segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

DEPRESSÃO Um mal de várias faces - Luciane Evans‏

Especialistas alertam que uso indiscriminado de ansiolíticos, para tratar sintomas como angústia, insônia e tristeza, pode mascarar doença e agravar estado mental de pacientes 

Luciane Evans
Estado de Minas: 28/01/2013 
A angústia, a insônia e a tristeza, que têm impulsionado brasileiros a se tornarem cada vez mais reféns de medicamentos de tarja preta, podem significar desde um estado de espírito até uma doença grave, como a depressão. A enfermidade, conhecida como o mal do século 21, tem servido de gatilho para uso indiscriminado do clonazepam, princípio ativo do Rivotril. Como vem mostrando o Estado de Minas, somente no estado foram 76 milhões de comprimidos da droga consumidos em 2012. 

Os que se tornaram dependentes contam que os médicos indicaram o medicamento porque eles sofrem de um quadro depressivo. No entanto, especialistas esclarecem que a depressão vai muito além dos sintomas tristeza e insônia. Ela precisa ser adequadamente diagnosticada, porque, ao ser mascarada com ansiolíticos como o Rivotril, pode evoluir para uma piora na saúde mental do paciente. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a depressão afeta 350 milhões de pessoas em todo o mundo, mas não é simples diagnosticá-la. “Estatísticas mundiais apontam que cerca de 22% das mulheres e 11% dos homens vão desenvolver um estado depressivo ao longo da vida, que pode ser uma única vez ou algo recorrente”, comenta o psiquiatra Paulo Repsold, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Segundo ele, a doença é um transtorno afetivo de lado emocional, que acaba afetando a parte cognitiva do ser humano. “Os sintomas mais famosos para o quadro são tristeza e angústia. Mas só isso pode não caracterizar a doença. A depressão é um conjunto de sintomas, que podem ser clínicos ou até físicos, sendo o de maior parte mental”, diz.

De acordo com a presidente da seção mineira da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Ana Cristina Margest Pimentel, trata-se de um mal biológico que não passa com o tempo. “Se os sintomas de tristeza e angústia persistem ao longo de três semanas, podem ser um sinal de depressão”, afirma Ana. Nesse caso, segundo ela, há uma diminuição dos neurotransmissores, que são substâncias químicas liberadas pelos neurônios e usadas para a transferência de informações entre eles. 

TRANSTORNOS No caso da depressão, o principal neurotransmissor afetado é a serotonina. Ana Cristina explica que, na maioria das vezes, um paciente depressivo não sente prazer em fazer atividades habituais. “E isso pode ser o princípio da doença. Por outro lado, às vezes a pessoa está muito cansada e só quer dormir. Isso pode não ser depressão, mas um quadro clínico de falta de vitaminas no organismo”, compara. 

Ela afirma que há pessoas com predisposição genética para o mal e que, dependendo dos fatores ambientais e da personalidade, desenvolvem a depressão. Mas para a psicanálise o transtorno tem outras causas. Segundo a mestre em psicanálise transcultural Carmem Farage, são poucos os casos reais de depressão no mundo. “Muitas vezes, os estados depressivos estão sendo diagnosticados como a doença, o que justifica o alto número no consumo de medicamentos.” Ela afirma que todos os obstáculos da vida vão trazer sofrimento e servem para o crescimento pessoal. “Ao serem medicadas com antidepressivos ou ansiolíticos porque estão tristes, angustiados ou com insônia, os pacientes acabam se anulando e se tornam reféns da droga”, explica. 

Ela esclarece, por exemplo, que um luto normal dura em média três meses. “Depois disso, se a pessoa não consegue melhorar, tem de buscar ajuda psicológica para sair do estado depressivo. Mas se mesmo com a ajuda o mal não passar, é possível que o paciente tenha se encontrado com algo do passado, talvez da própria infância”, conta. Ela afirma que, nesse caso, pode se tratar de uma a depressão neurótica e quem sofre ainda não rompeu com o mundo. “Mas há a psicose depressiva. Essa é mais grave e está ligada ao rompimento materno”, diz. 

Carmem explica que aos seis meses a criança começa a perceber que ela e mãe não são a mesma pessoa. “Se durante a gravidez a mãe estiver deprimida, essa criança, diante do primeiro obstáculo, pode enfrentar a psicose. Até mesmo quando adulta”, alerta, acrescentando que até a morte da mãe, quando o bebê já estiver amadurecido, ele pode sofrer da doença. “Mas, se esse paciente estiver medicado com Rivotril, por exemplo, será difícil ser tratado, já que a medicação terá mascarado sintomas, sem tratar a raiz do problema.” 
Psicoterapia Aliada à medicação 
Luciane Evans
A perda da mãe levou o comerciante Rinaldo José Cordeiro, de 47 anos, a tomar o clonazepam. Ele mora em Piedade dos Gerais, cidade onde, segundo levantamento do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais, foram consumidos 44 mil comprimidos de Rivotril, com a média de nove para cada habitante. “Há 18 anos, perdi a minha mãe e a minha estrutura. Os médicos me receitaram Rivotril, e durante três anos tomava duas pílulas todos os dias. Passou a não fazer efeito. Fui internado por causa do alcoolismo. E depois de me livrar do álcool, os médicos receitaram antidepressivos. É mais fácil largar a bebida do que as medicamentos”, revela. 

Segundo o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, “depressão é um guarda-chuva que abriga vários diagnósticos”. Ele explica que angústia é um questionamento do sentido da vida. “Mas se isso vai se intensificando, torna-se um quadro depressivo.” Nesse estado, o primeiro nível, de acordo com ele, tem como sintomas a insônia, excesso ou falta de sono, dor na coluna e outros sinais. “Isso pode evoluir para a depressão neurótica, em que a pessoa tem dificuldade de se levantar da cama e tende a ficar mais parada. Quando a pessoa nem pensa em melhorar, há um agravamento, há o risco do autoextermínio e pode configurar um transtorno depressivo patológico”. 

Ele diz que há ainda a depressão causada pelo uso de álcool e outras drogas. “São substâncias depressoras do sistema nervoso central”, diz. Ele esclarece que depressão psicótica é a mais grave delas. “Quando é assim, um antidepressivo pode gerar força e coragem à pessoa, por isso é preciso cuidado.”

REMÉDIOS De acordo com o psiquiatra Paulo Repsold, há dois carros-chefe para o tratamento dos transtornos depressivos: medicação e sessões psicoterapêuticas. A primeira ajuda o paciente a enfrentar o problema, já que os remédios retiram os sintomas. A psiquiatra Ana Cristina diz que o medicamento usado para a depressão não pode ser clonazepam, pois ele não aumenta a quantidade de neurotransmissores no cérebro. “A depressão leve pode ser tratada só com psicoterapia. Com os antidepressivos, é preciso pelo menos seis meses de uso para ir diminuindo as doses. O efeito começa depois de duas semanas. Antes disso, os ansiolíticos podem ser usados”, diz. Para a psicanalista, nos casos de psicose depressiva um dos tratamentos seria a regressão da memória e um acompanhamento psicológico. 

>> O QUE É

É um transtorno afetivo de lado emocional, que acaba afetando a parte cognitiva do ser humano. A persistência de sintomas como tristeza e angústia é sinal da doença. O que ocorre é a diminuição dos neurotrasmissores, que são substâncias químicas liberadas pelos neurônios e usadas para a transferência de informações entre eles. Na depressão neurótica a pessoa tem dificuldade de se levantar da cama e tende a ficar mais parada. Se não for tratado, o quadro pode evoluir para um transtorno depressivo patológico, com risco de autoextermínio. Na depressão psicótica, a mais grave delas, a pessoa tem alucinações ou delírios e há risco maior de autoextermínio. 

>> TRATAMENTO

Ao ser diagnosticado 
com depressão, o paciente é submetido a medicações e sessões de psicoterapia. Nos casos mais graves, é feita eletroconvulsoterapia – um tratamento médico que consiste na estimulação de todo o cérebro por meio de uma corrente de elétrons para provocar um processo de revitalização neuroquímica nos neurônios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário