sábado, 5 de janeiro de 2013

CIÊNCIA » Inovação é grande aposta brasileira - Celina Aquino‏

Brasil investe cada vez mais em tecnologia, desenvolvimento científico e em novos talentos. Além do considerável aumento no número de bolsas de estudos, aportes financeiros cresceram nada menos que 298% em uma década 

Celina Aquino
Estado de Minas: 05/01/2013 
 
O ano de 2013 promete ser de muito trabalho para quatro pesquisadores brasileiros. Eles são talentos com menos de 40 anos escolhidos pelo Estado de Minas para representar todos aqueles que contribuem para a ciência no país. Jovens que mostram ter vocação para a pesquisa, área que vem crescendo nos últimos anos em termos de investimentos. Para ter ideia, o número de bolsas de estudos (no país e exterior) saiu das 28.696 em 1990; elevou-se a 43.564 em 2000; e bateu o patamar de 90.089 em 2011, segundo os indicadores nacionais do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 
Os investimentos também tiveram  crescimento significativo: em 2000, do total de aportes públicos e empresariais (estatais e privados) em pesquisa, desenvolvimento, atividades científicas e técnicas correlatas, o Brasil apostou R$ 15,28 milhões. Em 2005, o montante subiu para R$ 27,27 milhões e, em 2010, segundo dados preliminares disponíveis no portal do MCTI, foram R$ 60,89 milhões. Em uma década, o aumento foi de 298%.
Os números refletem uma realidade, corroborada na prática por quem vive nesse universo. Professora na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a química Gisele Olímpio da Rocha observa que tem aumentado o interesse do Brasil em ser  reconhecido mundialmente pela pesquisa, o que reflete no montante direcionado ao setor. “Ainda ocorre de brasileiros irem para o exterior e isso é muito salutar, mas estamos presenciando o caminho contrário. Pesquisadores estão vindo ao Brasil para trabalhar com pesquisa”, destaca ela. Exemplo disso é o Ciência sem Fronteiras, programa do MCTI e do Ministério da Educação (MEC), que prevê mais de 100 mil bolsas de estudos em quatro anos para promover intercâmbio, de forma que alunos de graduação e pós-graduação façam estágio no exterior, e para atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil. 
O químico Antonio Otavio de Toledo Patrocinio teve a oportunidade de trabalhar na indústria, mas optou por seguir a carreira acadêmica na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Aqui no Brasil só há uma opção para quem atua com pesquisa, que é estar vinculado ao ensino superior”, diz o vencedor do Prêmio Green Talents 2012, oferecido pelo governo alemão a autores de pesquisas ligadas à sustentabilidade.
A arquiteta gaúcha Ana Carolina Santos Pellegrini fez diferente: concluiu o doutorado enquanto trabalhava como professora em universidades particulares. Com a última tese, intitulada "Quando o projeto é patrimônio: a modernidade póstuma em questão", ela venceu o Prêmio Capes 2011 na área de arquitetura e urbanismo, agora representando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A pesquisa é desenvolvida dentro de universidades públicas. Hoje, eu ganho quase 30% menos, mas estou na melhor universidade do Brasil”, pondera a recém-concursada.
 “Tenho plena consciência de que o Estado investiu em mim e é fundamental que eu dê retorno à população. De nada adianta estudar os genes se isso não for aplicado no dia a dia para tratar as pessoas”, afirma o médico Roberto José de Carvalho Filho, que estuda a influência genética em doenças hepáticas. O plano do professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é seguir com a pesquisa enquanto dá aulas e atende em consultório, mas ele sugere uma mudança na forma de avaliar o desempenho dos pesquisadores. Atualmente, leva-se em consideração exclusivamente o volume das publicações por ano, o que para ele não reflete a contribuição do cientista para a sociedade.
Agora, com o novo ano pela frente, os quatro pesquisadores desejam ter condições de desenvolver no Brasil estudos de alto nível e contribuir para o desenvolvimento do país. Procurado pelo EM, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação não informou quanto planeja disponibilizar para o setor este ano. 

Ana Carolina Santos Pellegrini

37 anos
Professora-adjunta de projetos arquitetônicos e história da arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
A vontade de trabalhar com o que gosta – estudar e ensinar – até bem velhinha foi decisiva para Ana Carolina escolher a carreira acadêmica. Ser pesquisadora não passava pela cabeça da universitária até ela ouvir um professor dizer que estava à procura de um bolsista. A proposta pareceu interessante para a jovem, que logo ganhou uma bolsa de iniciação científica. Tudo se encaminhou tão naturalmente que Ana Carolina começou o mestrado uma semana depois de colar grau. Foi durante uma temporada de seis meses na Itália que ela definiu o que queria estudar. A pesquisa da gaúcha, ganhadora do Prêmio Capes de Tese 2011 na área de arquitetura e urbanismo, se debruça sobre um assunto bastante polêmico: obras póstumas, que são edifícios construídos depois da morte de seu arquiteto. “A construção da obra em época muito posterior à do projeto, postumamente, desperta polêmica em relação a questões como autoria, originalidade e autenticidade”, conta Ana Carolina. “Mas acho que há casos em que nem sempre isso é inadequado. É necessário conhecer caso a caso e a sequência de fatos para fazer o julgamento, e não sair condenando”, defende. Com o rumo que a sua vida profissional tomou, ela agora se enxerga trabalhando como professora e também pesquisadora. O próximo estudo, que segue a mesma linha do doutorado, deverá ser concluído em três anos.

Antonio Otavio de Toledo Patrocinio

29 anos
Professor de química inorgânica da Universidade Federal de Uberlândia 
(UFU)

A curiosidade de cientista levou Patrocinio a se destacar desde cedo em química. “Gosto de saber como as coisas funcionam”, justifica. O jovem planejava trabalhar na indústria, mas o interesse pela pesquisa falou mais alto a partir do segundo ano do curso de química industrial, quando ele virou bolsista de iniciação cientifica. Aos 22 anos, Antonio Patrocinio iniciou o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), depois emendou uma temporada na University of North Carolina at Chapell Hill (UNC-CH) e pós-doutorado na volta ao Brasil. De etapa em etapa ele avançou no estudo do que se chama fotossíntese artificial. A proposta é usar o mesmo princípio das plantas – que convertem água e gás carbônico captados do ambiente em açúcares – para produzir combustíveis que possam ser armazenados e entregues ao consumidor quando ele precisar. “A energia que o Sol nos fornece diariamente é muito mais que suficiente para mover a sociedade por um ano inteiro. O salto na história virá quando conseguirmos realmente aproveitar melhor esse potencial”, comenta. Com a pesquisa, o mineiro contribuiu para o desenvolvimento de uma nova tecnologia fotovoltaica, mais eficiente e atrativa economicamente, ainda indisponível no mercado brasileiro. Não apenas para Patrocinio, mas para todos os pesquisadores do mundo que trabalham na área, o desafio é investir no aproveitamento da energia solar sem causar grandes problemas ambientais. “Ainda não sabemos quão eficiente vamos conseguir fazer isso.”

Gisele Olímpio da Rocha

35 anos
professora-adjunta de química analítica da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ler rótulos e tentar entender a composição de alimentos e remédios era diversão para Gisele, que acabou se envolvendo em pesquisas para investigar partículas poluentes liberadas na atmosfera. Graduada na Universidade Estadual de Maringá (UEM), a paranaense iniciou o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Durante a pesquisa, ela estudou substâncias liberadas pela queima da palha da cana-de-açúcar no interior de São Paulo, nocivas tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. Gisele passou sete meses na Inglaterra, onde analisou a morfologia das partículas atmosféricas. “Depois de uma investigação a longo prazo, a gente consegue ter uma ideia do que está ocorrendo na atmosfera e propor para agências reguladoras formas de diminuir a emissão dos poluentes”, esclarece. O resultado da pesquisa contribuiu para que o governo paulista regulasse a prática de queima durante a colheita da cana-de-açúcar. Já no pós-doutorado na UFBA, onde trabalha há seis anos, Gisele investigou a emissão de poluentes por veículos na Região Metropolitana de Salvador. A pesquisadora paranaense agora integra um projeto de 30 anos que estuda a Baía de Todos os Santos, segunda maior do Brasil, de diferentes pontos de vista. Ela é uma das integrantes da equipe que analisa de que maneira as atividades portuária e industrial contribuem para a emissão de poluentes na atmosfera.

Roberto José de Carvalho Filho
38 anos
Professor afiliado de gastroenterologia e diretor-geral do Laboratório de Hepatologia Molecular Aplicada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)


Carvalho sempre teve duas vontades: ser médico e professor. “O que me motivava era o ensino e a assistência. A pesquisa é a paixão mais nova”, conta o professor da Unifesp, que saiu da graduação direto para o doutorado. É provável que a morte do pai por cirrose tenha influenciado o jovem a decidir estudar as doenças hepáticas, em especial a hepatite B, por sua complexidade. Foi em 2008 que o médico embarcou para a França com a missão de desenvolver uma pesquisa de pós-doutorado no Hospital Beaujon, centro de renome mundial na área de problemas do fígado. A ideia era analisar um número expressivo de genes (quase 300 diferentes) para descobrir aqueles que levam o paciente a ter a forma mais grave de hepatite B. Único brasileiro no grupo, Carvalho ajudou a identificar os genes então relacionados a um risco maior de cirrose e câncer de fígado. 
A descoberta vai servir de alerta para os pacientes, que, sabendo da probabilidade genética, poderão evitar agentes agressores do fígado, como excesso de bebida alcoólica, obesidade e ingestão de medicamentos maléficos. “Espero que em um futuro próximo consigamos fazer o estudo de genes com um simples exame de sangue, como o que se faz nos laboratórios do dia a dia, não tão complicado quanto a biópsia”, prevê o pesquisador. A facilidade da análise certamente ajudará no tratamento das doenças hepáticas.

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