terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Suzana Herculano-Houzel


Um deficit legítimo de atenção
Crianças com o transtorno estão deixando de tomar remédios por falta de informação dos pais
Sim, há quem seja preguiçoso, desinteressado ou desorganizado, com mau desempenho nos estudos e no trabalho, seja por falta de oportunidade ou de orientação, dificuldades variadas da vida, estresse, ou até falta de caráter mesmo. Mas há crianças -e adultos- que parecem ser assim por carregarem em seu cérebro uma dificuldade intrínseca em fazer o que, para todos os outros, é apenas normal: se concentrar em uma tarefa de cada vez, ignorando distrações ao redor.
Essas são as pessoas que sofrem de uma legítima síndrome de deficit de atenção. São de 0,5 a 5% da população, dependendo dos critérios diagnósticos empregados.
De maneiras ainda não completamente compreendidas, o transtorno envolve uma deficiência de dopamina, um dos moduladores que regula nossa capacidade de considerar um evento importante, dedicar a ele nossa atenção e nos empenhar em seu processamento.
Não é surpresa, portanto, que essas pessoas sejam facilmente distraídas, sucumbindo a qualquer novidade que passar pela frente em vez de se concentrar no trabalho ou no dever de casa.
Por causa dessa dificuldade de sustentar a atenção, ler um texto até o fim é uma tarefa que pode durar horas e se tornar desmotivante, levando a desinteresse, uma aparência de preguiça e dificuldade de memória e de aprendizado.
Pior ainda, para a criança que sofre desse deficit, é a falta de informação dos pais, que reclamam de um comportamento que não depende de escolha da criança. Retorno negativo, na forma de comentários do tipo "você é preguiçoso" ou "você não está se esforçando", só fazem criar uma autoimagem mais negativa, daquelas que se tornam profecias autorrealizáveis.
Por sorte, existe tratamento. Terapia puramente comportamental ajuda, ensinando a criança a ter disciplina e escolher ambientes mais favoráveis a ela. Muitas vezes, contudo, o melhor tratamento inclui remédios, com estimulantes como o metilfenidato e anfetaminas.
E aqui está outro problema causado por falta de informação. Para muitas dessas crianças -e adultos, pois o deficit de atenção é para o resto da vida-, o remédio é o passaporte para a vida "normal" que os outros conhecem, em que ler um parágrafo é tarefa trivial e provas levam uma hora, não três. No entanto, muitos pais relutam em tratar seus filhos com estimulantes.
É uma relutância compreensível, mas desinformada. Por quê? Daqui a duas semanas eu explico.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blogwww.suzanaherculanohouzel.com

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