quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Tendências/Debates

Folha de São Paulo

WAGNER PINHEIRO DE OLIVEIRA
Os Correios e a sociedade
De tempos em tempos, ressurge o debate sobre a exclusividade do serviço postal. É preciso dar qualidade ao serviço. Confiá-lo a um ente público é importante
De tempos em tempos, ressurge o debate a respeito de um direito do cidadão brasileiro, já ratificado pelo Supremo Tribunal Federal: a exclusividade do serviço postal.
A questão foi levantada neste jornal pelo colunista Hélio Schwartsman no seu texto "Monopólio do Atraso", no último dia 15.
É inegável que, graças a ações governamentais na última década, milhões de brasileiros tiveram significativa melhoria de renda e passaram assim a ter acesso à internet e à telefonia móvel. Os Correios estão atentos a isso e vêm avançando na oferta de soluções modernas e adequadas a esse cenário.
Mas mesmo hoje ainda não é possível que todos os documentos tramitem por meio digital. É o caso de cartões bancários, notificações judiciais ou passaportes.
É indispensável garantir ao destinatário o sigilo da correspondência e também a entrega no prazo. Duas condições que a exclusividade dos serviços postais assegura ao confiar a um ente público, os Correios, a entrega.
Ainda hoje é imenso o volume de correspondência tradicional que trafega em todo Brasil.
Por ano, cerca de 6,5 bilhões de telegramas, contas e cartas comerciais e não comerciais são entregues pelos Correios. A ECT é a única empresa presente em todos os 5.565 municípios, com entrega a preços acessíveis -uma carta simples para qualquer parte do Brasil, por exemplo, custa R$ 1,20.
A empresa, ainda, é obrigada a oferecer qualidade, conforme determina a portaria 566/2011 do Ministério das Comunicações. Uma pesquisa realizada em novembro deste ano com mais de 15 mil pessoas de todos os Estados do Brasil mostrou que 90% dos entrevistados estão satisfeitos ou muito satisfeitos com os Correios.
Tal qualidade é oferecida sem nenhum ônus ao cidadão. A empresa não onera o governo e, por tabela, o contribuinte. Ao contrário: a ECT é autossuficiente e lucrativa, retornando aos cofres públicos, anualmente, uma cifra de cerca de R$ 1 bilhão.
Assim, ao ratificar a exclusividade dos serviços postais em 2009, com base em fatos e números, o STF teve um único objetivo: beneficiar a sociedade.


RUBENS NAVES
TENDÊNCIAS/DEBATES
A atualidade do caso dos irmãos Naves
Um caso de prisão de inocentes no século passado ainda ensina que confissões por tortura não servem e que investigações têm de avaliar interesses financeiros
Há 75 anos iniciava-se, em Araguari (MG), o trágico episódio que levaria à prisão Joaquim Naves Rosa e Sebastião José Naves pelo suposto homicídio de Benedito Pereira Caetano.
Refiro-me ao notório caso dos irmãos Naves, no qual, sob brutais e constantes torturas perpetradas por agentes do regime ditatorial de Vargas, os réus "confessaram" o assassinato de Benedito.
Mas Benedito, na realidade, fugira com 90 contos de réis, reaparecendo 15 anos depois.
Os irmãos foram condenados a 16 anos de prisão por um crime que não cometeram. Ao longo de décadas, o caso foi considerado "o maior erro judiciário brasileiro".
Neste momento da história do país, é importante fazer justiça para com o próprio significado do episódio: não se tratou de um mero erro, mas sim de bárbara e deliberada violação de direitos que culminou numa falsa confissão.
Caracterizado por atuação criminosa sistemática por parte de agentes públicos, o caso dos irmãos Naves deve ser reconhecido como um episódio exemplar do exercício ditatorial do poder no período do Estado Novo.
Joaquim e Sebastião Naves, meus primos distantes, depois de meses de torturas, sofridas por eles e também por sua mãe, Ana Rosa Naves, e suas esposas, passaram 8 anos e 3 meses no cárcere. Só foram inocentados em 1953, 16 anos após o falso homicídio, graças à dedicação de Ana Rosa e do advogado João Alamy Filho.
Se no caso dos irmãos Naves o Estado foi negligente e moroso em relação a seus deveres de revisão e reparação, em diversos outros episódios vergonhosos a omissão estatal tem prevalecido.
A sociedade civil por sua vez, sobretudo no âmbito acadêmico, fez do caso dos irmãos Naves um paradigma no combate à tortura -prática que, infelizmente, ainda está longe de ser erradicada no Brasil- e em defesa do Estado de Direito.
Nessa trajetória de luta por direitos e verdade, o ano de 2012 deverá entrar para a história como um marco de vitória.
A Comissão Nacional da Verdade foi instaurada e diversas outras comissões surgiram para compor um grande movimento de valorização da memória dos mortos e desaparecidos no regime militar e para revisão das violações de direitos cometidas pelo Estado.
O trabalho das comissões têm um caráter pedagógico voltado para o futuro: é um importante instrumento para a consolidação do respeito aos direitos humanos como princípio fundamental da democracia brasileira.
Sobre o citado caso dos irmãos Naves, também sabemos atualmente que a família da falsa vítima de homicídio foi cúmplice na montagem da farsa para não ter de arcar com pesadas dívidas financeiras deixadas por ele.
Esse fato indica outro aspecto crucial da questão: a frequente existência de interesses econômicos ligados a violações de direitos humanos que não são investigadas a contento.
Neste momento de valorização da memória para o fortalecimento da democracia, o caso dos irmãos Naves nos lembra, portanto, de importantes lições.
A primeira delas é que, sem uma política consistente, planejada e articulada de reparação e busca da verdade, não há garantias de um efetivo e duradouro Estado Democrático de Direito.
A segunda é que as comissões da verdade devem examinar não somente os interesses políticos, mas também os econômicos por trás das perseguições e das práticas de tortura durante o período analisado.
Vários dos grupos econômicos que respaldaram a ditadura militar -apoiando especificamente, em alguns casos, seus aparatos repressivos- são ainda poderosos e influentes. Mas isso não deve impedir as comissões de revelar e esclarecer toda a estrutura que sustentou a violação de direitos em nosso país.
Trata-se de uma verdade indispensável para a compreensão da história e para a afirmação dos princípios democráticos com olhos no futuro.

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