segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Quanto vale uma virgem


Folha de São Paulo
As imagens que circularam pela internet eram embaraçosas e constrangedoras. Contra um fundo doméstico de ladrilhos brancos e móveis sem pretensão, a jovem olhava para os lados e hesitava em seu discurso, a que entretanto não faltava audácia.
Seguindo o exemplo da catarinense Ingrid Migliorini -que, não faz muito, leiloou a própria virgindade-, a estudante Rebeca Ribeiro, de Sapeaçu, a 155 km de Salvador, oferece em termos singelos a sua primeira noite.
"Quem der mais, leva... tipo assim, né", recita a jovem, num vídeo divulgado por computador.
As diferenças entre os casos de Ingrid e de Rebeca são tão notáveis quanto as semelhanças. Enquanto a jovem de Santa Catarina participou de um evento internacional, parte de um documentário australiano, é mais modesto o contexto social da moça de Sapeaçu. Tendo perdido o pai há três anos e com a mãe vitimada por um AVC, Rebeca vive da pensão de um salário mínimo. Situação econômica bem menos grave, em todo caso, que a de algumas meninas na Amazônia, cuja virgindade se perde com menos idade e a preço ínfimo (R$ 20, segundo revelou reportagem nesta Folha) nos prostíbulos miseráveis da selva.
Não é propriamente a necessidade econômica -muito menos a escravidão sexual no Pará ou no Amazonas- o que explica as decisões de Ingrid e de Rebeca. Tanto quanto o dinheiro, a sede de um bem ainda mais escasso -a celebridade- pode justificar a comercialização do próprio corpo, no primeiro caso. Estabelecido o precedente, o espírito de imitação e a falta de perspectivas vêm contribuir para a segunda versão.
Fica-se tentado, diante disso, a reagir de modo moralista, tanto na modalidade da reprovação religiosa à falta de castidade quanto na da crítica esquerdizante à mercantilização contemporânea.
Além de ser igualmente moralista o próprio apreço pela virgindade -que motiva os interessados a pagar tanto por tão ilusória conquista-, cabe sobretudo ver com tristeza, e não escândalo, a mentalidade que predomina nos dois lados da transação.
Por alto que seja o lance, é um momento único na biografia de uma mulher que, aqui, se vê destituído do próprio valor.


EDITORIAIS
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Campo do futuro
Setor agrícola colhe os frutos de décadas de incentivo à pesquisa, mas precisa manter investimento e evitar pecha de ameaça ao ambiente
Os dados do PIB no terceiro trimestre revelaram, além da decepção nos setores de serviços (0% de crescimento) e indústria (1,1%), a renovada força da agricultura, que progrediu 2,5%. O campo continua produzindo boas notícias no país.
O IBGE estima que a safra de grãos em 2013 deva atingir 170,9 milhões de toneladas, crescimento de 5,1% em relação a 2012. Os saldos positivos de exportação também só fazem crescer: de US$ 25 bilhões em 2004, a sobra acumulada pelo setor alcançou US$ 104 bilhões no ano passado e deve manter marca semelhante em 2012.
Muito além da produção primária, essa cadeia produtiva representa hoje de 20% a 25% do PIB.
O país detém tecnologia de ponta na agricultura tropical, resultado de décadas de investimento na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e em institutos de excelência, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq-USP.
O ganho de produtividade transformou o interior do país. Para o bem e para o mal, resultou na ocupação do cerrado pela agropecuária. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues já apontou que, em 20 anos, a produção de grãos cresceu 178%, enquanto a área plantada se expandiu só 37%.
Além do destaque em agrotecnologia tropical, que deverá ser exportada para a África nas próximas décadas, o Brasil é hoje o único país de dimensões continentais que ainda conta com grande potencial para expansão de área plantada. Uma posição invejável, tendo em vista a fragilidade da segurança alimentar no mundo.
Os estoques globais de alimentos estão baixos. A quebra na safra americana de milho e soja provocou um novo salto nos preços. A questão agrícola ganha dimensão geopolítica e está na raiz do interesse estrangeiro em financiar a produção brasileira.
Os saldos comerciais do agronegócio brasileiro devem seguir em expansão. Em uma década, podem superar US$ 200 bilhões ao ano.
O principal destinatário será a China, que absorveu 24,3% dos produtos agrícolas vendidos pelo Brasil no primeiro semestre. O país asiático está prestes a se transformar no maior comprador, superando a União Europeia. A soja representa 67% das vendas à China.
O grande desafio é dar conta da demanda crescente por alimentos sem afetar a preservação ambiental, que será cada vez mais usada para pressionar o Brasil. O modo racional de liberar terra para cultivo não é desmatar, mas elevar a produtividade da pecuária -hoje de mera 1,2 cabeça por hectare-, ocupando menos que os atuais 20% do território para pastagens.
Outros requisitos para o Brasil expandir suas vantagens comparativas no agronegócio são o acesso ao crédito e o investimento renovado em pesquisa. Seus saldos comerciais garantem âncora sólida para a estabilidade das contas externas, condição necessária para o crescimento sustentável do PIB.

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