sábado, 5 de janeiro de 2013

O Congresso deve aprovar o Ato Médico? [Tendências/Debates]

FOLHA DE SÃO PAULO

ROBERTO LUIZ D'AVILA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Congresso deve aprovar o Ato Médico?
SIM
Em defesa da regulamentação da medicina
O Congresso Nacional está prestes a garantir uma grande conquista para o país. Após uma década de tramitação, o projeto de lei (PL) 268/02 se encontra maduro o suficiente para receber a aprovação final do Senado e avançar, na sequência, para a homologação pela Presidência da República.
Apesar da aparente obviedade sobre qual o papel dos mais de 370 mil médicos brasileiros na assistência à população, esse PL preenche lacuna importante ao definir de forma objetiva os atos privativos desses profissionais e aqueles que podem ser compartilhados com as outras 13 categorias vinculadas ao campo da saúde.
Ao longo de dez anos, argumentos contrários e favoráveis foram colocados em perspectiva, sempre em busca de consenso. O resultado aparece na percepção dos parlamentares quanto ao tema: na Câmara dos Deputados e nas comissões do Senado por onde passou, prevalece a visão de que a proposta está ancorada no equilíbrio e na proteção à saúde dos cidadãos.
O texto estimula a mútua colaboração entre todos os profissionais da saúde -dentro de suas respectivas competências-, com o objetivo único de garantir o bem-estar individual e coletivo. Nesse contexto, são preservados os avanços da multiprofissionalidade da atenção em saúde, com a valorização de cada uma das 13 categorias da área, sempre com respeito às leis que as regulamentam.
O PL 268/02 não impede que esses profissionais participem das ações de promoção da saúde, de prevenção de doenças e de reabilitação dos enfermos. Com a ampliação do conhecimento, logicamente que outras categorias devem dar sua contribuição.
No entanto, cabe ao médico fazer o diagnóstico e indicar o tratamento, principalmente, em função, de sua ampla formação profissional.
Ressalte-se que entendimento idêntico tem sido confirmado pela Justiça. Várias sentenças, inclusive dos tribunais superiores, atribuem ao médico a exclusividade do diagnóstico e da prescrição. Assim como os parlamentares, os magistrados também compreendem que a população será a grande beneficiada com a nova regra.
Quando nossos pais e filhos adoecem, queremos que um médico diagnostique o problema e prescreva o que fazer. Com a entrada em vigor dessa lei, os gestores públicos e privados deverão garantir que esse desejo se torne realidade. Terão que oferecer acesso a uma linha de cuidados integral e articulada segundo princípios de competência e de responsabilidade.
Em síntese, o paciente ganhará maior segurança, pois contará com uma assistência em saúde baseada em critérios científicos, fundamentados numa avaliação global e não apenas na observação de sinais e sintomas, que nem sempre refletem a real dimensão de um agravo.
Além disso, com a participação dos médicos nesse processo, os 27 conselhos regionais de medicina e dezenas de associações e sociedades de especialidade se desdobrarão para fiscalizar e punir os equívocos e oferecer educação continuada para que os profissionais estejam capacitados a fazer seu melhor.
Por tudo isso, a proposta se encontra pronta para o voto decisivo dos senadores. Afinal, a sociedade anseia por uma deliberação que regulamente a medicina, nos moldes do proposto pelo PL 268/02. Que o diga enquete do site do Senado Federal, que recebeu 545.625 votos, sendo a maioria deles a favor da proposta. Ora, diante de tantos e tamanhos argumentos é impossível ser contra.


MARCIA CRISTINA KREMPEL
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Congresso deve aprovar o Ato Médico?
NÃO
Um prejuízo social
Responder corretamente a essa questão exige reflexão por parte dos parlamentares, dos profissionais da área da saúde e também da população, que será diretamente afetada pela decisão a ser, em breve, tomada no Senado Federal.
Quando falamos em "Ato Médico", referimo-nos a um projeto de lei que procura regulamentar a profissão dos médicos. A princípio, parece uma questão simples, pois há centenas de anos sabemos o que os médicos fazem. Mas, por algum motivo, isso nunca esteve, em nosso país, regulamentado em lei.
Observando assim, é saudável e necessário que os limites da atuação profissional do médico sejam conhecidos. Mas, por que outros profissionais da saúde têm feito manifestos contrários ao projeto?
A questão é que, com a concretização do Sistema Único de Saúde (SUS), toda a população teve acesso a uma enorme gama de serviços desenvolvida de forma multiprofissional e especializada. Essa especialização é concretizada na figura de médicos, psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e outros profissionais, o que tornou o acesso à saúde possível e eficiente, tanto nas grandes cidades quanto em aldeias indígenas no interior da Amazônia.
As causas das doenças, em sua maioria, são multifatoriais, cabendo a cada profissional, dentro de sua formação técnica, identificar um conjunto de sinais e sintomas (diagnóstico nosológico) para a minimização da patologia do paciente.
Aqui começa a primeira discussão: então, a partir da aprovação do projeto, apenas os médicos poderão diagnosticar sinais e sintomas? Se os parlamentares entenderem que sim, então chegamos ao primeiro e mais polêmico retrocesso.
Ao dizer o que é ou não atividade privativa do médico, o projeto acabou, nas entrelinhas, dizendo o que é ou não atividade de outras profissões que já possuem o seu exercício profissional regulamentado. Essa é uma questão fundamental, pois restringe o acesso da população aos serviços de saúde.
A enfermagem corresponde a 1,5 milhão de profissionais no país. A sua atuação é realizada de acordo com a técnica e a ciência consolidados em seu saber prático e teórico. Com o "Ato Médico", como ficaria o tratamento de feridas? Como ficaria o controle das doenças sexualmente transmissíveis, das parasitoses intestinais, da tuberculose?
Graças à legislação e aos protocolos do Ministério da Saúde, esse contingente de profissionais especializados pôde atuar na promoção da atenção básica de saúde.
No Estado de São Paulo, existem cerca de 110 mil médicos ativos, enquanto temos quase 500 mil profissionais de enfermagem, que também são responsáveis por melhorar a atenção básica no âmbito do SUS baseados nesses protocolos.
Por isso dizemos que a aprovação do "Ato Médico" é um prejuízo social, por restringir, além de tudo, a atuação multiprofissional já consolidada e que trouxe inúmeros benefícios a milhões de brasileiros.
Tanta articulação e pressão pela aprovação da proposta, em moldes não consensuais, obrigam-nos a entender que há, definitivamente, uma tentativa de criar reserva de mercado. Fato que comprova isso foi a tentativa de tornar a acupuntura atividade privativa do médico, enquanto diversas associações ligadas à Organização Mundial da Saúde, em seus manifestos, repudiaram tal restrição.
Hoje 3.000 mil profissionais de enfermagem praticam acupuntura no Brasil. Com sua saída do mercado, o valor dos procedimentos irá aumentar e quem será prejudicado é a população.
Por isso, o Conselho Federal de Enfermagem será contra a aprovação do "Ato Médico" enquanto o texto da matéria continuar afastando ainda mais a população de uma assistência de saúde universal e igualitária e enquanto atentar contra o conhecimento científico adquirido por outras profissões que se especializaram em seus estudos para oferecer à população a saúde digna que todos merecemos.

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