segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Vingança verde
A imagem parece feita de encomenda para agradar aos ambientalistas radicais, pelo que concentra de simbologia e de esperança. Uma árvore rompe o concreto do elevado Costa e Silva, em São Paulo.
Uma apenas? Não; há 20 delas, e se mostram bem pujantes. Suas raízes infiltram-se nas rachaduras de um dos mais eloquentes exemplos da insensibilidade urbanística que orientou, desde sempre, o crescimento paulistano.
Inaugurado em 1971, o Minhocão impôs a uma tradicional área da cidade as consequências de uma insuportável desvalorização econômica, arquitetônica e humana. Edifícios passaram a ter uma via expressa a poucos metros de suas janelas, produzindo fuligem e decibéis num ritmo infatigável.
Debaixo da obra -cujo papel de ligação entre as regiões Leste e Oeste da cidade não pode ser desprezado-, deu-se o previsível em qualquer metrópole subdesenvolvida: mendigos encontram abrigo em meio ao lixo, ao comércio degradado e aos congestionamentos, que não deixaram de acontecer.
É mais um sintoma do esgotamento dos ideais urbanísticos que priorizavam o automóvel em detrimento do transporte público. Fruto de uma concepção datada, o Minhocão não terá lugar numa cidade mais humana. Mas a questão não é só demoli-lo, mas fazê-lo segundo um planejamento viável.
Há menos de dois anos o então prefeito Gilberto Kassab anunciou uma proposta de demolição da via, com a construção de vias férreas subterrâneas, a um custo considerável e um prazo muito dilatado.
Não foi o primeiro nem será o último plano a aumentar a pilha de factoides dos burocratas urbanos.
As árvores, enquanto isso, foram aprofundando sua crítica silenciosa à situação. Alimentando-se dos dejetos de pombos, dos sedimentos das chuvas e dos restos da presença humana, as figueiras desenvolvem raízes que são capazes de mover toneladas com o tempo.
Sua presença não remete apenas a uma expectativa utópica -a de um jardim suspenso, quem sabe aceitando o percurso de algum monotrilho silencioso no lugar dos carros privilegiados pela mentalidade paulistana. O crescimento das árvores é também um sinal de grave descuido administrativo, pois indica a presença de pontos de infiltração na estrutura da obra.
Crescem com isso os riscos de desabamento -a exemplo do que ocorreu na ponte dos Remédios, na marginal Tietê, em 2011.
Solução imediata: herbicidas para impedir esse perigo. Só resta esperar que, a médio prazo, as árvores possam ter sua revanche.


    EDITORIAIS
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    Crédito próprio
    Empréstimos direcionados para o consumo estão estagnados, mas expansão do financiamento imobiliário pode impulsionar a economia
    Estão estagnados há quase dois anos no Brasil, a despeito dos esforços do governo, os empréstimos a pessoas físicas direcionados para o consumo. Responsável por boa parte do crescimento da economia durante o segundo mandato de Lula, a modalidade dá sinais de esgotamento.
    De um lado, o comprometimento da renda com o pagamento de juros e amortizações atingiu níveis elevados. De outro, o volume dos empréstimos se aproxima de 15% do PIB, não muito distante da média internacional. São dois sinais de que não há mais espaço para manter a expansão do crédito no país sobre essas bases.
    Existe, contudo, um segmento pouco explorado: o financiamento imobiliário. Apesar do deficit habitacional no país, o endividamento nessa modalidade está em 6,2% do PIB, mesmo após anos de crescimento acelerado -tendência que deve se manter, em razão da diminuição das taxas de juros.
    Na maior parte dos países desenvolvidos e em alguns emergentes, são comuns níveis superiores a 30% do Produto Interno Bruto. Em certos casos, como nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Austrália, a cifra supera 80% do PIB.
    No Brasil, o patamar baixo se explica pelo passado de instabilidade inflacionária -ninguém sabia quão longe poderiam chegar os juros de um empréstimo com prazo de 30 anos, por exemplo- e pela dificuldade jurídica que os bancos enfrentavam para retomar o imóvel em caso de inadimplência.
    Ambos os fatores inibiam a disposição para conceder crédito e tornavam as taxas elevadas. O cenário começou a mudar na década de 1990, com a estabilização da moeda e as novas regras que deram maiores garantias aos credores.
    Além disso, a burocracia para conseguir o empréstimo vem se reduzindo -o número de documentos exigidos caiu de 45 para dez-, mas o processo ainda é lento.
    Em 2012, foram R$ 82,8 bilhões em novos desembolsos, uma alta de 3,6% frente ao ano anterior. Com R$ 269,6 bilhões no final do ano passado, o crédito imobiliário já superou o montante direcionado a veículos (R$ 201,3 bilhões).
    Se persistirem os juros baixos e a estabilidade da economia, o país poderá contar com forte crescimento no setor habitacional nos próximos anos. Em 2013, já se espera um aumento de 15%.
    O desafio será evitar bolhas de preço e afrouxamentos excessivos nos critérios de concessão de empréstimos. Mesmo que o novo cenário não leve a um crescimento acelerado do PIB, terá impactos positivos na economia. Um maior esforço de poupança das famílias não seria má notícia, num país ainda carente de investimentos.

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