sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os novos desafios do censor do cinema britânico - Vanessa THorpe


VANESSA THORPE

DO "OBSERVER"

Depois de cem anos podando as partes sádicas e sacanas dos filmes, o conselho que classifica todas as produções de entretenimento para exibição nas salas de cinema do Reino Unido está treinando o seu novo presidente, um advogado.
Mas se você, como o homem em questão, já tiver trabalhado na vanguarda dos esforços de censura por algum tempo, e for especialista nos argumentos jurídicos quanto à exibição pública de cenas de violência e depravação, será que de fato restaria alguma coisa a aprender?
Divulgação
"Laranja Mecânica" (1971), de Stanley Kubrick, exibido na mostra "Uncut" de filmes censurados pela BBFC
"Laranja Mecânica" (1971), de Stanley Kubrick, exibido na mostra "Uncut" de filmes censurados pela BBFC
Aparentemente sim, pois Patrick Swaffer, indicado para a presidência do Conselho Britânico de Classificação Cinematográfica (BBFC) no mês passado, está passando pelo "período preparatório" para um cargo que levará sua assinatura a ser projetada nas telas de cinema de todo o país, nos certificados de censura de filmes, enquanto ele permanecer no posto.
Como advogado consultor e juiz em tempo parcial, Swaffer vem assessorando o conselho sobre a lei de certificação de filmes há diversos anos, e assistiu a muitos das imagens mais perturbadoras e macabras que os cineastas mundiais conjuraram até agora. Como resultado, o BBFC diz que seu treinamento, nos meses finais deste ano, se concentrará nas categorias de filmes para menores, e não nos censurados e destinados apenas a maiores de idade.
Em lugar de assistir a uma sucessão de cenas de crueldade, o novo presidente está ocupado aprendendo a aplicar o insípido alerta "contém cenas ocasionais de ameaça amena" em filmes infantis, e como perceber a presença de "técnicas imitáveis" em uma trama --por exemplo, uma cena que mostre uma criança pequena subindo ao topo de um refrigerador.
Quaisquer cortes que um censor do BBFC deseje promover em um filme são definidos como "solicitações" antes da concessão de um certificado. Hoje, não se fala em "proibição", e em termos estritos o conselho não tem o poder de proibir a exibição de um filme. Mas a ascensão de Swaffer ao comando da censura cinematográfica no centenário da organização coincide com um exame de sua turbulenta história em uma mostra de filmes este mês, em Londres, e com o lançamento do livro "Behind the Scenes at the BBFC".
A mostra "Uncut" de filmes no Instituto de Cinema Britânico, com a curadoria de Mark Kermode, crítico de cinema do "Observer", e da professora Linda Ruth Williams, inclui alguns exemplos óbvios de filmes feitos para chocar, a exemplo de "Crash", de David Cronenberg, e "The Evil Dead", clássico cult do terror dirigido por Sam Raimi. Mas também temos "Indiana Jones e o Templo da Perdição", aventura para famílias dirigida por Steven Spielberg, exibido ontem em versão completa, incluindo a infame cena em que o coração do homem é arrancado de seu peito.
Nos dez últimos anos, o BBFC foi presidido por Sirt Quentin Thomas. Em 2002, sua assinatura passou a ser usada nos certificados em substituição à do jornalista Andreas Whittam-Smith, por sua vez substituto de um barão, que anos antes havia substituído um conde. Thomas, que foi sagrado cavaleiro em 1998, por seus "serviços à paz na Irlanda do Norte", comandou a organização durante uma década na qual ela passou a ser vista como mais transparente e mais liberal.
"Anticristo", de Lars Von Trier, e"Irresistível" de Gaspar Noé, os dois contendo cenas de violência sexual explícita, foram aprovados sem cortes para exibição em cinemas. Por outro lado, surgiram queixas quanto à decisão do BBFC, em 2011, de não conceder um certificado de censura a "The Human Centipede II (Full Sequence)", descrito como "sexualmente violento e potencialmente obsceno".
"Quando fui indicado, Ali G disse que era o melhor emprego do mundo, porque você assiste a filmes pornô o dia todo", disse Thomas ao anunciar que deixaria o cargo, meses atrás. "Ele estava errado sobre os filmes pornô, mas certo quanto a ser um ótimo emprego, com amplas oportunidades de provar a abrangência, profundidade e diversidade do cinema atual".
QUATRO "FUCKS"
O novo presidente trabalhará com 14 outros avaliadores, comandados por dois veteranos da censura; cada censor assiste a 340 minutos de cenas ao dia, de programas infantis de TV a filmes pornográficos. No que tange a palavrões, a melhor maneira continua a ser contar. As regras dizem, por exemplo, que não pode haver mais de quatro "fucks" em um filme com a classificação 12A.
David Cooke, diretor do BBFC, aponta, porém, que o contexto é decisivo. "Humor e tom são muito importantes. O contexto pode influenciar positiva ou negativamente, e os nossos avaliadores assistem aos filmes na íntegra, e em condições semelhantes às de uma sala de cinema".
A censura cinematográfica britânica surgiu com a Lei da Cinematografia de 1909, em reação à disparada no número de espectadores e ao fato de que os locais de exibição nem sempre eram seguros. As autoridades locais foram instruídas a licenciar as instalações, e com isso começaram a desenvolver um interesse pelo conteúdo do que exibiam. Um conselho nacional foi estabelecido para padronizar as regras, e em 1916 já havia 43 motivos definidos para cortar uma cena, entre os quais banhos mistos, os efeitos de "lançar ácido" ou a materialização da figura de Cristo.
Depois do auge de atividade dos anos 70, quando o conselho determinava cortes em mais de um quarto dos filmes certificados, agora a porcentagem de filmes que sofrem cortes caiu a 1%. Mas o BBFC encontrou novas tarefas. Como enfatizou o Ministro da Cultura Ed Vaizey, no começo do mês, o sistema de classificação do conselho é aplicado em todo o setor de entretenimento, e suas classificações aparecem em DVDs e em videogames jogados online. As classificações hoje parecem muito menos ditatoriais, além disso. Cooke diz que vê o papel atual do conselho como sendo refletir a opinião do país, e por isso a organização realiza trabalhos extensos de pesquisa usando grupos de discussão.
Também há uma nova ênfase em ajudar os consumidores a selecionar seu entretenimento, ainda que os avaliadores tomem cuidado para não revelar os segredos das tramas. O perigo moderno parece ser o de que os espectadores de cinema jamais sejam surpreendidos por uma mudança no clima ou por um ato de súbita violência em um filme. Será que os pais deveriam ser alertados sobre a reviravolta chocante na trama que o clássico infantil "Bambi" sofre logo em seus primeiros minutos?
"Bem, é uma decisão complicada", diz Cooke, "mas as pessoas raramente se queixam por termos fornecido informações demais".
Tradução de PAULO MIGLIACCI.

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