domingo, 23 de dezembro de 2012

Tendências/debates

folha de são paulo

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Poder da República tem que se dar o respeito
Só falta congressista ir reclamar ao STF que não votaram o seu projeto. Virou hábito: perdeu no plenário? Tente no tribunal. E depois criticam a "ingerência"...
Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, o jurista Francisco Rezek assinalou recentemente que só falta um congressista atravessar a praça dos Três Poderes para reclamar no Supremo que lhe negaram a palavra ou não colocaram um projeto seu em votação.
A exorbitância de questões que senadores e deputados têm suscitado para que o Judiciário dirima querelas internas, a maioria peculiares aos regimentos das duas casas do Congresso, demonstra que o Parlamento perde a noção de sua independência. Em vez de resolver intramuros suas divergências protocolares, recorre à arbitragem de outro Poder.
Nestes dias, quando se debate se o Supremo tem o poder de cassar mandatos de deputados condenados, parlamentares conseguiram uma liminar, concedida pelo ministro Luiz Fux, para suspender uma decisão do Congresso que deu prioridade à apreciação de veto presidencial a pontos da nova lei de distribuição de royalties do petróleo.
O mandado de segurança foi ajuizado por um deputado do partido do governo, por convencido de que o veto seria derrubado pelo Legislativo e assim seu Estado, o Rio de Janeiro, perderia os bilhões de reais que recebe pelas regras em vigor.
Ocorre que a nova planilha de distribuição dos royalties entre a União, Estados e municípios foi aprovada por maiorias amplas e soberanas. No Senado, em votação simbólica, com a oposição da bancada fluminense e de mais três senadores. Na Câmara, por 286 votos a favor e 124 contra. A proporção elevou-se na votação do pedido de urgência para a apreciação do veto presidencial: 60 a 7 no Senado, 348 a 84 na Câmara.
Poder popular por excelência, talvez nossas casas legislativas estejam minadas por uma pulverização que vai além das duas dúzias de partidos nelas representados. Mas as decisões são sempre fruto de negociação e disputa política inerentes ao Parlamento. Nada é imposto, tudo é pactuado para a formação de maiorias que assegurem, além da jurisdição legislativa, a força moral das normas legais que se impõem a toda nação. Nos confrontos entre partidos, até por imposição da etimologia, a unanimidade é exceção.
Se os derrotados recorrem amiúde ao Judiciário para ganhar na sentença do tribunal o que perderam no voto em plenário, são os primeiros a desrespeitar não só a autonomia do Legislativo como também a separação dos Poderes harmônicos e independentes que é a base do governo republicano.
Lideranças mais experientes, como o ex-presidente da República e atual presidente do Senado e do Congresso, José Sarney, apontam o perigo de atravessar a praça: "O problema é que estamos judicializando a política e politizando a Justiça".
Os aventureiros que transitam entre Poderes distintos deveriam guardar na cabeceira o fecundo discurso que Rui Barbosa pronunciou na sessão do Senado de 5 de agosto de 1905. "Que faz o legislador, quando confere a um tribunal a missão de legislar?", perguntou retoricamente o maior dos nossos jurisconsultos. Sua resposta: "Anarquiza o regímen".
Rui observou que os Poderes têm "a sua competência taxada na lei fundamental. Desta deriva, para cada um dos três, a autoridade que exercita". E arrematou: "Logo, dessa autoridade, nenhum deles se pode aliviar em outro". Nem ceder nem usurpar atribuições constitucionais. Ainda segundo Rui, "delegar a terceiro poder as prerrogativas de outro é ato de invasão, esbulho e alienação do alheio".
O Congresso deve atentar no axioma político de que o poder não admite vácuo. Depois, não se queixe de "ingerências".

    GESNER OLIVEIRA
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Parcerias para universalizar o saneamento
    A situação é trágica. Há capital que trata só 2% do esgoto e só leva água a 35% da população. É preciso incluir o setor privado na construção de obras na área
    A eliminação da enorme lacuna nos serviços de água e esgoto constitui um dos maiores desafios para a política pública. A Lei do Saneamento (11.445/07) prevê como princípio a universalização do acesso.
    Mas a situação do saneamento é trágica. Em 2010, mais da metade da população (54%) não possuía acesso à rede de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 30% era tratado.
    Segundo a Agência Nacional de Águas, 55% dos municípios podem sofrer desabastecimentos nos próximos quatro anos, 84% das cidades necessitam de investimentos para adequação de seus sistemas produtores de água e 16% apresentam déficits decorrentes dos mananciais.
    A falta de saneamento tem efeitos nefastos sobre a saúde e o meio ambiente. Segundo estudo da FGV, as doenças por veiculação hídrica ampliam a mortalidade infantil e podem causar perda da capacidade de aprendizado escolar de até 18% em crianças com até cinco anos.
    Segundo o Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil, que considera os cem maiores municípios brasileiros, a média de internações por diarreia é 546% maior para os dez piores do que nos 20 municípios mais bem colocados.
    É imperativo aumentar o investimento. No ritmo atual, a universalização ocorreria daqui a meio século! Algo inaceitável para uma sociedade que busca o desenvolvimento.
    É impossível elevar o investimento na escala necessária sem parcerias entre os setores público e privado. O setor público sozinho não tem os recursos e a capacidade de gestão dos projetos necessários.
    Parcerias público-privadas podem assumir várias formas. A locação de ativos constitui uma maneira engenhosa: um contrato entre um ente privado e a administração pública, que pressupõe a realização de uma obra pelo primeiro e seu posterior arrendamento ao parceiro público.
    O privado constrói a obra e depois a "aluga" por um determinado período ao parceiro público. Nos moldes da licitação, participa do contrato o ente privado que apresentar o menor valor mensal de locação.
    Chama a atenção o forte incentivo à conclusão da obra dentro do prazo, algo raro na experiência brasileira - o privado só passa a receber quando a obra está entregue.
    A experiência em locação de ativos já inclui vários casos exitosos. Dois exemplos: o novo sistema de água de Franca pela Sabesp e o sistema de coleta, afastamento e tratamento de esgoto da Bacia do Rio Capivari em Campinas pela Sanasa.
    A despeito de tais evidências, ainda há uma custosa demora em levar a cabo algumas dessas parcerias.
    Tomem-se alguns exemplos baseados nos dados do Ministério das Cidades: Gravataí (RS) possui apenas 21% de coleta de esgoto; Várzea Grande (MT), 13%; Jaboatão dos Guararapes (PE) trata 7% do esgoto que produz; São Mateus (ES) não tem oferta regular de água e trata apenas 1% do esgoto; Porto Velho (RO) não atende nem 35% de sua população com água e trata somente 2% do esgoto. Dezenas de outros exemplos poderiam ser citados.
    A tramitação das parcerias é excessivamente lenta. Por exemplo: o Ministério Público do Estado do Espírito Santo questionou ao Tribunal de Contas do Estado um processo licitatório de São Mateus, alegando falta de precedentes em contrato de locação de ativos, a despeito de inúmeros exemplos de sucesso desta modalidade de parceria.
    Enquanto o processo não anda, a população fica sem um projeto essencial para a qualidade de vida. Infelizmente, casos como esse ocorrem com frequência em todos os Estados.
    É inadmissível que a sétima economia do mundo apresente índices tão vexatórios de coleta e tratamento de esgoto, que um país tão rico em recursos hídricos tenha água escassa e de baixa qualidade em tantas cidades.

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