quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Editoriais da Folha de São Paulo


Pobreza ao redor
Apesar de tratar-se de um fenômeno quase intuitivo, a pobreza não se dá a medir com a mesma facilidade dos acontecimentos naturais. É preciso, antes de tudo, definir o que é pobreza -e aí começam as divergências, seja no método, seja nos resultados.
O modo mais conhecido e usual é utilizar algum critério de renda. A partir de dado patamar, definido sempre com um grau de arbitrariedade, as pessoas deixam de ser consideradas pobres. Uma das "linhas da pobreza" mais difundidas é a do Banco Mundial, fixada em US$ 2 diários por pessoa.
Pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) há alguns anos deram um passo à frente. Partiram do consumo mínimo de calorias recomendado pelas autoridades de saúde e chegaram a um valor monetário, definidor do teto da pobreza, que varia em cada região do Brasil.
Mas a pobreza brasileira, argumenta o IBGE na edição de 2012 de sua "Síntese de Indicadores Sociais", tem outros aspectos que seria interessante captar. Atraso educacional, habitação precária e falta de acesso a serviços urbanos e à seguridade social também compõem o quadro de carências de uma fatia importante, embora decrescente, da população.
Pelos critérios utilizados no estudo -os quais, vale ressaltar, sempre carregam uma dose de subjetividade-, mais de um terço da população é vulnerável socialmente, embora não seja carente de renda. Nesse grupo, em que as demais condições de vida não acompanham o nível do rendimento, estão 70 milhões de pessoas.
Pode-se questionar a métrica do IBGE. Podem-se adotar critérios e patamares alternativos. Mas é inegável o fato de que o ambiente que cerca os domicílios, aliado ao grau e à qualidade da instrução de seus moradores, não melhorou na mesma velocidade de outros indicadores sociais e econômicos.
No ano passado, de cada 100 domicílios brasileiros, apenas 55 dispunham de rede de esgoto. Somando as fossas sépticas conectadas às redes coletoras, 37% dos lares, vencida a primeira década do século 21, continuavam desprovidos de um serviço de saneamento não por acaso denominado "básico".
Não deixa de denotar certo avanço que o debate sobre a pobreza no Brasil comece aos poucos a relativizar o peso da renda. Afinal, não vai muito longe um país em que novíssimos aparelhos eletrônicos equipam barracos desconectados dos serviços e das benfeitorias fundamentais da civilização.

    EDITORIAIS
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    Novos paliativos
    Medidas anunciadas pelo governo federal para estimular a economia são necessárias, mas pecam por seu caráter provisório
    A redução dos custos em tese estimula empresas a produzir mais. Caso inexista capacidade produtiva ociosa, pode ser que o investimento aumente. Tudo dependerá, porém, do estado geral de ânimo de consumidores, de empresários e do investimento do governo.
    É preciso ter em mente tais pressupostos a fim de analisar o efeito das medidas de estímulo à construção civil, anunciadas anteontem, e a nova redução das taxas de juros de empréstimos do BNDES, alardeadas ontem como nova solução para a inércia do PIB.
    O impacto de tais providências sobre o investimento, ressalte-se, é incerto. A princípio, a diminuição de impostos e linhas de crédito de curto prazo mais baratas vão contribuir para a redução de dívidas da construção civil. Tal premência é que levou as empresas do ramo a solicitar sua inclusão no programa de contribuições especiais para o INSS e crédito mais barato.
    Juros menores que a inflação no BNDES podem dar alguma contribuição adicional ao investimento. Mas, assim como a desoneração da folha de pagamento e outras medidas de estímulo à economia, ainda não induziram o empresário beneficiado a investir mais. O investimento declina desde o segundo trimestre de 2011.
    Os pacotes do governo têm sido remédio provisório para empresas em dificuldades devido a dívidas ou à concorrência de produtos importados. No geral, é atenuante para a alta de custos que prejudica a competitividade brasileira.
    Custos elevados reduzem a perspectiva de lucros. Esse é um dos obstáculos à retomada do investimento. Há vários outros. A incerteza sobre a economia mundial e o crescimento brasileiro reduz a confiança empresarial, assim como a ingerência excessiva do governo. O consumidor endividou-se demais e os bancos estão retraídos devido à inadimplência: o crédito, pois, cresce com mais vagar.
    Devagar também anda o ritmo dos investimentos do governo federal. Ausência de bons projetos, autorizações ambientais problemáticas e falta de capacidade operacional emperram as obras federais.
    Mas não só. Variados escândalos levaram o governo a promover uma varredura que dificulta a implementação de projetos. O desarranjo de agências reguladoras -muitas vezes dirigidas por amadores apadrinhados ou corrompidas- desorganiza o mercado.
    Ao reduzir impostos, o governo remove apenas um dos empecilhos que bloqueiam a retomada dos investimentos. Sem dúvida trata-se de medida necessária, embora enfraquecida pelo seu caráter provisório. Mas cabe ainda combater a própria inércia nos investimentos e dar cabo da desordem regulatória e administrativa que vem desorientando o setor privado.

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