domingo, 27 de janeiro de 2013

Jaime Lerner e Oded Grajew [tendências/debates]

FOLHA DE SÃO PAULO


JAIME LERNER
Um brinde a São Paulo
O Brasil sofre de paralisia aguda no avanço de obras de infraestrutura. A burocracia aprisionante faz da execução uma corrida de obstáculos
Toda vez que São Paulo faz aniversário, o Brasil inteiro deveria comemorar. Dínamo econômico e cultural, maior metrópole da América do Sul, encontro de muitas etnias, essa cidade é superlativa nas muitas contribuição que dá ao país.
Contudo o que se vê é uma apologia da tragédia. Em vez da celebração, veste-se um manto de masoquismo: São Paulo não tem jeito; é grande demais; suja demais, violenta demais; caótica demais. Parece que o paulistano se compraz em dizer que lá nada dá certo. E se uma voz dissonante se aventura a afirmar que há solução, é tratada com desconfiança ou até repúdio.
Não se trata de minimizar os problemas ou ignorar a realidade e, sim, de mudar de perspectiva, pois quem projeta a tragédia acaba por encontrá-la.
O que São Paulo demonstra é a potencialização dos dilemas das cidades brasileiras nas questões fundamentais à sua qualidade de vida -mobilidade, sustentabilidade, identidade, diversidade, coexistência-, em sintomas exacerbados de poluição, congestionamentos, insegurança, isolamento.
A vida de uma cidade não pode se dar dentro de carros, shoppings e condomínios fechados, convivendo com rios que tornam patentes deficits em saneamento ambiental, ou com a segregação de guetos de ricos e de pobres. A separação de funções e os muros dos condomínios retiraram de São Paulo a sua maior riqueza: sua diversidade.
A cidade tem que ser o cenário do encontro que se celebra em seus espaços públicos. Tem que ser uma estrutura integrada de vida, trabalho e mobilidade, onde uma estrutura de crescimento, guiada pelo transporte coletivo, molda o seu desenho.
Tem que cultivar sua identidade, a partir da preservação de sua história e memória, da valorização da diversidade e do cultivo da coexistência. Tem que proteger seus recursos ambientais, patrimônio desta e das futuras gerações.
E São Paulo pode tudo isso. Ambiciosa que é, com esforços bem canalizados, será capaz de promover transformações positivas ao deixar de pensar a cidade para o automóvel e investir com sabedoria no transporte público; ao trazer o jovem para habitar o centro; ao melhor equilibrar a oferta de emprego no território; ao cuidar para que as leis de uso do solo não contribuam para construir uma paisagem urbana ruim.
O preço de não agir é alto. A condição de vanguarda a qual São Paulo ambiciona pode ser dilapidada pelas perdas em qualidade de vida, ativo fundamental de uma cidade hoje.
É preciso fazer, e o país todo hoje sofre de uma paralisia aguda em avançar obras de infraestrutura. Com o intuito de evitar a corrupção ou danos ao patrimônio socioambiental, criou-se uma burocracia tão aprisionante que, além de não coibi-los, transformou a execução de qualquer projeto em uma corrida de obstáculos, na qual a viabilização de uma solução é travada até o limite da desistência. Pior, em um cenário onde os recursos existem. É uma perniciosa estrutura de desconfiança que inibe a ação.
Essa estrutura de desconfiança cria o medo de decidir: ora o Ministério Público, ora as organizações sociais, ora as inúmeras instâncias colocam aos que decidem e querem fazer o pavor de um processo no qual se é antecipadamente culpado; e aos que querem procrastinar ou vender facilidades, as desculpas e motivações para nada fazer.
Simplificar esse procedimento é fundamental, e o fato repousa na responsabilidade. Mas tem que ser possível assumi-la. É uma metáfora comum no futebol dizer que um jogador de talento "chamou pra si" a responsabilidade em um momento decisivo. Por que não podemos fazer isso pelas nossas cidades?
Está na hora de celebrar o aniversário de São Paulo com um brinde de autoestima. Ao metaforicamente apagar suas 459 velas, pedir pela graça de acreditar que as soluções são possíveis.


    ODED GRAJEW
    Paulistanos descontentes
    O morador da capital paulista passa 2h23 por dia no trânsito e espera 66 dias por uma consulta médica. Mais da metade deixaria a cidade
    Fernando Haddad, o novo prefeito, e os novos vereadores de São Paulo estão assumindo seus cargos no momento em que a maioria da população da cidade se queixa da baixa qualidade de vida e tem pouquíssima confiança na polícia, na Câmara Municipal e na prefeitura.
    A pesquisa Irbem (Indicadores de Referência para o Bem-Estar no Município), realizada por iniciativa da Rede Nossa São Paulo, mostra que o paulistano está bastante insatisfeito com 82% dos 169 itens pesquisados em 25 áreas.
    A seleção dos itens e áreas se deu por meio de uma ampla consulta à população, em que aproximadamente 40 mil pessoas de diversas classes sociais escolheram os aspectos prioritários para sua qualidade de vida.
    Responderam não se sentir seguros em São Paulo 91%. A insatisfação chega ao ponto de 56% declararem que mudariam de cidade se pudessem. A pesquisa está, na íntegra, no site www.nossasaopaulo.org.br.
    Esse descontentamento tem suas razões: 1,3 milhões de pessoas vivem em favelas. O paulistano passa, em média, duas horas e 23 minutos por dia no trânsito, espera 66 dias para ser atendido em consulta médica, 86 dias para fazer exames clínicos e 178 dias para conseguir procedimentos mais complexos.
    Dos 96 distritos, 45 não têm sequer uma biblioteca, 59 não oferecem um centro cultural, em 59 não há cinema, 71 não abrigam museus, 52 não têm sala de show e concerto e 54 não oferecem teatro a seus moradores.
    Em São Paulo, 56 distritos não têm uma unidade com equipamentos públicos de esporte. As pessoas são obrigadas a percorrer enormes distâncias para satisfazer seus interesses: em 38 distritos, não é possível encontrar um parque.
    A desigualdade entre os indicadores das poucas regiões mais ricas e das mais pobres chega a centenas e até milhares de vezes. Cento e setenta mil crianças estão sem creche.
    Por obrigação legal, o prefeito tem que apresentar até o dia 31 de março um plano de metas para a sua gestão. Ou seja, deve explicitar como pretende deixar a cidade no final do seu mandato e apontar os caminhos para isso. Essas metas precisam objetivar a reversão desse quadro de insatisfação e colocar a cidade no rumo do desenvolvimento sustentável, oferecendo qualidade de vida para todos.
    Para isso, é necessário melhorar substancialmente a mobilidade e a qualidade dos serviços e equipamentos públicos, diminuir a desigualdade, descentralizar a gestão, dando mais autonomia e oferecendo mais participação para a população nas subprefeituras.
    É imprescindível que o poder público mantenha, em todos os distritos, um mínimo de serviços e equipamentos públicos, diminua o deficit habitacional e coloque todas as crianças em creches e escolas de boa qualidade. E, em parceria com os governos estadual e federal, combata a violência na cidade.
    A pesquisa Irbem revela que 69% da população não confiam nos vereadores e 59% não confiam na prefeitura. Recuperar a confiança é fundamental. Uma gestão pautada pela transparência e pela ética, que combata a desigualdade e a violência, que promova o desenvolvimento sustentável e a participação da sociedade, é o que pode fazer os paulistanos viverem com bem-estar, segurança e confiança nas instituições públicas.

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