quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

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Folha de São Paulo


Tiros em Sandy Hook
Uma tragédia como a da escola primária Sandy Hook, em Newtown (Connecticut, Estados Unidos), em que 20 crianças foram trucidadas por um jovem ensandecido (que se matou em seguida e já havia assassinado sua mãe), produz emoções e reflexões graves.
Todos buscam alguma explicação para ações assim tresloucadas; muitos se empenham em encontrar meios de impedir sua repetição.
Uma análise desapaixonada, no entanto, indica que tanto a busca de sentido quanto a de prevenção serão provavelmente frustradas. Pelo menos seis dezenas de matanças do gênero ocorreram nos EUA em três décadas, e sua gravidade só parece aumentar.
Dois dos mais sangrentos episódios ocorreram na última década e meia. Em 1999, na escola de ensino médio Columbine (Littleton, Colorado), dois adolescentes mataram 13 pessoas. Em 2007, na universidade Virginia Tech (Blacksburg, Virgínia), um estudante elevou o recorde de vítimas para 32.
A reação racional, dentro e fora dos Estados Unidos, é defender a restrição do acesso a armas. Sobretudo às semiautomáticas (facilitado em 2004), como as duas pistolas e o fuzil de assalto usados pelo chacinador de Newtown -legalmente adquiridas por sua mãe, ao que se noticiou.
Parlamentares do Partido Democrata que defendem controle mais rígido já se mobilizam, como a senadora Dianne Feinstein, da Califórnia, que promete para o início de 2013 um projeto de lei com o objetivo de reintroduzir a proibição da venda de fuzis de assalto.
Mesmo com a recomendável restrição a essas armas letais, a conservação do comércio desimpedido de pistolas permitirá que massacres comparáveis continuem ocorrendo -quem sabe com taxa de mortos ligeiramente menor.
Leis sobre armas de fogo, mesmo severas, terão, porém, pouco efeito sobre o que parece estar na raiz dessas matanças: um anseio desesperado por celebridade de homens desajustados, psicopatas que decidem pôr termo ao isolamento com o máximo de estrondo.
Ademais, é escassa a chance de que tais leis sejam aprovadas no polarizado Congresso americano. Armas pessoais são um signo de autonomia individual nos EUA e um direito consagrado em 1791 na Constituição (Segunda Emenda).
Desse ponto de vista peculiar, mais comum entre adeptos do Partido Republicano, mas não exclusivo deles, morticínios como o de Sandy Hook constituiriam um efeito colateral raro, que não justificaria renunciar ao que entendem ser uma liberdade fundamental.

O descaso habitual
Ministro do Supremo manda Congresso cumprir ritos da Constituição na apreciação de vetos presidenciais, algo que não tem feito há anos
A democracia brasileira evoluiria se deputados e senadores fossem tão exigentes no cumprimento de seu dever quanto têm sido para cobrar contenção do Supremo Tribunal Federal. A corte, reclamam líderes parlamentares, teria cometido uma nova intrusão em terreno legislativo ao proibir o Congresso Nacional de votar um veto da presidente Dilma Rousseff.
Anteontem, o ministro Luiz Fux concedeu liminar suspendendo a votação legislativa. O Congresso preparava-se para derrubar o veto da presidente Dilma à redistribuição de royalties -tributos sobre a receita do petróleo- desfavorável a Estados produtores, principalmente Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Também na segunda-feira, pouco antes de Fux deferir a liminar, o Supremo decidira pela cassação automática dos deputados condenados no mensalão. Essa dupla ingerência, na ótica de líderes congressistas, conotaria solapamento das atribuições do Legislativo, uma "judicialização" da política.
A acusação, feita assim em sobrevoo, faz sentido. Afinal, além de mandar cassar mandatos -atribuição típica do Congresso-, o STF chegou ao ponto de decidir o que o Legislativo federal pode ou não votar em suas sessões internas.
No caso dos deputados condenados, seria, de fato, recomendável que a perda dos mandatos fosse decidida no Congresso. Essa era a melhor interpretação da Constituição, mas acabou derrotada pela maioria do STF.
É difícil, contudo, tirar da Constituição um aval para o Congresso apreciar a manifestação da presidente sobre os royalties passando na frente dos mais de 3.000 vetos presidenciais que aguardam, alguns deles há décadas, a manifestação de deputados e senadores.
O artigo 66 da Carta, no qual Fux se baseou para conceder a liminar, é cristalino acerca do rito a seguir. O veto do presidente da República num projeto de lei precisa ser avaliado em 30 dias pelo Congresso. Findo o prazo, a pauta de votações do Legislativo deveria impedir qualquer outra deliberação -permanecer "trancada"- até a decisão final sobre o veto.
Ou seja, deputados e senadores descumprem esse mandamento constitucional impunemente há anos (a emenda com a norma vigente é de 2001). Tal comando, veja-se a ironia, foi fixado na Carta pela vontade do Congresso, no intuito de evitar a usurpação pelo Executivo de prerrogativas do Legislativo.
Não cabe, portanto, condenar a intromissão do Supremo nesse caso dos royalties. Cabe sim, mais uma vez, lamentar o descaso renitente de deputados e senadores com suas obrigações elementares.

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