quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

'Falando de Amor' - Pasquale Cipro Neto

folha de são paulo

'Falando de Amor'
Cá entre nós, a correlação, em segunda pessoa, entre 'Se soubesses' e 'não negavas um beijinho...' é maravilhosa
O incansável Wagner Homem (responsável pelo site de Chico Buarque, autor dos belos "Chico Buarque - Histórias de Canções" e "Toquinho - Histórias de Canções" e coautor, com Luiz Roberto Oliveira, do não menos belo "Tom Jobim - Histórias de Canções") me convida para o show de lançamento da obra relativa ao monumental Tom Jobim (nesta sexta, no Café Paon, em São Paulo).
Já li um bom pedaço do livro, encantador e repleto de belas histórias e informações a respeito da tecedura das canções de Tom, das que fez sozinho e das que fez em parceira (com Vinicius, Chico, Aloysio de Oliveira, Newton Mendonça, entre outros). Muitas dessas histórias têm relação com o cuidado de Tom e parceiros com a língua.
Pois isso tudo me fez aumentar a já enorme e antiga vontade de escrever sobre alguns dos fatos linguísticos presentes na delicadíssima "Falando de Amor". Vejamos estes versos, que integram a primeira estrofe da letra: "Se eu pudesse por um dia / Esse amor, essa alegria / Eu te juro, te daria / Se pudesse esse amor todo dia / Chega perto, vem sem medo / Chega mais meu coração / Vem ouvir esse segredo / Escondido num choro canção / Se soubesses como eu gosto / Do teu cheiro, teu jeito de flor / Não negavas um beijinho / A quem anda perdido de amor".
O caro leitor notou a correlação que Tom estabeleceu entre "pudesse" e "daria" ("Se eu pudesse.../...te daria...") e entre "soubesses" e "negavas" ("Se soubesses.../...não negavas...")? Enquanto você pensa e avalia, lembro o que me disse o Mestre a respeito de algumas das diferenças entre o nosso português e o de Portugal quando me concedeu a honra de entrevistá-lo, em 1993, para o "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura: "Os portugueses dizem 'Eu gostava de estar consigo amanhã'; nós dizemos isso de outro jeito...".
É verdade. Embora em alguns dos registros do português brasileiro ocorra a forma "gostava" com o valor de "gostaria" ("Como eu gostava que chovia!", disse-me certa vez um sitiante, desolado com a falta de chuva), é mais comum entre nós a forma "gostaria" nesse e em outros casos análogos ("Como eu gostaria [de] que chovesse!"; "Eu gostaria de estar com você amanhã"), mas... Mas o uso do imperfeito do indicativo com o valor de futuro do pretérito, ou seja, o uso de "negavas" com o valor de "negarias", por exemplo, é mais do que comum, tanto na língua oral como nos registros literários, clássicos ou modernos.
Não foi por acaso que Tom, leitor contumaz de clássicos e modernos, passeou com tranquilidade pelas duas correlações. Primeiro, empregou o que é regra no texto científico, jurídico, filosófico ("Se eu pudesse por um dia / Esse amor, essa alegria / Eu te juro, te daria..." - por sinal, "daria" rima com "alegria"); depois, empregou o que é mais comum na oralidade e em muitos registros literários ("Se soubesses como eu gosto / Do teu cheiro, teu jeito de flor / Não negavas um beijinho..."). E cá entre nós, caro leitor, a correlação, em segunda pessoa, entre "Se soubesses" e "não negavas um beijinho..." é maravilhosa, tão maravilhosa que dói no peito e na alma. Note a importância do diminutivo "beijinho", cujo caráter afetivo praticamente impõe que o fecho da correlação se dê com a forma mais comum na linguagem espontânea, ou seja, com o imperfeito do indicativo ("negavas").
Tenho particular apreço por estes versos da segunda estrofe: "Quando passas, tão bonita / Nessa rua banhada de sol / Minha alma segue aflita / E eu me esqueço até do futebol". O leitor não tem ideia do que significa um par de olhos verdes a sonhar com esse esquecimento, sobretudo quando mal sabe a divina criatura que o futebol já foi mais do que esquecido...
E viva o grande Tom Jobim! É isso.

    Um comentário:

    1. O bonito e estimulante à leitura de um texto bem escrito é, também, saber reconhecer a boniteza dos versos. A conversa rende, Bê; ainda mais entre webamigos leitores, fãs do Pasqualle, de Tom Jobim e desse dizer que empresta às palavras uma comoção incontida.

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