ter que se dividir. Na hora de torcer, cada um fica com seu próprio país.

Sabine Koch e o marido brasileiro, Daniel, promovem integração
Sabine Koch e o marido brasileiro, Daniel, promovem integração

EMBAIXADA AMBULANTE

Projeto de assistência ao torcedor alemão que está no Brasil para acompanhar o Mundial, a chamada Embaixada dos Torcedores conta com duas vans que vão a todas as cidades onde a seleção de seu país joga. O serviço prestado por diplomatas que atuam na Embaixada em Brasília e no Consulado-Geral no Rio inclui informações turísticas de cada cidade como também apoio em casos de documentos perdidos. Em BH, as vans começam a trabalhar na segunda-feira, a partir das 12h. Ficam disponíveis para o turista até o meio-dia da quarta. Uma ficará na Praça da Savassi e a outra ao lado da Igreja da Pampulha. Informações: (31) 8240-2851. Para o jogo de terça, a Alemanha será representada por parte de seu corpo diplomático. Em licença médica, o embaixador da Alemanha, Wiefrid Grolig ainda não confirmou se poderá vir. Mas estão confirmadas as presenças do cônsul-geral do Rio de Janeiro, Harald Klain e o cônsul honorário em Minas Gerais, Victor Sterzik.
Jogo com os tricolores

Haus
Rua Juiz de Fora, 1.257, Santo Agostinho, (31) 3291-6900. O tradicional restaurante oferece cardápio tanto em português quanto em alemão. Além do cardápio convencional, há ainda um especial para ser harmonizado com cervejas alemãs. Na terça vai abrir às 15h. O prato do dia será a linguiça HB.

Krug Bier
Rua Major Lopes, 172, São Pedro, (31) 2535-1122. Para quem quer festa além de jogo. A cervejaria vai abrir seu estacionamento para uma festa com show de samba tanto antes quanto depois da partida. Na sexta, houve um público de 400 pessoas. Na terça, é esperado até mesmo o triplo. A casa vai abrir a partir das 14h.

Neckartal
Rua Leopoldina, 73 , Santo Antônio, (31) 3296-8750. Ponto de encontro da colônia alemã em BH, o restaurante recebe até 80 pessoas, que podem assistir à partida em duas TVs. Não há reserva. De especial para terça-feira, será servido o biscoito brezel. Feito na hora, ele vem recheado de manteiga ou patê de fígado.

Stadt Jever
Avenida do Contorno, 5.771, Funcionários, (31) 3223-5056. O tradicional pub alemão, que soma quase 30 anos em BH, não exibe as partidas. Na terça, vai funcionar normalmente a partir das 18h. Mesmo sem televisão, reúne um bom time de alemães, seja de moradores ou visitantes.

Com a cara e a coragem Mundial não atrai só turistas com dinheiro: sem recursos ou hospedagem, 16 estrangeiros já pediram ajuda em plantão para migrantes em BH. Argentino foi mandado para albergue

Sandra Kiefer



"Não posso escolher serviço. Se precisar pintar uma casa, faço" - Matías Luengo, turista argentino que foi encaminhado para albergue especializado em acolher migrantes em BH

Nem só de turistas endinheirados vive a Copa do Mundo. No terminal rodoviário de Belo Horizonte, o plantão do Serviço Social de Atendimento ao Migrante registrou 16 ocorrências desde o início do Mundial. Estrangeiros que não sabem se expressar corretamente em português alegam ter sido roubados e pedem ajuda ao governo para voltar ao país de origem. Entre eles, há chilenos, colombianos, mexicanos, haitianos e argentinos. Dois foram encaminhados ao Consulado da Argentina em BH e os outros para a Pousadinha Mineira, albergue especializado em acolher migrantes, na Região Central da cidade.

“Atraídos pela Copa, muitos estrangeiros vêm na sorte. Depois é que vão tentar saber como arranjar dinheiro para voltar. O número de turistas desamparados deve ser muito maior, porque a maioria desconhece o nosso serviço”, alerta Desirê Mourão, coordenadora do Plantão Social de Atendimento ao Migrante. Com sede na rodoviária de BH, o serviço atende apenas à demanda emergencial.

“Não tenho morada (casa), trabalho e nem dinheiro. Minha moneda (moeda) vale muito menos aqui”, compara o mochileiro Matías Luengas, de 34 anos, natural de Córdoba, na Argentina. Ele e um colega chegaram ao país há cerca de 45 dias. Pegando carona, a dupla cruzou estradas de Santa Catarina, Paraná e São Paulo até desembarcar em BH – a cidade-base da seleção hermana. Embora não tenham ingressos para os jogos, os dois querem experimentar o clima da Copa.

Os estrangeiros já chegam diante dos assistentes sociais com palavras ensaiadas. Ninguém admite que está no Brasil por causa do Mundial. “O discurso do turista muda de acordo com a necessidade. Ele sabe do que precisa dizer para conseguir lugar nos abrigos mantidos pela prefeitura”, explica uma das técnicas do plantão, que pede para não ser identificada.

África Há cerca de 15 dias, um grupo de torcedores da Tanzânia, na África, apareceu pedindo ajuda no terminal rodoviário da capital. Apesar de ter em mãos as passagens aéreas de volta para a África, o grupo insistia em seguir de ônibus até Fortaleza (CE). Independentemente dos argumentos para tentar convencer os assistentes sociais, pesou o fato de que haveria partidas na capital cearense disputadas pelas seleções de Gana e da Costa do Marfim. Os times acabaram desclassificados.

“Não houve como atender os jovens africanos. Eles diziam ter sido roubados, mas não queriam ir embora. Não dava para encaminhá-los ao abrigo, pois havia menores de idade no grupo”, explica a coordenadora do Serviço Social de Atendimento ao Migrante.

O argentino Matías Luengas pretende se estabelecer em Belo Horizonte. Formado em linguagem audiovisual, ele aguarda os trâmites burocráticos para obter a carteira de trabalho. O rapaz aceita qualquer emprego. “Estou no Brasil pela natureza e para aprender um idioma estrangeiro. Não posso escolher serviço. Se precisar pintar uma casa, faço, mas prefiro trabalhar na área da gastronomia”, explica, enquanto ajuda a carregar engradados de refrigerante no albergue. Cansado, bebe três copos de água seguidos. Para ganhar uns trocados, aprendeu a fazer malabarismo nos semáforos, o que lhe rendia de R$ 20 a R$ 40 por dia.

“Não conheci ainda a comida mineira, pois vim com pouco dinheiro. Do pouco que pude provar, fui bem servido. As montanhas de BH lembram Córdoba, e a cidade não me pareceu tão grande como São Paulo. Além disso, fica no meio do caminho entre o Rio e a Bahia. Gostei de morar aqui”, elogia.

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