domingo, 28 de outubro de 2012

O culto a Piglia na TV E os ensaios de Pauls reunidos em livro


DIÁRIO DE BUENOS AIRES
O MAPA DA CULTURA

DAMIÁN TABAROVSKY
tradução PAULO WERNECK

ADORO A EXPRESSÃO argentina "un secreto a voces" [literalmente, "um segredo de muitas vozes", equivalente a "segredo de polichinelo"]. Implica o paradoxo de que haja um segredo, mas conhecido por muitos, por todo mundo. Algo que todos sabem, mas em voz baixa, feito um sussurro.
Acontecia algo assim com a obra crítica do romancista Alan Pauls ("O Passado"). Já sabíamos que ele é um extraordinário crítico de cinema, um notável ensaísta literário, um jornalista cultural valioso. Faltava, porém, um livro que reunisse esses artigos, até agora dispersos em revistas, prefácios, textos de circunstância.
Pois acaba de sair "Temas Lentos", seleta dos ensaios de Pauls feita pela jornalista Leila Guerriero (ela mesma uma repórter reconhecida), pela editora chilena Diego Portales. São quase 350 páginas que esbanjam inteligência e erudição. E uma leve impostação, às vezes no limite da frivolidade, que o torna ainda mais interessante (chega de escritores sérios!).
O único problema é que a editora não tem boa distribuição em Buenos Aires. Poucas livrarias têm o livro. Será preciso caminhar para encontrá-lo. Ou melhor: estou convencido de que, se é fácil encontrar um livro, é porque ele é ruim.
LITERATURA NA TV
Passemos agora a alguns dos nossos máximos escritores sérios, Ricardo Piglia.
Tomado por um estado de hiperatividade, o vemos dirigindo uma coleção de reedições na editora mexicana Fondo de Cultura Económica, sendo capa uma vez por ano do suplemento "Ñ", do jornal "Clarín", e outras atividades menores, que não vêm ao caso agora (escrever talvez seja uma delas).
Ele também acaba de protagonizar um ciclo de quatro aulas sobre literatura chamado "Cenas do Romance Argentino" para o canal 7 (governamental).
E, quando ninguém esperava nada interessante desse projeto, ou melhor, quando eu não esperava nada interessante, eis que o programa mostrou-se muito digno, intelectual. Vi os quatro capítulos com muito entusiasmo.
Agora as aulas circulam pelo YouTube, quase como um programa de culto religioso. Eis o link da primeira aula:bit.ly/rpiglia.
BOA (E MODESTA) REVISTA
Desde maio, com periodicidade mensal, vem sendo publicada a revista virtual "Tónica"(revistatonica.com), pelo jovem (mas nem tanto) escritor Juan Terranova. É uma publicação inteiramente dedicada ao mundo editorial, literário e crítico.
Apresentada em diferentes formatos digitais, o mais interessante da revista são as entrevistas com editores ou escritores. São perguntas simples, que permitem conhecer as opiniões dos autores sobre sua própria obra ou dos editores sobre o catálogo que editam.
Feitas com modéstia, como se o entrevistador se limitasse a mostrar os fatos, a contextualizá-los, a jamais rivalizar com as palavras do outro. Exceto no editorial, no qual Terranova deblatera contra isto, aquilo e aquilo outro.
Às vezes concordamos, às vezes não. Mas isso não tem tanta importância.
SALÃO DO LIVRO, QUEM SABE
O salão do livro de Buenos Aires acontece todo ano em abril, num dos lugares mais feios da cidade, um grande centro de exposições de vacas e touros.
O salão funciona como um vestígio do que seria Buenos Aires se o neoliberalismo dos anos 90 tivesse prosseguido (não há nem bancos para se sentar de graça: para se sentar, é preciso ir uma lanchonete e consumir).
Patrocinada desde sempre pelo jornal "Clarín", há pouco mais de um ano uma nova gestão tenta mudar as coisas. É um trabalho duro, nada invejável.
Mas agora quem se meteu foi o governo federal, com sua infinita capacidade de ameaçar. Em sua guerra contra o "Clarín", quer mudar o salão para Tecnópolis, antigo regimento militar suburbano onde o governo faz exposições, excursões para crianças e atos políticos.
O lugar é tão horroroso quanto o outro, mas mais distante. O resultado dessa queda de braço é incerto, o mercado editorial inteiro está na expectativa.
Eu proporia acabar com o salão e pronto. Acho que muitos concordariam.

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