quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Luiza Nagib Eluf e Cláudio Galvão no Tendências/Debates

folha de são paulo

Tráfico de pessoas
O projeto de lei que regulamenta os serviços prestados pelos profissionais do sexo merece apoio por seu cunho libertador e educativo
Devemos reconhecer que a novela "Salve Jorge", da Rede Globo, está prestando um serviço à população ao abordar de forma clara e didática o tráfico internacional de seres humanos para fins de prostituição.
Nossa Polícia Federal já instaurou 867 inquéritos policiais sobre o assunto, mas quem precisa estar bem informado sobre os fatos é o povo, a fim de que possa se defender. E as massas só se ligam naquilo que aparece na televisão.
O tráfico de pessoas produz o terceiro maior lucro mundial para as quadrilhas, ficando aquém apenas do tráfico de armas e de drogas. E nem sempre a finalidade é a exploração sexual, podendo a traficância destinar-se a outras violações.
Nosso Código Penal atual, nos artigos 231 e 232, prevê apenas a punição do tráfico internacional e interno de pessoas para fins de exploração sexual. A proposta de reforma penal, atualmente em tramitação no Senado, no entanto, contempla essa modalidade delitiva de maneira mais abrangente, prevendo também o intuito de extração de órgãos, tecido ou partes do corpo e trabalho escravo.
Nos termos da legislação em vigor, que é mais restritiva do que a proposta de reforma penal, o tráfico de pessoas é um crime contra a dignidade sexual. A pena para a modalidade internacional vai de três a oito anos de reclusão, mas poderá chegar a 12 se a vítima for menor de 18 anos ou se for portadora de alguma enfermidade. Se o crime for praticado por um familiar ou empregador, se houver uso de violência, grave ameaça ou fraude, também caberá pena maior.
As mulheres são as vítimas preferenciais do tráfico de pessoas. E isso tem uma explicação óbvia: a opressão sexual feminina. Exatamente por essa razão, a prostituição precisa ser encarada sem preconceitos e com muita objetividade. O comércio sexual, na forma como o conhecemos hoje, tem a mesma idade do patriarcado.
Em sociedades em que as mulheres, os homossexuais, os travestis e os transexuais não conseguem fazer valer seus direitos humanos, é fácil compreender por que são usados, explorados, descartados e, ao final, responsabilizados por seus trágicos destinos.
A regulamentação do comércio sexual, praticado entre pessoas maiores de 18 anos e livres, ajudaria muito a evitar a escabrosa exploração a que hoje estão sujeitos os profissionais do sexo em nosso país.
Milhares de pessoas seriam retiradas do abismo da condenação moral, que só faz piorar sua já difícil situação, e muitas crianças teriam condições melhores para viver.
Com o avanço da noção de direitos humanos ao redor do mundo, já não se usa mais a palavra "prostituta", pois a carga de preconceitos que o termo traz em si impossibilita a correta compreensão do problema. Hoje, fala-se em "profissional do sexo". Algumas das pessoas que abraçam a atividade fazem-no por imposição de terceiros, mas há casos em que o indivíduo opta pela profissão sem estar sendo explorado nem induzido a tal.
É preciso separar as duas situações. Lembramos que a legislação brasileira não pune o comércio sexual, pune apenas quem o explora. O projeto de lei do deputado federal Jean Wyllys, que regulamenta os serviços prestados pelos profissionais do sexo, em tramitação na Câmara Federal, merece apoio da comunidade por seu cunho libertador e educativo, ao banir o estigma que pesa sobre a mulher em contraposição às glórias que cobrem o homem quando ambos praticam a mesma atividade, porém em lados opostos.
Em uma sociedade igualitária, cuja Constituição estabelece não haver dominador nem dominado, é preciso ajudar a população vulnerável a sair das masmorras e das senzalas que ainda persistem.


CLÁUDIO GALVÃO DE CASTRO JR.
TENDÊNCIAS/DEBATES
Velhos medicamentos, novos problemas
Mais de 20 drogas de baixo custo, que não dão lucro, mas são essenciais, podem faltar em breve. É preciso cobrar informações dos laboratórios
Desde a metade do século 20, o arsenal de medicamentos, antes restrito a fórmulas quase mágicas, deu lugar a terapias que podem paliar a dor, melhorar a qualidade de vida e prolongá-la.
O desenvolvimento de novas drogas requer dinheiro e pessoal qualificado. Embora governos possam investir em pesquisa, não teríamos a quantidade de drogas atual, não fosse a indústria farmacêutica, que aplica quantias bilionárias e deseja o retorno financeiro.
A lógica capitalista permitiu o desenvolvimento de medicamentos para diabetes, colesterol, hipertensão, tuberculose e Aids que hoje são disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), tratando doenças que antes roubavam milhares de vidas.
Essa mesma lógica criou dois grandes problemas. O primeiro deles são as drogas de alto custo, que produzem rombos nas finanças públicas. Geralmente são drogas destinadas às doenças pouco frequentes. A explicação é simples: os laboratórios precisam recuperar o capital investido no desenvolvimento e ter o lucro.
Deixar de lado meias verdades e debater a incorporação de novos medicamentos e tecnologias com a participação de órgãos públicos, sociedades médicas e especialistas é o único caminho para prover a melhor assistência. Exemplos anteriores também mostraram que é possível negociar preços com os laboratórios.
O segundo problema é menos conhecido, mas muito mais grave e insidioso. Trata-se das drogas de baixo custo, que, por não darem uma margem de lucro adequada, ou mesmo por causarem prejuízos aos fabricantes, estão sendo retiradas do mercado. Quando essas drogas faltam, mesmo quem tem muito dinheiro não é capaz de comprá-las, pois, em muitos casos, há um desabastecimento mundial.
Nos Estados Unidos, uma centena de drogas corre o risco de desabastecimento. O presidente Barack Obama envolveu-se nesse problema e, desde 2010, diversas ações foram tomadas. No Brasil, o Ministério da Saúde tem uma lista com mais de 20 drogas sob risco de descontinuação.
Na maioria dos países, as legislações não previram que um remédio pudesse simplesmente deixar de ser fabricado. No Brasil, mesmo que um medicamento seja essencial e o fabricante ou importador seja único, basta um aviso com antecedência de poucos meses à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)para retirá-lo do mercado.
A L-asparaginase, medicamento essencial no tratamento das leucemias linfóides agudas, está deixando de ser fabricada. Ainda assim, existe um substituto à altura, que, embora bem mais caro, apresenta vantagens em relação ao produto original. O desabastecimento de drogas vem sendo debatido com órgãos do Ministério da Saúde, particularmente o Inca (Instituto Nacional de Câncer), com a participação de diversas sociedades médicas.
Entre as sugestões apresentadas por um grupo que se formou para estudar o problema estão mudanças na legislação que obriguem os laboratórios a informar exatamente qual a causa da suspensão da droga e ampliem o prazo de notificação, de forma que o governo possa ter tempo suficiente para contornar o problema.
Outra sugestão é facilitar a importação e o registro de drogas essenciais com regime de impostos diferenciado. Com essas mudanças, os laboratórios públicos poderão se planejar para produzir drogas essenciais e eventualmente exportar o excedente.
O problema já é conhecido e as soluções foram apontadas. Drogas essenciais, sem nenhum substituto, podem faltar em breve. É preciso rapidez em implantar as soluções. Uma silenciosa catástrofe ameaça a vida de milhões de brasileiros.

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