quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

ONGs na linha [Editorial FolhaSP]

FOLHA DE SÃO PAULO

Fruto de discussões envolvendo a Secretaria-Geral da Presidência, a Casa Civil e outros sete ministérios, chegou à presidente Dilma Rousseff uma minuta de projeto de lei para regulamentar as relações entre governo e ONGs.
A iniciativa vem depois da "faxina" promovida em 2011 pela presidente, quando os então ministros do Esporte, do Turismo e do Trabalho foram exonerados em meio a denúncias de uso desse tipo de entidade para fins ilícitos.
Não é de agora que a convivência do setor público com organizações não governamentais traz preocupações. Em 2006, por exemplo, relatório do Tribunal de Contas da União apontou que mais da metade dos R$ 150 milhões repassados pela União a ONGs contemplou associações consideradas incapazes de prestar os serviços contratados. Casos análogos também já vieram à tona em Estados e municípios.
O projeto a ser enviado pelo Executivo ao Congresso irá reunir-se a outros já em tramitação. Trata-se de regular um universo amplo e confuso. Levantamento do IBGE, em 2010, apontou 556,8 mil entidades sem fins lucrativos no país -categoria que reúne, por exemplo, partidos, cartórios e entidades religiosas.
No caso das ONGs, foram identificadas pelo instituto 290,7 mil fundações e associações privadas sem fins lucrativos. Destas, 30% dedicam-se à defesa de direitos e interesses dos cidadãos. Nas áreas tradicionais de políticas públicas -saúde, educação, pesquisa e assistência social-, chegou-se a 54,1 mil organizações (18,6%).
Entre as medidas propostas, destacam-se a exigência de que os dirigentes de ONGs interessadas em receber verbas tenham "ficha limpa" na Justiça e concordem que seus salários observem normas fixadas pelo governo. Além disso, as entidades não poderão transferir outros recursos a seus integrantes.
É saudável que o Executivo se preocupe em instituir regras para dificultar a prática de irregularidades nas relações com as ONGs.
Leis, entretanto, não bastam para evitar desvios. Muitas vezes criadas para demonstrar rigor, acarretam excesso burocrático e intervencionista.
A desmedida incidência da corrupção no Brasil não se deve à inexistência de leis, mas ao predomínio da impunidade num ambiente político marcado pelo loteamento fisiológico de cargos e pelo desprezo com as fronteiras entre as esferas pública e privada. Tais práticas, antes de tudo, é que precisam ser combatidas e banidas.

    EDITORIAIS
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    Reforma geral
    Para a economia do Brasil voltar a crescer, país precisa mudar desde as condições de produção até as próprias prioridades nacionais
    Passou-se um biênio antes de o governo Dilma Rousseff começar a valer. Foi o tempo que a presidente perdeu entre rompantes econômicos, que procuravam estimular o crescimento de curto prazo, e o negaceado anúncio de privatizações de serviços públicos, tardio porque aceito a contragosto.
    Foi o tempo que a presidente perdeu na administração dos escândalos de 2011 e nos remédios até agora infrutíferos de 2012. Ministérios com papel relevante no investimento em infraestrutura ainda são disfuncionais.
    Não há sinal de reforma na administração pública, sujeita à nomeação de massas desqualificadas de apadrinhados e de arrivistas ímprobos, dividida em dezenas de ministérios paroquiais, quase todos comandados por figuras de nenhuma expressão.
    Nesse tempo, é verdade, o governo Dilma decidiu baixar o custo da energia, ainda que de forma desastrada. Impostos foram reduzidos de modo relevante, mas arbitrário, a fim de estimular este ou aquele setor. A taxação brasileira torna-se mais confusa, com mais critérios especiais; a burocracia tributária continua entre as mais custosas e opressivas do mundo.
    A relutância em privatizar fica evidente na sobrevivência de estatais, como Infraero e Docas. As agências reguladoras foram entregues às moscas ou a corruptos.
    A Petrobras e o desenvolvimento do petróleo padecem de intervencionismo estatal. A nova legislação do setor, em si discutível, arrasta-se num pântano de incertezas jurídicas e disputas federativas.
    O Estado não se retira de onde é só peso morto e não se apresenta para agir no que é mais premente e onde a iniciativa privada falha: tecnologia, educação e financiamento de empresas inovadoras.
    Não se trata de prever que o país não voltará a crescer, mas de apontar o conservadorismo do governo, que não vem de agora. A última novidade relevante foi o aumento do mercado interno, a partir de meados do período Lula.
    Decerto a redução dos juros terá efeito positivo, mas ela se deveu em parte a uma conjuntura econômica mundial excepcional. Sem outras reformas no modo de produzir e na administração pública, tal mudança pode em breve ser minada pelos limites evidentes da capacidade produtiva do país. A eficiência baixa, sobrecarregada pelo Estado, e a escassez de trabalho qualificado podem dar cabo da política de juros baixos.
    Ainda pobre e um dos mais desiguais, o país não pode admitir tamanha letargia. Precisa de um programa de aceleração do crescimento, não este da marca de fantasia do governo, mas de uma reforma que altere as condições em que se produz, a maneira de governar e as prioridades nacionais.

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