segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Cúpula do clima decide destino de Kyoto



Único tratado internacional contra a mudança climática em vigor, protocolo corre risco de ter extensão anêmica
Decisão tomada em negociações no Qatar poderá afetar futuro acordo mundial, ainda sem data para vigorar
Osama Faisal/ASSOCIATED PRESS
Manifestantes pedem ação de governantes contra a mudança climática em Doha, no Qatar
Manifestantes pedem ação de governantes contra a mudança climática em Doha, no Qatar
Folha de São Paulo GIULIANA MIRANDAENVIADA ESPECIAL A DOHAA COP-18, conferência do clima da ONU que acontece até o fim da semana em Doha, no Qatar, entra hoje em sua fase decisiva ainda cercada de incertezas quanto ao principal objetivo do encontro: estabelecer uma extensão do Protocolo de Kyoto.
O panorama geral das negociações foi resumido pela secretária-executiva do evento, Christiana Figueres. Apesar de iniciar seu balanço da primeira semana da convenção de maneira otimista, ela admitiu que muita coisa inevitavelmente ficará de fora.
'O que vier de Doha não será no nível de ambição que precisamos", resumiu Figueres sobre as negociações, que envolvem quase 200 países.
Diferentemente da COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009 e foi cercada de muita expectativa sobre um grande acordo global, a atual convenção já nasceu com um perfil mais morno.
No encontro do ano passado, os países "concordaram em concordar" com a criação de um pacto global de redução de emissões de gases do efeito estufa, que englobaria nações ricas e pobres. O acordo, porém, ficou para começar a ser definido em 2015, para entrar em vigor até 2020.
Para não deixar o mundo sem nenhum tratado de proteção climática, as partes optaram pelo prolongamento do Protocolo de Kyoto, que oficialmente deixa de valer no próximo dia 31.
Além da decisão sobre até quando esse "puxadinho" do acordo valerá -se até 2017 ou até 2020-, ficou para o encontro de agora a definição do quanto será reduzido em emissões na nova fase.
"KYOTINHO"
De qualquer maneira, o acordo já nasce com um alcance limitado. Só a União Europeia e a Austrália, responsáveis por cerca de 15% das emissões globais de carbono, concordaram em participar do que já está sendo chamado, nos bastidores da COP-18, de "Kyotinho".
Em sua criação, em 1997, o protocolo comprometeu as nações desenvolvidas a reduzir suas emissões em 5,2%, entre 2008 e 2012, em comparação com os níveis de 1990.
O acordo, porém, já foi criado com ausências importantes. Os EUA não ratificaram o pacto, e nações em desenvolvimento como China, Índia e Brasil, que hoje respondem por boa parte das emissões mundiais, não tinham metas imediatas.
Hoje, o maior impasse para a extensão é puxado por Rússia, Polônia e Ucrânia. Esses países emitiram menos do que poderiam na primeira fase de Kyoto e agora querem levar essas sobras no potencial de emissões, o chamado "hot air", para a segunda fase do acordo, o que desagrada a muitos negociadores.
Canadá e Japão, que participaram da primeira etapa, já avisaram que não vão aderir ao novo período.
Embora vá ter um alcance imediato limitado, a extensão das metas de Kyoto é importante na construção do futuro pacto global para redução de emissões de gases-estufa.
Especialistas temem que, um eventual fracasso nessa negociação influencie negativamente o futuro acordo, que ainda nem foi rascunhado, mas é ameaçado pela prioridade dada à crise econômica mundial.
Mesmo nesse cenário, a delegação brasileira chegou em clima de otimismo a Doha.
O negociador-chefe do Brasil, o embaixador Luiz Figueiredo Machado, disse que não há risco de a reunião terminar esvaziada.
"Impasses são comuns em negociações longas, com mais de duas semanas, como esta", afirmou.
"COMPLEXA"
"Nós acreditamos que a conferência de Doha vai abrir uma nova etapa nas negociações do clima. Essa vai ser uma COP importante, complexa. Há muita coisa relevante sobre a mesa, inclusive as bases para o futuro protocolo que foi negociado em Durban", completou.
Na opinião de Carlos Klink, secretário de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil chegará à convenção com o "dever de casa" feito, apresentando "a menor taxa de desmatamento da história na Amazônia", divulgada na semana passada.

    Tamanho de delegações pode travar debates
    FRANCISCO ZAIDENCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAEnquanto negociadores quebram a cabeça para escapar de mais um fiasco em Doha, um novo estudo diz que esse esforço será em vão se um novo modelo de discussões não for implantado em breve.
    A conclusão é de pesquisadores da Universidade de East Anglia (Reino Unido), da Universidade do Colorado (EUA) e da empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers.
    O trabalho, liderado por Heike Schroeder e publicado na revista especializada "Nature Climate Change", questiona o modelo de votação e a quantidade desigual de membros nas delegações.
    O número de participantes atingiu seu ápice na COP de Copenhague, em 2009 -foram enviadas, ao todo, quase 11 mil pessoas, com resultados de negociação muito fracos.
    De acordo com o estudo, as pequenas delegações acabam não conseguindo acompanhar múltiplas reuniões que ocorrem ao mesmo tempo.
    Na COP do ano passado, realizada em Durban (África do Sul), o Brasil, por exemplo, levou cerca de 200 pessoas, enquanto Somália e Camboja tinham apenas um representante.
    Para evitar isso, os especialistas sugerem que a ONU limite o número de delegados, igualando o peso de cada nação.
    HORA DO VOTO
    Também muito questionado, o modelo de votação -hoje, por consenso- é considerado ultrapassado pelos pesquisadores, que sugerem que se implante a votação por maioria.
    "As atuais estruturas da ONU são altamente desiguais e obstruem o progresso em relação à política internacional de cooperação sobre mudanças climáticas", escrevem eles.
    Para Eduardo Viola, professor titular de relações internacionais da UnB (Universidade de Brasília), é preciso levar em conta que as conferências climáticas envolvem outro fator, ainda mais importante: "A ONU não é uma organização mundial, é um local de diálogo de Estados nacionais soberanos".
    Ou seja, a entidade promove debates e negociações, mas não é um parlamento em que as nações atuem juntas.
    Pelo contrário, segundo Viola, a realidade é que há apenas o sistema de soberania dos Estados e nações, não existindo de fato uma governança e organização globais.
    E é por isso que as coisas travam, diz. "A mudança climática é uma questão que mostra a interdependência do mundo. Não há solução individual, tem de ser feita pela maioria dos países."

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