terça-feira, 2 de setembro de 2014

LEI MARIA DA PENHA » Elas querem proteção‏

LEI MARIA DA PENHA » Elas querem proteção Pedidos de medidas protetivas passam de 6 mil este ano em BH, média superior a um caso por hora. Lei prevê rapidez, mas há mulheres vítimas de violência que reclamam de demora 

Junia Oliveira, Landercy Hemerson e Valquiria Lopes
Estado de Minas: 02/09/2014


 (QUINHO)

A Justiça em Belo Horizonte recebeu este ano mais de 6 mil pedidos de mulheres por proteção contra companheiros e ex-companheiros. A média é superior a um caso por hora e mostra como vítimas de violência física, verbal, sexual ou até patrimonial depositam nas medidas protetivas a esperança de evitar agressões. Dos 44.820 processos em tramitação no Fórum Lafayette por causa da chamada Lei Maria da Penha, um quarto envolve medida protetiva (11.028). Apesar do avanço legal, há casos de mulheres que relatam demora em obter proteção e cobram mais agilidade da Polícia Civil e da Justiça.
Desde o início do ano, a comarca de BH recebeu 6.232 pedidos de medidas protetivas – um pouco menos que o mesmo período do ano passado (6.336) e mais que o registrado entre janeiro e agosto de 2012 (6.159). Em todo o ano de 2013, foram 9.393 pedidos. Afastar o agressor do lar, proibi-lo de se aproximar ou mesmo entrar em contato com vítima são alguns de tipos de medidas protetivas (veja quadro). Há casos em que a Justiça pode determinar que o agressor seja monitorado com tornozeleiras eletrônicas. De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), das 1.914 pessoas acompanhadas por esse sistema em Minas, 22,5% estão ligados à Lei Maria da Penha. São 431, sendo 200 homens e 231 vítimas – elas usam um dispositivo que avisa sobre a aproximação do agressor.
A titular da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Belo Horizonte, Silvana Fiorillo, considera os números altos. “É uma demanda inexplicável. No nosso plantão, recebemos vítimas o dia todo”, diz. Ela afirma que raramente uma mulher comparece à delegacia no primeiro caso de agressão, tendo, normalmente, um histórico do problema. No local, além de ouvi-la imediatamente, a delegada explica quais são os mecanismos de defesa e que a vítima tem a opção de requerer ao juiz a medida protetiva. Se necessário, é feito na hora o exame de corpo de delito. 

A Polícia Civil tem 48 horas para enviar o expediente para a Justiça e o magistrado tem o mesmo prazo para deferir ou não o pedido de proteção. “O importante da Maria da Penha é esse tratamento, esse acolhimento. As mulheres sentem segurança de ir à delegacia. É importante registrar a ocorrência e, se feito com a Polícia Militar, comparecer à delegacia. É isso que vai facilitar a tomada de providência para lavrar o que a lei determina”, ressalta Silvana. A delegada acrescenta que, além do requerimento da proteção, há ainda a abertura de inquérito para apuração do crime e punição do agressor.
Para J., de 47 anos, no entanto, a busca por segurança se tornou uma angústia. Mais de um mês depois de ser agredida pelo marido, ela ainda não conseguiu medida protetiva. A cicatriz dos oito pontos no supercílio direito e a ferida do lado esquerdo da boca ainda lembram a noite de terror. Os dias seguintes também foram de pânico, já que o agressor, apesar de preso e autuado em flagrante, saiu pela porta da frente da delegacia sete horas depois de detido. O homem negou a agressão e sugeriu que a sua então mulher havia escorregado e se machucado. Mas as imagens das câmeras de segurança interna da mansão em que o casal morava, na Grande BH, mostraram situação diferente. Com as provas em mãos, o delegado do plantão policial da delegacia de área estipulou fiança de R$ 10 mil, que logo foi paga, evitando que o acusado fosse trancafiado em cela comum.

Separação J., que se casou depois de uma relação de seis anos, com idas e vindas, saiu de casa apenas com a roupa do corpo e sua filha de 13 anos, do primeiro relacionamento. Depois do caso de violência, terminou o casamento, que durou oito meses. Ela procurou a Delegacia Especializada de Crimes contra a Mulher de BH, para registrar a ocorrência e pediu que fosse expedida a medida protetiva. Na delegacia, disseram que em 10 dias a decisão judicial estaria pronta, mas até ontem não havia recebido comunicado da Justiça. O caso está sendo transferido da comarca de BH para a cidade onde o crime ocorreu, pois a legislação prevê que a medida seja expedida pela comarca onde ocorreram os fatos. Para a delegada Silvana Fiorillo, a demora no caso pode ter a ver com a grande demanda na Justiça. A assessoria de imprensa do Fórum Lafayette informou que não havia possibilidade de um magistrado comentar ontem sobre prazos de medidas protetivas. 

Depois da agressão, a rotina de J. foi radicalmente mudada. Mesmo tendo casado com separação de bens e tendo saído do casamento sem qualquer tipo de benefício material do ex-marido, ela agora se esconde. Teve que abrir mão de seus negócios, arrendado para outra pessoa. Sua filha mudou de escola. Mãe e filha andam escoltadas por funcionários da família. “Desde a agressão e o flagrante na delegacia, eu não o vejo e tenho medo de encontrá-lo. Mas estou temerosa de uma vingança e agora vivo como clandestina. Mesmo ele não tendo feito ameaças, sei que tem um histórico agressivo e temo pelo pior”.
A empresária diz que não vai desistir de fazer com que a Justiça prevaleça. Mas admite que está descrente com o sistema, diante da lentidão. “Tive que ir ao cartório para concluir a separação e fiquei a metros de distância dele, embora sem vê-lo. O medo foi grande e não consigo ter minha vida de volta. Mesmo com provas da agressão, não houve qualquer decisão judicial de medida protetiva e nem mesmo de prisão preventiva contra ele.” Procurada, a Polícia Civil informou que cabe ao Judiciário expedir a medida protetiva e decidir pela prisão preventiva do acusado.


PROTEÇÃO
São medidas protetivas:

– O afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima;
– Proibição do agressor de se aproximar da vítima;
– Proibição do agressor de contactar com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio;
– Obrigação do agressor de dar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios;
– Proteção do patrimônio, através de medidas como bloqueio de contas, indisposição de bens, restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor, prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica.

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