segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Hora de sair do sol - Celina Aquino

Tecnologia criada em Ouro Preto para tratar icterícia em recém-nascidos pode ser usada no monitoramento da exposição aos raios ultravioleta

Celina Aquino
Estado de Minas: 18/08/2014



O que era problema virou solução. Enquanto a indústria tenta impedir a mudança de cor das telas flexíveis, que se degradam muito rapidamente em contato com a luz, pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) aproveitam a propriedade dos polímeros, um tipo de material plástico, para criar sensores de radiação, que podem até salvar vidas. Desenvolvida inicialmente para auxiliar o tratamento de icterícia em recém-nascidos, a tecnologia patenteada, inédita e genuinamente brasileira, agora também pode ser usada para monitorar a exposição aos raios ultravioleta. O selo passa do vermelho ao verde, indicando que está na hora de renovar o protetor solar ou sair do sol.

Os sensores mudam de cor quando estão expostos a um determinado tipo de radiação. O que mede os raios ultravioleta é chamado de Sunsticker. “Ele vai conscientizar as pessoas sobre a exposição prolongada ao sol. A radiação solar é uma das principais responsáveis pelo câncer de pele e a nossa preocupação é reduzir os índices da doença”, comenta a química Mariane Satomi Weber Murase, integrante do Laboratório de Polímeros e Propriedades Eletrônicas de Materiais (Lappem) da Ufop. De fácil leitura, o Sunsticker funciona como um semáforo inteligente: quando fica verde, mostra que chegou-se à quantidade máxima saudável de raios ultravioleta. O selo solar pode ser aplicado na pele ou na roupa.

Segundo a pesquisadora, o Sunsticker é pensado para trabalhadores e atletas que passam muito tempo sob o sol. “Nossa expectativa é que o selo se torne um equipamento de proteção individual (EPI), obrigatório para garantir a segurança de quem precisa permanecer longos períodos debaixo do sol. Mas queremos também que a população em geral possa usá-lo para fazer uma caminhada no domingo, por exemplo”, pontua Mariane. Por enquanto, o Sunsticker está calibrado para peles sensíveis, o que garante proteção para todos os brasileiros. A pesquisadora adianta que a intenção é criar selos para cada tom de pele. O tamanho e a forma dos sensores também podem variar de acordo com a demanda.

Cincos alunos ligados ao Lappem planejam colocar o produto no mercado. Para isso, eles criaram, há um ano, a startup Lifee, uma das 40 selecionadas no mundo inteiro pelo Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development (SEED), programa do governo de Minas Gerais. Falta registrar o Sunsticker no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Mariane explica que o grupo ainda não definiu o custo do selo, mas ela garante que será baixo e acessível a qualquer parcela da população.

LUZ AZUL A empresa estuda também oferecer, a hospitais e maternidades, um sensor de radiação para luz azul, conhecido como Neosticker, que pode ser útil para recém-nascidos com icterícia. “Acreditamos que haverá um salto de qualidade no tratamento e queremos contribuir para que nenhuma criança no mundo tenha sequelas. Se a fototerapia não for adequada, a molécula tóxica bilirrubina, que deve ser eliminada pelo organismo, impregna no sistema nervoso central e causa cegueira, surdez e até paralisia cerebral. Isso é irreversível”, alerta a química industrial Giovana Ribeiro Ferreira, pós-doutoranda em física de materiais. De acordo com a pesquisadora, o tratamento não é controlado adequadamente porque os profissionais de saúde não conseguem medir a quantidade de luz azul a ser recebida.

O selo passa do vermelho ao verde, para mostrar que o tratamento da icterícia foi realizado corretamente. Quando não muda de cor em duas horas, indica que o recém-nascido não recebeu a quantidade de radiação adequada. “Preferimos calibrar a alteração em pouco tempo, para que seja possível ajustar o tratamento mais rapidamente”, justifica Giovana. Recomenda-se que o adesivo seja colado na fralda, mas não há problema em ter contato com a pele do bebê. A aluna da Ufop esclarece que a concentração maior no Neosticker é do polímero convencional, encontrado em copos descartáveis e garrafas de água, por exemplo, objetos que já estamos acostumados a manusear. Já foram realizados testes em laboratório e com recém-nascidos de um hospital no Sul de Minas. A próxima etapa é registrar o produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

De acordo com o coordenador do Lappem, Rodrigo Bianchi, a proposta é trabalhar com materiais orgânicos que mudam de cor, para diversas aplicações. “Os grandes laboratórios tentam inibir os processos de degradação. O que queremos é controlá-los”, resume o físico, que há 12 anos começou a estudar os polímeros luminescentes. 

Está em desenvolvimento um sensor para medir a radiação em alimentos. Muito usada em países da Ásia e África, onde não há sistema de refrigeração, a técnica inibe brotação e mata bactérias, aumentando o tempo de prateleira do produto. O selo pode servir tanto para o controle da indústria alimentícia quanto para o consumidor saber que a quantidade de radiação está adequada.

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