terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Alcir Pécora

FOLHA DE SÃO PAULO

CRÍTICA FICÇÃO
Novela de Sant'Anna brilha mais do que contos em novo livro
"Páginas sem Glória" traz três novos textos em que autor passeia entre diferentes estilos com domínio de técnica
Luciana Whitaker - 25.mai.11/Folhapress
O escritor Sérgio Sant'Anna, que lança "Páginas sem Glória", em seu apartamento, no Rio
O escritor Sérgio Sant'Anna, que lança "Páginas sem Glória", em seu apartamento, no Rio
ALCIR PÉCORAESPECIAL PARA A FOLHA
"Páginas sem Glória", novo livro de Sérgio Sant'Anna (1941), reúne dois contos e uma novela.
O primeiro conto, "Entre as Linhas", é melhor ideia do que realização: o narrador-escritor, que havia produzido um conto e o submetido ao juízo crítico de uma amiga, fica tão fascinado pelos comentários feitos por ela entre as linhas do seu texto que resolve publicá-los no lugar do conto.
O procedimento é interessante. Já foi explorado por J.D. Salinger, para dar um exemplo máximo, em "Seymour, uma Introdução".
Contudo, diferentemente de "Seymour", o interesse aqui não está na qualidade da crítica -uma falsa crítica, aliás, cujo fim genérico é apenas acentuar as "ousadias" e "riscos" assumidos pelo autor-, mas na imaginação do que se perdeu com a não publicação do conto original.
Este parecia potencialmente mais rico de nuances e analogias do que a tietagem mal disfarçada dos comentários deixa entrever.
O segundo conto poderia ser o roteiro para um filme de Abel Ferrara ("Vício Frenético"), com a mistura de bizarria, violência e catolicismo que costuma haver nele.
Aqui, uma aleijada, ex-amante de um anão, estuprada por três playboys, engravida e pede conselho a um mendigo, que confunde com Cristo: deve ou não abortar?
O galope do mau gosto tem a sua graça própria, e Sant'Anna conhece bem os seus descaminhos.
Mas não desta vez. O final previsível com o mendigo a crer em seu papel divinamente inspirado, e ainda a trocar beijinhos com uma cineasta amadora cheia de boa vontade com o próximo, simplesmente afunda os excessos.
Ou porque abdica da baixeza e entrega os pontos para um neohippismo juvenil ou porque a rebaixa ao ponto zero -aquele em que o bizarro se conforma à banalidade sentimental. Não se passa de Abel Ferrara a Bruno Barreto impunemente.
NOVELA
A novela dá título ao livro e merece o destaque que tem. Fosse o livro todo dela e seria melhor do que é.
O seu protagonista é um craque de futebol, que nunca triunfou nos clubes profissionais. Porém, os lances de gênio minuciosamente descritos e analisados pelo narrador, testemunha e fã, deixam claro que nem sempre os melhores vão para os livros de história. Para corrigir a injustiça, existe a crônica.
E no frio exercício estilístico de imitar em regime "noir" as crônicas de futebol dos jornais cariocas dos anos 1950, Sant'Anna dá tal mostra de domínio técnico, que, pensando bem, a qualidade abafada pelos comentários do primeiro conto e o grotesco mal parado do segundo parecem estar ao lado da novela apenas para que conheçamos a perfeita medida dela.
BOSSA NOVA
Ao evocar a cansada mitologia do Rio de Janeiro bossa nova, cujo circuito mundano praia-subúrbio exige a elegância como senha única, a nostalgia de Sant'Anna também está a serviço da técnica.
É dela que extrai a essência paralisante que fixa, sobre o rosto vago da novela, a máscara de época da crônica.
Então a estilização é rainha. Tudo concorre a ajustá-la.
Memória infantil, nomes das ruas dos campos de futebol, manchetes escandalosas, amores ilícitos, bastidores da política e das redações existem apenas como sintonia fina das ondas da forma. Nesta reside a utopia (e mais o supérfluo e passageiro) que o narrador, êmulo de cronista, salta para alcançar.

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