quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Luli Radfahrer


Cumpra as promessas de Ano-Novo


Todo fim de ano é a mesma ladainha. Todos prometem comer melhor, parar de fumar, dormir melhor, fazer mais exercícios, ler mais, ter maior autocontrole e se estressar menos no ano que se aproxima. As promessas, no entanto, dificilmente sobrevivem ao cotidiano. Mudanças de estilo de vida costumam ser lentas e demandar acompanhamento diário. Acabadas as férias é difícil ter disposição, tempo ou paciência para fazer registros diários ou contar calorias, e as boas intenções acabam esquecidas.
Mas novas tecnologias prometem facilitar a vida de quem pretende mudá-la. Equipamentos que até há pouco tempo estavam restritos a UTIs hoje são portáteis e baratos. Associados a bases de dados e algoritmos complexos, sensores embutidos em smartphones, pulseiras, relógios ou fitas elásticas presas ao corpo permitem o registro e o compartilhamento de atividades cotidianas que até há pouco eram ignoradas.Aplicativos dignos de ficção científica calculam a frequência cardíaca de repouso a partir de uma fotografia da câmara de celular. Bombinhas de asma usam GPS para evitar áreas de risco. Cápsulas com sensores medem a digestão. Protótipos tentam adivinhar as emoções de seus usuários baseados em suas variações de movimento e padrões de digitação.
A auto-mensuração não é uma prática nova. Atletas, pessoas com alergias e portadores de doenças crônicas monitoram seus hábitos há décadas. A diferença dessas novas tecnologias está na facilidade da coleta e na abrangência da análise. Hoje com um smartphone e aplicativos quase gratuitos qualquer um pode medir qualidade do sono, atividade física, peso e gordura corporal, calorias das refeições, passos caminhados, andares subidos a pé, consumo de álcool, pressão, oxigenação e níveis de açúcar do sangue.
Mesmo que ainda sejam imprecisos, esses aparelhos têm a vantagem de estar sempre disponíveis. Ao facilitar a medição, registrar o progresso em gráficos de desempenho e estimular seu compartilhamento via redes sociais, eles transformam a vontade de mudar em um jogo, um compromisso público com o apoio dos amigos.
Em novas redes sociais, como PatientsLikeMe e CureTogether, seus usuários deixam de lado a privacidade para buscar, no compartilhamento de suas condições, possíveis respostas que melhorem sua situação ou tragam algum conforto. Se por um lado elas estimulam o auto-conhecimento e a mudança através do apoio do grupo, é inegável que também podem levar à automedicação, ou a soluções caseiras inócuas ou perigosas.
Mesmo que seja um placebo distante da verdadeira revolução médica, a mensuração ajuda a potencializar as descobertas científicas na prevenção de doenças enquanto a Engenharia Genética e a Nanotecnologia não ganham as prateleiras das farmácias. É só imaginar a riqueza de dados que pode surgir quando uma parcela dos usuários de redes sociais passar a compartilhar a qualidade de seu sono ou o progresso de sua dieta.
A área é nova e deve ser examinada com cuidado antes de ser defendida ou atacada. Por mais que os benefícios coletivos valham a pena, a exposição individual extrema dos históricos médicos ou terapêuticos pode restringir acessos e causar diversos constrangimentos a seus usuários. Novíssima fronteira da privacidade, os dados médicos só deverão ser comercializados quando seus benefícios superem os custos.
Luli Radfahrer
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha de São Paulo

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