domingo, 27 de janeiro de 2013

A guerra dos drones O que sabemos (e o que não) sobre os aviões assassinos dos EUA

FOLHA DE SÃO PAULO

O que sabemos (e o que não) sobre os aviões assassinos dos EUA
CORA CURRIERTRADUÇÃO CLARA ALLAINRESUMO Os drones, veículos aéreos não tripulados, se firmaram como a arma favorita da política de contrainsurgência da primeiro mandato de Obama. A falta de clareza quanto à forma de definição de alvos, a legalidade das ações e o número de mortos transformou-os em alvo privilegiado das críticas ao democrata.
Você talvez já tenha ouvido falar da "kill list", lista de alvos a serem mortos. Com certeza já ouviu falar em "drones" (literalmente, "zangões"), ou, em português, Vants, veículos aéreos não tripulados. Mas os detalhes da campanha dos EUA contra militantes no Paquistão, no Iêmen e na Somália -um elemento central na política de segurança nacional do governo Obama- continuam envoltos em segredo. Aqui dizemos o que sabemos -e o que não sabemos- sobre o assunto.

ONDE ACONTECE A GUERRA DOS DRONES? QUEM A TRAVA?
Os drones vêm sendo a ferramenta preferida do governo Obama para abater militantes fora do Iraque e do Afeganistão. Não são a única arma empregada: relatam-se também ataques aéreos convencionais e outros. Mas, segundo uma estimativa, 95% dos assassinatos seletivos desde o 11 de Setembro foram realizados por drones. Entre as vantagens que os drones representam, está não colocar em risco a vida de militares americanos.
O primeiro ataque de drones contra a Al Qaeda de que se tem registro ocorreu no Iêmen, em 2002. Em 2008, no mandato de George W. Bush, a CIA intensificou os ataques secretos com drones no Paquistão. Na gestão de Barack Obama, eles aumentaram dramaticamente no Paquistão e, em 2011, no Iêmen.
A CIA não é a única a atacar com drones. As Forças Armadas americanas admitem ter levado a cabo "ações diretas" no Iêmen e na Somália. Nesses países, as incursões seriam realizadas pelo JSOC [sigla em inglês para Comando Conjunto de Operações Especiais], unidade secreta de elite. Desde o 11 de Setembro, o JSOC cresceu mais de dez vezes e passou a coletar informações e a desempenhar papéis no combate. A operação que matou Osama bin Laden, por exemplo, foi responsabilidade do JSOC.
A guerra dos drones é travada à distância, a partir dos EUA e de uma rede de bases secretas mundo afora. O "Washington Post" -que examinou contratos de construção e foi até o local sem ser convidado- conseguiu vislumbrar a base localizada no Djibuti, pequeno país africano a partir da qual são lançadas muitas das incursões no Iêmen e na Somália. No início deste ano a revista "Wired" reconstituiu, a partir de trechos esparsos, um relato da guerra contra o grupo militante Al Shabaab, na Somália, e da presença militar que os EUA expandiram na África.
Os ataques no Paquistão diminuí-ram nos últimos anos, passando do pico de mais de cem em 2010 para estimados 46 em 2012. Enquanto isso, os ataques no Iêmen aumentaram: foram mais de 40 no ano passado. Houve sete incursões no Paquistão nos primeiros dez dias de 2013.

COMO OS ALVOS SÃO ESCOLHIDOS?
Uma série de artigos baseados principalmente em declarações anônimas de funcionários do governo americano permitiu formar um quadro parcial de como os EUA escolhem os alvos e lançam os ataques. Dois relatos recentes -de pesquisadores da Columbia Law School e do Council on Foreign Relations- deram uma minuciosa visão geral do que é sabido sobre o processo.
Segundo esses relatos, a CIA e as Forças Armadas mantêm, há muito tempo, listas de alvos, que em parte se sobrepõem. De acordo com notícias publicadas no primeiro semestre do ano passado, a lista das Forças Armadas foi redigida em reuniões entre agências comandadas pelo Pentágono, e a Casa Branca aprovou os alvos propostos. O presidente Obama teria autorizado missões especialmente delicadas.
Neste ano o processo teria mudado, com a Casa Branca concentrando tanto a análise dos indivíduos alvejados e os critérios de definição de alvos. Segundo o jornal "Washington Post", as revisões agora são feitas em reuniões regulares entre as agências, no Centro Nacional de Contraterrorismo. As recomendações são enviadas a um comitê de membros do Conselho Nacional de Segurança.
As revisões finais passam pelo assessor para contraterrorismo da Casa Branca, John Brennan, para então chegar ao presidente. Vários perfis destacaram o papel poderoso e controverso exercido por Brennan na definição da trajetória do programa de assassinatos seletivos. No começo do mês, Obama nomeou Brennan diretor da CIA.
Ao menos parte dos ataques da CIA prescinde do sinal verde da Casa Branca. Consta que o diretor da CIA pode autorizar ataques no Paquistão. Em entrevista de 2011, John Rizzo, ex-advogado-chefe da CIA, afirmou que advogados da agência faziam análises detalhadas de cada alvo.

OS EUA ÀS VEZES MIRAM PESSOAS CUJOS NOMES NÃO CONHECEM?
Sim. Embora representantes do governo volta e meia tenham descrito as incursões com drones como dirigidas a "líderes de alto nível da Al Qaeda que estejam planejando ataques" contra os EUA, muitas delas visam supostos militantes cuja identidade os EUA não conhecem. Os chamados "signature strikes" [ataques a supostos militantes, identificados como alvos pelo seu padrão de comportamento], começaram sob Bush, no início de 2008, e foram ampliados por Obama. Não se sabe ao certo quantos dos ataques são "signature strikes".
Em vários momentos o recurso a esse tipo de ataque pela CIA, em especial no Paquistão, gerou tensões com a Casa Branca e o Departamento de Estado. Um funcionário contou ao jornal "The New York Times" uma piada: para a CIA, três sujeitos fazendo polichinelo já bastam para indicar a presença de um campo de treinamento de terroristas.
No Iêmen e na Somália, discute-se se os militantes na mira americana estão de fato conspirando contra os EUA ou se estariam lutando contra seus próprios países. Micah Zenko, membro do Council on Foreign Relations e autor de críticas ao programa de drones, disse ao "ProPublica" que, basicamente, os EUA estão operando "uma força aérea de contrainsurgência" para países aliados (leia mais sobre drones e Zenko na pág. 6). Alguns ataques se basearam em informações locais que, mais tarde, se mostrariam erradas. O "Los Angeles Times" examinou recentemente o caso de um iemenita morto por um drone dos EUA e da teia complexa de submissão e política que cercou sua morte.

QUANTAS PESSOAS JÁ FORAM MORTAS NOS ATAQUES?
Não se sabe o número preciso. Mas,segundo algumas estimativas, o total ronda os 3.000 mortos.
Diversos grupos rastreiam os ataques com drones e estimam o número de baixas: O "Long War Journal" cobre o Paquistão e o Iêmen. A New America Foundation cobre o Paquistão. O London Bureau of Investigative Journalism cobre o Iêmen, Somália e Paquistão, além de estatísticas sobre ataques com drones lançados no Afeganistão.

QUANTOS SÃO OS MORTOS CIVIS ATÉ AGORA?
É impossível saber.
Os números divergem consideravelmente, para mais e para menos, quanto às baixas civis. A New America Foundation, por exemplo, estima que entre 261 e 305 civis tenham sido mortos no Paquistão; para o Bureau of Investigative Journalism, foram entre 475 e 891. Todas as contagens superam em muito os números divulgados pelo governo (detalhamos diferenças até mesmo nessas estimativas baixas). Algumas análises indicam que as mortes de civis teriam diminuído proporcionalmente nos últimos anos.
Em grande medida, essas estimativas se fundam na interpretação do noticiário produzido com base em depoimentos de funcionários americanos anônimos ou em relatos da mídia local, de credibilidade variável. Um exemplo: o "Washington Post" publicou, no fim de dezembro, um texto afirmando que o governo iemenita procura ocultar o papel dos EUA em ataques aéreos que resultam em mortes de civis.
A controvérsia se intensificou pelo fato de que os EUA supostamente consideram militante qualquer indivíduo do sexo masculino e em idade militar morto num ataque por drones. Como disse um funcionário do governo ao "ProPublica": "Se um grupo de homens em idade militar está numa casa onde sabemos que estão sendo fabricados explosivos ou onde esteja sendo tramado um ataque, presume-se que todos estejam fazendo parte desse esforço". Não se sabe ao certo se, após o fato, há investigações em curso.
A Columbia Law School fez uma análise aprofundada do que sabemos sobre os esforços dos EUA para mitigar e calcular baixas civis. O estudo concluiu que a natureza sigilosa da guerra dos drones prejudica os mecanismos usualmente empregados em ações militares tradicionais para determinar responsáveis. Outro relatório, produzido pela Universidade Stanford e pela Universidade de Nova York, documentou "ansiedade e trauma psicológico" entre habitantes de aldeias paquistanesas.
Em outubro, a ONU anunciou que investigaria o impacto civil das ações com drones, com especial atenção aos ataques em dois tempos -nos quais uma segunda investida abate pessoas que estejam no local resgatando vítimas da primeira.

POR QUE SIMPLESMENTE MATAR? POR QUE NÃO CAPTURAR?
Em discursos, autoridades norte-americanas disseram que os militantes se tornam alvos quando representam uma ameaça iminente aos EUA e sua captura não é viável. Mas o assassinato parece ser bem mais frequente do que a captura, e os relatos sobre ataques não definem o que seria "iminente" nem "viável". Casos de capturas secretas no exterior, sob a Presidência de Obama, lançam luz sobre os dilemas políticos e diplomáticos em jogo nas decisões sobre como e quando é possível capturar um suspeito.
O "Washington Post" descreveu, em outubro, algo chamado "disposition matrix" -processo que determina planos de contingência para decidir, conforme onde eles estiverem, que destino dar aos terroristas. Com base em exemplos conhecidos, a revista "Atlantic" traçou como ocorreria essa tomada de decisão, no caso de um cidadão americano suspeito. Mas é claro que os detalhes sobre a matriz de descarte não são conhecidos, da mesma forma como não o são os das "kill lists" -que ela em tese substituiria.

QUAL É LÓGICA LEGAL QUE EXPLICA TUDO ISSO?
Em diversos pronunciamentos, funcionários do governo Obama apresentaram, em linhas gerais, as justificativas legais para os ataques, mas em nenhuma ocasião foram comentados casos específicos. Na verdade, não existe um reconhecimento oficial, por parte das autoridades, de uma guerra dos drones.
A Casa Branca argumenta que a lei de Autorização de Uso de Força Militar (AUMF), de 2001, bem como a legislação internacional sobre o direito dos países à autodefesa, fornecem base legal consistente para realizar ataques seletivos contra indivíduos vinculados à Al Qaeda ou a "forças associadas a ela", mesmo fora do Afeganistão. Isso pode incluir cidadãos americanos.
"O devido processo legal", disse, num discurso em março passado o secretário de Justiça, Eric Holder, "leva em conta as realidades do combate." A forma assumida por esse "devido processo legal" ainda não está clara. E, como relatamos, o governo volta e meia se fecha em copas quanto a questões específicas -como a morte de civis ou as razões pelas quais determinados indivíduos são mortos.
No começo do mês, um juiz federal determinou que o governo não tem a obrigação de divulgar um memorando legal secreto que argumenta em favor do assassinato de Anwar al Awlaki, um cidadão americano, num ataque de drone. O juiz também decidiu que o governo não é obrigado a atender a outros pedidos de informação sobre os assassinatos seletivos, de modo geral.
(Ao tomar a decisão, o juiz reconheceu o paradoxo, dizendo que o governo alega "serem perfeitamente legais certas ações que, à primeira vista, possam parecer incompatíveis com nossa Constituição e nossas leis, ao mesmo que se reserva o sigilo quanto às razões que levaram a tais conclusões".)
Os EUA também vêm tentando fazer com que se julgue improcedente uma ação movida por parentes de Awlaki por sua morte e a de seu filho de 16 anos, cidadão americano como ele.

QUANDO A GUERRA DOS DRONES VAI ACABAR?
Há quem diga que o governo já teria discutido a possibilidade de reduzir a guerra dos drones. Outros, porém, afirmam que o programa de assassinatos seletivos vem sendo formalizado para que sua duração seja estendida. Os EUA estimam que a Al Qaeda na Península Arábica tenha "alguns milhares" de membros. Mas autoridades já declararam também que os EUA "não podem capturar ou matar cada terrorista que alega ter vínculos com a Al Qaeda".
Em dezembro, Jeh Johnson, que acaba de deixar o cargo de advogado-geral do Pentágono, fez um discurso intitulado "Como Terminará o Conflito Contra a Al Qaeda e Suas Organizações Afiliadas?". Ele não deu uma data.
John Brennan teria declarado que a CIA deveria voltar a se concentrar na coleta de informação. Mas seu papel crucial no comando da guerra dos drones na Casa Branca suscitou a dúvida sobre quanto ele de fato limitará o envolvimento da agência como chefe da CIA.

E AS REAÇÕES NEGATIVAS NO EXTERIOR?
Ao que parece, elas são abundantes. Nos países submetidos a ataques com drones, a guerra é profundamente malvista e suscita protestos frequentes. Apesar disso, Brennan afirmou, em agosto, que os EUA veem "pouca evidência de que as ações estejam gerando indisposição contra os EUA ou engajamento antiamericano em grande escala".
Recentemente, porém, o general Stanley McChrystal, que comandou as Forças Armadas no Afeganistão, contradisse essa visão: "O ressentimento gerado pelo uso americano de ataques com aviões não tripulados [...] é muito maior do que percebe o americano médio. Os americanos são visceralmente odiados, mesmo por pessoas que nunca viram um americano ou sofreram com as ações de um americano." O "New York Times" relatou recentemente que militantes paquistaneses vêm promovendo uma campanha de represálias brutais contra locais, acusando-os de espionar para os EUA.
No que diz respeito aos governos internacionais, a maioria dos principais aliados dos EUA se mantém em silêncio. Em relatório de 2010, a ONU demonstrou preocupação quanto ao precedente de uma guerra oculta e sem fronteiras. O presidente do Iêmen, Abdu Hadi, apoia a campanha dos EUA, enquanto o Paquistão se mantém sobre uma incômoda combinação de protestos públicos e aparente concordância.

    QUEM SEGUIR
    Para reportagens e comentários no Twitter sobre a guerra com drones:
    @drones reúne editoriais, artigos de opinião e notícias sobre drones. É administrado por membros da Electronic Frontier Foundation, que cobre segurança nacional e manifesta diretamente preocupações com privacidade no uso de drones dentro dos EUA.
    @natlsecuritycnn traz últimas notícias.
    @Dangerroom, da "Wired", cobre segurança nacional e tecnologia, incluindo muitas informações sobre drones.
    @lawfareblog cobre as dimensões legais dos drones.
    @gregorydjohnsen é especialista no Iêmen e acompanha de perto a guerra nesse país.
    @AfPakChannel, da New America Foundation e "Foreign Policy", tuíta notícias e comentários sobre Afeganistão e Paquistão.

      VOCABULÁRIO DA GUERRA DOS DRONES
      AUMF: Autorização de Uso de Força Militar, uma lei aprovada pelo Congresso dias após os ataques de 11 de setembro de 2001, autorizando o presidente a usar de "toda a força necessária e apropriada" contra qualquer pessoa envolvida nos ataques ou que desse abrigo aos envolvidos. Baseados na AUMF, tanto Bush quanto Obama reivindicaram autoridade ampla para deter e matar suspeitos de terrorismo.
      AQAP: A Al Qaeda na Península Arábica é a filial iemenita da Al Qaeda ligada à tentativa de explosão de um avião comercial no dia de Natal de 2009.
      No último ano os EUA intensificaram os ataques à AQAP, alvejando líderes e também militantes não especificados.
      "Disposition Matrix": Um sistema para rastrear alvos terroristas e avaliar quando -e onde- eles podem ser mortos ou capturados. O "Washington Post" divulgou no semestre passado que a matriz é uma tentativa de codificar para o longo prazo as "kill lists", ou listas de alvos da administração.
      Glomar: Uma resposta que rejeita um pedido de informação sobre um programa classificado, alegando simplesmente que a existência da tal informação não pode ser confirmada nem desmentida. O nome remonta a 1968, quando a CIA disse a jornalistas que não poderia "nem confirmar nem negar" a existência de um navio chamado Glomar Explorer. Aos pedidos de informações sobre seu programa de drones, a CIA vem dando respostas glomar.
      JSOC: O Comando Conjunto de Operações Especiais é um setor de elite e sigiloso das Forças Armadas. Unidades do JSOC realizaram o ataque a Bin Laden, operam os programas de drones das Forças Armadas no Iêmen e na Somália e também realizam coleta de informação.
      Ataque a personalidade: Um ataque seletivo contra um indivíduo específico identificado como líder terrorista.
      "Signature Strike": Um ataque contra alguém que se acredita ser militante, mas cuja identidade não é necessariamente conhecida. Esses ataques seriam baseados numa análise de "padrão de vida" -ou seja, informações sobre seu comportamento que sugerem que o indivíduo seja militante. Essa política, que teria sido iniciada por Bush no Paquistão em 2008, hoje é permitida no Iêmen.
      TADS: Ataque de Interrupção de Ataques Terroristas, termo usado ocasionalmente para descrever alguns ataques em que a identidade do alvo é desconhecida. Funcionários do governo disseram que os critérios que definem esses ataques são diferentes dos critérios que determinam os "signature strikes", mas não está claro de que modo.


        SETE CONTOS SOBRE DRONES PUBLICADOS PELO ESCRITOR TEJU COLE NO TWITTER (@TEJUCOLE)
        1. Mrs. Dalloway disse que ela mesma iria comprar as flores. Uma pena. Um "signature strike" arrasou a floricultura.
        2. Trate-me por Ishmael. Eu era um jovem em idade militar. Fui imolado no meu casamento. Meus pais estão inconsoláveis.
        3. Solene, o roliço Buck Mulligan surgiu no alto da escada, portando uma vasilha de espuma. A bomba silvou. Sangue nas paredes. Fogo do céu.
        4. Sou um homem invisível. Não se sabe meu nome. Meus amores são um mistério. Mas um Vant veio de um local secreto em minha direção.
        5. 'Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã, sem ter feito mal algum, ele foi morto por um drone Predator
        6. Toda a gente conhecia Okonkwo nas nove aldeias e mesmo mais além. Seu torso foi encontrado; sua cabeça, não.
        7. Hoje, mamãe morreu. O programa salva vidas de americanos.

          Drones: controvertidos franco-atiradores
          LUCIANA COELHOEnquanto Barack Obama se preparava para subir ao palco do Centro de Convenções de Washington e celebrar, dançando, sua segunda posse, apenas um pequeno grupo de manifestantes enfrentava a baixa temperatura e a polícia para protestar.
          O alvo único? Aquilo que se tornou a marca -ou mácula- registrada do primeiro governo do democrata e prêmio Nobel da Paz em 2009: os drones.
          A palavra em inglês, roubada da zoologia (significa "zangões"), define aeronaves robóticas, não tripuladas, que conduzem tanto operações de vigilância como de ataque, e se tornou o código para uma controversa política de assassinatos seletivos que Obama ampliou em lugares como o Paquistão, a Somália e o Iêmen.
          Números a esse respeito são estimativas com base em registros da imprensa. Mas um surto de mortes ocasionadas por ataques de drones em 2010 -quando elas somaram 818 só no Paquistão segundo a independente New America Foundation- causou reveses de opinião pública e vozes dissidentes no governo e na academia.
          De 20 países analisados pelo Centro Pew de pesquisas em 2012, só nos Estados Unidos uma maioria apoiava seu uso. E um em cada três americanos se opunha a ele.
          CAMPANHA Críticas e pedidos por transparência ganharam eco nos últimos meses, com a campanha que reelegeu Obama -um presidente que diz ter acabado com a tortura em suas fileiras e prometera, sem sucesso, fechar a prisão de Guantánamo para suspeitos de terrorismo, heranças do governo George W. Bush com as quais os drones competem em impopularidade.
          "Há exagero do governo [americano] em dizer a toda hora que os drones são a melhor coisa que existe", reclamou em teleconferência nesta semana o almirante Dennis Blair, que de janeiro de 2009 a maio de 2010 foi Diretor Nacional de Inteligência.
          "Isso é uma visão de curto prazo para algo que será um problema de longo prazo", afirmou.
          Blair, como outros críticos militares e civis, não vê erro no uso de drones, que descreve como "evolução dos franco-atiradores usados por Estados contra inimigos de peso em situações de guerra".
          Tampouco teme que ele se reverta a favor dos inimigos -a tecnologia dos robôs armados ainda é privilégio dos Estados Unidos e só agora começa a ser desenvolvida por Israel; além disso, para que ela tenha serventia é preciso contar com uma ampla rede de inteligência da qual outros governos e atores não estatais carecem.
          O problema, ressalta o militar, é que falta ao governo transparência para explicitar sua política e a inexistência de balizas ao conduzi-la.
          Micah Zenko, um especialista em segurança do influente centro de estudos Council on Foreign Relations, concorda e lista as consequências do silêncio público.
          Autor de um estudo abrangente e sóbrio sobre o tema apresentado nesta semana, ele aponta para uma corrosão do "soft power" americano e para a alienação da opinião pública doméstica -ambos, a seu ver, fundamentais para amparar as operações.
          "Nas áreas tribais do Paquistão e nas zonas rurais do Iêmen, os drones são a cara da política externa dos Estados Unidos. E, porque nós não articulamos nem descrevemos nossa política, permitimos que outros o façam", ponderou Zenko em entrevista à imprensa. "É um erro estratégico de comunicação."
          Seu relatório, "Reformando as Políticas de Ataque com Drones dos Estados Unidos", traz recomendações à Casa Branca, ao Congresso dos Estados Unidos e às instituições internacionais, quase todas voltadas à melhor divulgação de informações, no primeiro caso, e à supervisão e à revisão das ações militares americanas, nos demais.
          Uma de suas propostas é a criação de uma associação internacional de fabricantes de drones, que poderia coletar informações e produzir dados hoje inexistentes.
          CIVIS Por ora, o pesquisador usa uma média de estimativas de ONGs para contabilizar em 3.430 os assassinatos por drones nos últimos 12 anos. Ao menos 401 deles, calcula, são de civis. Mas muito poucos, frisa, são de líderes terroristas de alto escalão.
          "O governo Obama afirma, por questões legais, que todos os indivíduos visados são líderes sêniores da Al Qaeda e que representam uma ameaça significativa e iminente à segurança dos Estados Unidos", afirma. "Na verdade, não são essas pessoas que os Estados Unidos visam, e isso traz à tona a questão dos 'signature strikes'."
          Os "signature strikes" de que Micah Zenko fala são ações que visam militantes não identificados com base em seu perfil, seus padrões de comportamento e redes de contatos -uma aplicação, com pena capital, da máxima "diga-me com quem andas que te direi quem és".
          "Os Estados Unidos deveriam explicar melhor sua política e rever esse aspecto, limitando os assassinatos a líderes de organizações terroristas internacionais e indivíduos com envolvimento passado ou corrente em tramas contras os Estados Unidos e seus aliados", argumenta Zenko.
          No último domingo, o jornal "Washington Post", citando fontes no governo e militares, revelou que uma cartilha de contraterrorismo que vem sendo preparada pelo governo Obama com objetivo de fixar regras claras sobre potenciais alvos de operações de assassinato seletivo nada diz sobre drones.

            Nenhum comentário:

            Postar um comentário