terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sons de Minas - Sérgio Rodrigo Reis‏

Repertório colonial mineiro volta a ser executado em salas de concertos e celebrações, atraindo a atenção do público. Dedicados pesquisadores divulgam antigas partituras 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 06/11/2012 
O Brasil – particularmente Minas Gerais – experimentou período de intensa produção musical no Ciclo do Ouro. Para dar sentido estético e simbólico a celebrações sacras e públicas, composições surgiam de milhares de autores – a maioria anônima. Durante décadas, esse repertório ficou esquecido. Nos últimos anos, graças ao trabalho de pesquisadores, esse rico legado vem sendo difundido por corais, orquestras, professores, escolas e estudantes. Pouco a pouco, o repertório colonial volta a celebrações e salas de concerto, além de ganhar regravações.

“No século 18, cerca de 15 mil músicos viviam de seu ofício em Minas Gerais. Cinco mil eram compositores. Imagine quantas partituras se perderam. Quando vejo aqueles sons executados novamente, emociono-me”, diz o maestro José Herculano Amâncio. Há 25 anos ele atua nas cidades mineiras de Congonhas, São Brás do Suaçuí e Entre Rios de Minas e pôde constatar a evolução tanto do público das apresentações quanto do interesse dos jovens pela música colonial.

“Quando canto, executo ou ouço aquela música, vou para um outro tempo. Tenho a felicidade de executá-la em locais onde, de fato, ela foi tocada”, afirma Amâncio. 

O resgate do repertório colonial vai além das cidades históricas. Desde 1999, em Belo Horizonte, o maestro Márcio Miranda Pontes desenvolve pesquisa de edição e divulgação de partituras antigas. Encontrou preciosidades que, pouco a pouco, foram disponibilizadas em 70 volumes. “Em 1º de dezembro, vou lançar, na reabertura da Igreja de São José, em Ouro Preto, o conjunto com 1,2 mil páginas de música sacra escritas no fim do século 18. A intenção é publicá-las em sites no ano que vem. Há grande interesse fora do Brasil sobre esse repertório. Na Europa, todo mundo já ouviu os pré-clássicos de todos os jeitos. Nossa música soa nova aos ouvidos deles.”

Pontes diz que se ampliaram os estudos acadêmicos sobre o tema. Além de aspectos ligados ao repertório, revelam informações sobre a sociedade e a economia colonial. A universidade tem gerado conhecimento mais profundo sobre o contexto daquela produção, o que ajuda os musicistas.

Diretora da Escola de Música de São Brás do Suaçuí, Maria Christina Amâncio se dedica há 11 anos a ensinar e difundir esse repertório. “Nossos corais e alunos cantam melhor essas peças, porque, instintivamente, sabemos como deve ser. Parece que elas estão em nosso DNA. Traz certa melancolia e piedade, características do povo mineiro do interior.”

Mauro Chantal, professor de canto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra o papel da internet para difundir esse legado. “Todos sempre souberam da produção mineira. Mas falava-se muito e pouco se produzia”, comenta. Chantal participou de iniciativas importantes quando integrava o extinto Coral Ars Nova. Liderado pelos maestros Carlos Alberto Pinto Fonseca e Rafael Grimaldi, o grupo gravou um dos primeiros CDs dedicados ao repertório colonial. Posteriormente, o Coral Madrigale, regido pelo maestro Arnon Sávio, dedicou concertos àquelas composições.

Chantal cobra do poder público mais interesse por esse legado. “Assim como há cota de exibição para o cinema nacional, o governador de Minas deveria instituir algo parecido com a música colonial em espaços como o Palácio da Artes. Nosso público só tem acesso a títulos consagrados e que vêm se repetindo, como La traviata, Viúva alegre, Nona sinfonia... Espera-se mais do poder público”, diz.

“O prazer de cantar algo nosso é único. Parece que está mais na gente”, garante a cantora lírica Lilian Assumpção.
Memória
Sob encomenda

Com a descoberta do ouro e do diamante, Minas Gerais atraiu hordas de europeus, africanos e brasileiros, desde o século 17. Na ausência de ordens religiosas – proibidas por dom João V –, o poder social, político, cultural e religioso das associações leigas católicas se fortaleceu. Nesse contexto floresceu a música sacra mineira. 

Produzidas principalmente sob encomenda, as composições foram tachadas, erroneamente, como barrocas. “Já se tratava de produção pré-clássica do ponto de vista estético. Entretanto, com sabor bem local, seja na harmonização, condução das vozes ou na orquestração”, explica o maestro Márcio Miranda Pontes. Até a década de 1940, esse legado era praticamente ignorado. De 1944 a 1946, o pesquisador alemão Francisco Curt Lange (1903-1997) fez pesquisas em Ouro Preto e Mariana. Por meio dele, veio à tona o rico repertório colonial mineiro.

Os mestres

>>  José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita
Nascido no Serro (MG), morreu no Rio de Janeiro, em 1805. Foi organista, regente e compositor. Autor de clássicos como Salve Regina, Noturno e Missa em fá. 

>>  Francisco Gomes da Rocha

Nasceu em Vila Rica, hoje Ouro Preto. De sua produção restam apenas oito composições. Entre elas estão Matinas spiritus domini (1795) e Novena de Nossa Senhora do Pilar (1789).

>>  Manoel Dias de Oliveira

Nasceu na Vila de São José, atual Tiradentes. Morreu em 1813. Compôs Música para o sábado santo e Magnificat.

>>  Marcos Coelho Neto
Pai e filho são homônimos. Ambos trompistas, clarinetistas e compositores, atuaram juntos por mais de 20 anos em meados do século 18, em Ouro Preto. Isso gerou confusão sobre a autoria de peças como Ladainha em Nossa Senhora em ré e Maria mater gratiae. 

>>  João de Deus de Castro Lobo
Nasceu em Ouro Preto, em 1794. Padre e organista, compôs Stabat mater.

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