quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Marcelo Coelho

FOLHA DE SÃO PAULO

Inhotim
O notável do instituto está em provar que a arte contemporânea pode ser sucesso de público
A MAIOR atração do Instituto Cultual Inhotim, nestes dias, não tem diretamente a ver com arte contemporânea, ainda que o belíssimo parque (a uns 50 km de Belo Horizonte) seja famoso internacionalmente pelas obras de Tunga, Cildo Meireles, Hélio Oiticica e muitos outros.
É que, além das galerias e galpões especialmente projetados para abrigar tantas instalações de grande porte, o lugar também funciona como um jardim botânico, exibindo muitos hectares (mas o que é um hectare, afinal?) de mata nativa e plantas de várias partes do mundo.
Entre essas plantas, está a sensação do momento. Trata-se de um espécime da maior flor do mundo, originária da Indonésia, e devidamente registrada no livro Guinness dos recordes.
O nome científico é Amorphophallus titanum (falo amorfo de um gigante?), mas o vegetal, que alcança até três metros de altura, deve sua denominação popular (flor-cadáver) ao péssimo cheiro que exala.
Como nada é tão ruim como se pensa neste mundo, a vantagem da Amorphophallus está no fato de que só floresce uma vez a cada dois anos. Pode demorar mais, até 12. Conta apenas com três dias para exalar um cheiro de peixe podre com açúcar queimado, capaz de atrair as moscas e os besouros responsáveis por sua polinização.
Nossa reportagem esteve em Inhotim para conferir o acontecimento, mas o cronograma não coincidiu. A flor-cadáver ainda se preparava para o grande dia. De todo modo, esta época traz vantagens para quem quiser conhecer a instituição. Os guias, estagiários simpáticos e nada pretensiosos, dizem que em feriados como o Carnaval aparecem mais de 5.000 pessoas.
Não peguei nenhuma fila, mas o calor no meio da mata nativa desafia os maiores entusiastas de Adriana Varejão, Chris Burden, Rivane Neuenschwander e Matthew Barney.
Cada um desses artistas tem um edifício próprio, onde felizmente não se faz economia de ar refrigerado. Carrinhos de golfe transportam os visitantes para os cantos mais remotos do parque; mesmo assim, caminha-se bastante.
Embora o paisagismo atraia muita gente, o notável de Inhotim está em provar que a arte contemporânea, tantas vezes acusada de incompreensibilidade, pode tornar-se um genuíno sucesso de público.
Apesar da verborragia que a cerca (e os textos explicativos em Inhotim não padecem desse defeito), a arte contemporânea não é tão inacessível quanto parece.
Muitas vezes, tudo reside no seu impacto sensorial. Um iglu do islandês Olafur Eliasson, por exemplo, oferece nada mais do que um jato d'água, como um bebedouro baixo, sob flashes de luz estroboscópica.
As formas que o jorro adquire se "congelam" numa série de imagens distintas, enquanto o ruído produzido pela água se mantém contínuo.
O efeito é instantâneo e mágico. Torna-se supérfluo, num caso desses, especular sobre o que a obra "significa".
Conhecem-se as tentativas do gênero. O artista "joga com os conceitos de tempo e permanência"... "inverte a equação duchampiana"... "alerta para a finitude dos recursos naturais"...
Pode-se fazer esse tipo de discurso a respeito de qualquer coisa; a torneira aberta, no fundo da instalação "Desvio para o Vermelho" (Cildo Meireles), talvez tenha sido lembrada no bebedouro de Eliasson; pode aludir a um banho de sangue nas ditaduras latino-americanas.
Mas oferece, sobretudo, um efeito óptico para quem acaba de ver o interior de uma residência reproduzido em detalhes, com tudo (móveis, roupas, livros, quadros, tapete) na cor vermelha.
Claro, vermelho é sangue, vermelho é política, vermelho é hospital numa obra de Tunga; em outra do mesmo artista, preto é morte, esqueleto, carbonização, consumação.
O jogo proposto nessas obras, entretanto, não passa pela necessidade de "interpretar". Um quadro renascentista da paixão de Cristo igualmente põe em cena "a questão do corpo", se quisermos falar em "contemporanês".
Na maior parte das galerias de Inhotim, a obra vale pelo que é, pelo impacto, pelo contraste que impõe sobre o cotidiano e a natureza. É uma arte da imanência -no fundo, não "remete" a nada, e seu interesse (ou não) depende pouco do discurso crítico.
Disso sabem os visitantes. Em seu paradoxo essencial -flor/fedor, morte/reprodução-, a Amorphophallus titanum não deixa de ser arte contemporânea também. Dura pouco a flor-cadáver. Longa vida à flor-cadáver.

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