segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Entrevista da 2ª Rafael Correa


Equador avaliará eventual pedido de asilo de Assad
"Nós não podemos acreditar em todas as notícias sobre massacres", diz o presidente Rafael Correa, lembrando o caso do Iraque
Folha de São PauloFLÁVIA MARREIROENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIAO Equador, que concedeu asilo político ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, não descarta fazer o mesmo com integrantes do governo do ditador sírio Bashar Assad, se isso for solicitado.
Foi o que disse o presidente equatoriano, Rafael Correa, em entrevista à Folha na sexta-feira em Brasília, antes de participar da cúpula semestral do Mercosul.
Correa confirmou a visita a Quito do vice-chanceler sírio, Faisal al Miqdad, há duas semanas, mas negou a informação do jornal israelense "Haaretz", segundo o qual o diplomata visitou Equador, Venezuela e Cuba para conversar sobre um possível asilo para Assad e familiares.
"Qualquer pessoa que peça asilo no Equador obviamente vamos considerar como ser humano, ao qual devemos respeitar seus direitos fundamentais. Mas não houve essas conversas", disse.
Segundo Correa, o diplomata sírio foi ao Equador "agradecer" a "posição objetiva" de seu governo sobre a guerra civil na Síria.
"O Equador jamais vai estar a favor da violência, mas olhemos para a história! Podemos acreditar em todas as notícias sobre massacres, de ditador? Lembremos o que se falava do Iraque."
Em confronto aberto com jornais e TVs privados do Equador, Correa deleitou-se ao ser questionado sobre o Relatório Leveson, que no mês passado fez duras críticas à imprensa britânica e recomendou a criação de uma lei de imprensa no Reino Unido: "Rasgo minhas vestes! Atentado à liberdade de expressão!"
Correa, que é favorito para ganhar mais quatro anos de mandato nas presidenciais de 17 de fevereiro, defendeu o direito do governo de não anunciar em jornais "mercantilistas".
A seguir, os principais trechos da entrevista do presidente equatoriano, na qual o esquerdista falou do impacto que teria e entrada de seu país no Mercosul e da legalização das drogas.
-
Folha - Por que Equador quer integrar o Mercosul, um bloco com disputas comerciais entre seus principais sócios?
Rafael Correa - Estamos estudando a conveniência do país entrar no Mercosul, nos interessa muitíssimo, e ao Mercosul também. Se entrar no bloco, o Equador será o único membro com litoral no Pacífico. E a nós nos interessa muito pela coincidência de visão comercial. Note que o Brasil não assinou esses TLCs [Tratado de Livre Comércio], que tanto dano fez a nosso povo. Nos sentimentos muito mais afins [ao Mercosul], com todo respeito a nossos vizinhos e a CAN [Comunidade Andina de Nações]. Dois países da CAN, Colômbia e Peru, assinaram TLCs com os EUA. Que política comum comercial se pode fazer assim?
O principal agora é terminar os estudos que temos de fazer, sobre impacto, para tomar nossa decisão definitiva sobre o Mercosul. Quando um país não tem moeda nacional [como o Equador, de economia dolarizada], o único que resta frente a potenciais problemas externos é a política comercial. E, dentro dela, a política tarifária. Equívocos podem ser fatais.
Há analistas que dizem que o Mercosul não é vantajoso para os países pequenos exportadores de commodities, mas uma boa estratégia para Brasil e Argentina. O que senhor diz?
Parece que estou escutando nossos grupos empresariais. Então quer dizer que a Europa não protege sua indústria? E na agricultura, sobretudo, quanto é o subsídio? EUA não subsidiam agricultores? Se assinarmos qualquer coisa com EUA e União Europeia é bom, segundo nossos grupos empresariais. Agora, se for com o Mercosul, não é conveniente. Creio que é conveniente e insisto que devemos ser cuidadosos.
O Equador recebeu pedido de asilo de integrantes do governo sírio ou da família Assad, como publicou o jornal israelense "Haaretz"? Houve sondagens sobre o tema?
Qualquer pessoa que peça asilo no Equador obviamente vamos considerar como ser humano, ao qual devemos respeitar seus direitos fundamentais, mas não houve essas conversas.
Quem nos visitou há alguns dias foi o vice-chanceler sírio, mas foi para agradecer nossa posição de governo, objetiva do Equador. Ele se reuniu com o nosso chanceler. O Equador jamais vai estar a favor da violência, mas olhemos para a história, por favor! Podemos acreditar em todas as notícias sobre massacres, de ditador? Lembremos o que se falava do Iraque, que as armas de destruição massivas... E com isso o que se fez foi massacrar massivamente iraquianos. Devemos ser muito responsáveis e cuidadosos com isso.
Jamais seremos a favor da violência, mas tampouco podemos cair nos erros do passado. Mas, repito, não aconteceram essas conversas.
E se o governo sírio fizesse o pedido? O sr. consideraria?
[Sim.] Como com qualquer pessoa que apresentasse uma solicitação assim. Como fizemos com o [Julián] Assange, como faremos se você nos apresentar uma solicitação assim. Analisaremos essa solicitação de qualquer cidadão que peça asilo ao Estado equatoriano, com total responsabilidade.
O sr. falou de Assange, que vai completar seis meses na Embaixada do Equador no Reino Unido. É uma crise sem fim?
Para crise sem fim o termo é infinita. Para crises nas quais não se conhece quando será o fim se chama indefinida. Não temos ainda uma definição. Tudo depende da Europa, do Reino Unido. O Equador já fez o que tinha de fazer.
A crise com o Reino Unido, que aventou a possibilidade de entrar na embaixada, está superada?
Foi um gravíssimo erro, um deslize da chancelaria britânica que foi superado totalmente. Eles disseram que não pediram desculpas, mas, na verdade, pediram.
Para ficar no Reino Unido, o que o sr. achou do Relatório Leveson, sobre...
[Interrrompe a pergunta]Rasgo minhas vestes! Atentado à liberdade de expressão!
O relatório propõe lei de imprensa que regule a mídia. O sr. se sente frustrado por não ter aprovado sua proposta do tema no Equador?
O tempo nos dá razão. Quando as respostas vêm do Primeiro Mundo, é civilização, mas quando vêm da América Latina são ditadores famintos de poder que querem calar os heroicos jornalistas que só revelam a corrupção dos políticos.
Ou seja, na América Latina e no mundo inteiro, o poder midiático é um poder imenso. Provavelmente maior que os Estados, frequentemente sem ética, em função de negócios privados. Eles proveem um direito, mas, por definição, se estão num dilema entre garantir um direito ou garantir o lucro da empresa, prevalece o segundo. Temos de saber o que estamos enfrentando.
Quando Alemanha prende 23 pessoas, fecha uma rádio em novembro ou dezembro de 2010 por fazer propaganda nazista, isso é civilização. Quando, de acordo com a lei, processamos um jornalista que me acusou de criminoso, de ordenar atirar sem aviso prévio em um hospital cheio de civis, pura e simples difamação, é atentando à liberdade de expressão. Acabemos essa moral dupla.
Como é possível que um direito tão fundamental para a coesão social, para a liberdade, para os demais direitos como é a informação, esteja em mãos de negócios privados? E já que está, e ante esse tipo de problemas, o que se necessita é controle social. E como se realiza controle social nos Estados modernos? Por meio de leis, com legitimidade democrática.
Por isso é óbvio que necessitamos de lei para regular o poder midiático. E é isso que bloquearam por quatro anos na Assembleia do Equador. Isso é o que o poder midiático e seus cúmplices na Assembleia Nacional vem bloqueando.
O sr. falou de poder econômico, mas o Estado também o tem. O governo equatoriano disse que não vai mais anunciar em "jornais mercantilistas". Não é uma maneira de manipular lealdades?
Como economista não canso de me surpreender. Se perguntamos a um economista o que ele pensa do Estado não regular um mercado com poucas empresas provendo um bem básico, inclusive um direito, e com capacidade de fazer um conluio, de entrar em acordo para prejudicar o usuário, o economista diria: "Está louco? Obviamente que temos de regular esse mercado". Esse é o mercado da informação, e quando se regula, é um atentando à liberdade de expressão.
Agora lhe pergunto do ponto de vista ético. Se o Estado privilegia certos negócios dando-lhe preferência para compras públicas, etc. vai preso! Mas no caso dos meios de comunicação, se você não lhes dá publicidade para melhorar a rentabilidade de seus negócios é atentado à liberdade de expressão. São incoerências. Que se definam! Se são negócios privados, por que clamam ajuda do governo? E se não são negócios privados, mas sim meios que proveem direito fundamental e necessitam que todo mundo lhe dê dinheiro, por que não aceitam a regulação social? Está aí a inconsistência.
O sr. tem utilizado direitos de respostas exibidos em programas de TV, interrompendo a programação, o que muitos consideram desproporcional. O que diz em sua defesa?
Se é tão desproporcional, eu proponho um trato: que não me insultem, que não mintam, que não terei nada que responder. Maravilhoso! Todo mundo feliz! Eles nos insultam dia a dia. Se estamos aqui, ainda sendo governo, é por que enfrentamos essa imprensa e a desmentimos.
O sr. é favorito para ser reeleito em fevereiro e sempre se queixa da economia dolarizada. Vai reverter isso num eventual novo mandato?
Não. Manteremos a dolarização. Os custos de sair da dolarização seriam dramáticos. Em economia, há coisas muito fáceis de impor, mas muito difíceis, quase impossíveis, de desfazer. Vejam a traumática saída da conversibilidade argentina. E a Argentina ainda havia mantido a sua moeda nacional, e o Equador a eliminou. Isso seria tremendamente traumático. O que temos de fazer é política econômica em função da rigidez desse sistema dolarizado.
O sr. atende eleitores pelo Twitter e ordena que ministros resolvam seus problemas. Essa estratégia não contribui para desinstitucionalização da política? O que responde às críticas de personalista?
Se passar a manhã atendendo aos eleitores do Equador em suas demandas no Twitter é ser personalista, pois eu sou personalista.
O Uruguai propõe legalizar a maconha. Qual a sua opinião?
É o que eu dizia antes. Se na Inglaterra propõem regulação para meios é civilização, se fazemos aqui somos ditadores. Aqui era proibido falar dessas coisas, legalizar maconha, etc. E agora nos EUA já podem legalizar maconha, etc. Creio que precisamos falar dessas coisas sem medo. Não tenho resposta definitiva. Não fumo, não bebo e creio que as drogas são uma praga para humanidade e, sobretudo, para nossos jovens, mas a estratégia evidentemente fracassou e é preciso discutir uma nova estratégia. Como diz [o escritor uruguaio] Eduardo Galeano, nós entramos com os mortos e eles, com os narizes.

    FRASES
    "Qualquer pessoa que peça asilo no Equador obviamente vamos considerar como ser humano, ao qual devemos respeitar seus direitos fundamentais [sobre suposto pedido de asilo no país de integrantes do governo sírio]"
    "Quando as respostas vêm do Primeiro Mundo, é civilização, mas quando vêm da América Latina são ditadores famintos de poder que querem calar os heroicos jornalistas que só revelam a corrupção dos políticos"
    "Manteremos a dolarização. Os custos de sair (...) seriam dramáticos. Em economia, há coisas muito fáceis de impor, mas muito difíceis, quase impossíveis, de desfazer. Vejam a traumática saída da conversibilidade argentina"

    RAIO-X RAFAEL CORREA
    Família
    Com 49 anos, é casado com a belga Anne Malherbe Gosseline, 43, e tem três filhos: Sofía, 18, Anne Dominique, 15, e Miguel, 10
    Formação
    Economista (doutorado nos EUA e mestrado na Bélgica)
    Carreira
    Ministro da economia (2005)presidente (2007-2009) (2009-2013)
    Livro
    "Ecuador: de Banana Republic a la no Republica" (Random House, 2002)

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário