sábado, 9 de fevereiro de 2013

Morta há 50 anos, Plath ainda confunde

folha de são paulo

Após meio século de uma indústria de publicações e de biografias díspares, desafio é identificar versões da poeta
Lançamentos em torno da data incluem traçado de como a autora foi recebida por diferentes grupos de leitores
MARINA DELLA VALLEDE SÃO PAULOO suicídio da poeta norte-americana Sylvia Plath, aos 30 anos, em 11 de fevereiro de 1963, deu início a uma questão que acabou por gerar, ao longo dos anos, uma verdadeira indústria de publicações biográficas: quem era, na verdade, Sylvia Plath?
Cinquenta anos depois, foram tantas disputas e livros sobre a vida e a morte da poeta que é tempo de mudar a questão ao ler algo sobre ela: Plath era de quem?
É o que sugere um dos lançamentos mais interessantes relacionados com a data: "Claiming Sylvia Plath" (reivindicando Sylvia Plath, Cambridge Scholars, 370 págs., US$ 74,99), da norueguesa Marianne Egeland.
Professora da Universidade de Oslo, Egeland analisou as publicações sobre Plath escritas entre 1960 e 2010 para traçar a recepção da poeta por diferentes grupos de leitores: feministas, críticos, biógrafos, psicólogos e amigos.
Isso porque poucos autores tiveram vida e legado tão debatidos como Plath.
As causas de seu suicídio, o papel do marido, o poeta inglês Ted Hughes (1930-1998), em sua morte, e as origens dos poemas vociferantes publicadas em seu livro póstumo, "Ariel", geraram um turbilhão de análises.
Mais que isso: tais disputas pintaram diferentes figuras da poeta.
"Fiquei surpresa não só com a quantidade de 'Sylvias' contrastantes, mas com o tanto que comentaristas acreditam que suas versões são as únicas corretas", disse Egeland àFolha.
Um ponto interessante colocado pela autora é que Plath acabou sendo usada como um argumento pelos diferente segmentos que escreveram sobre ela, moldando sua figura de acordo com os interesses de cada visão. E é possível, afinal, saber quem foi a verdadeira Sylvia Plath?
"Essa decisão fica ao encargo de cada leitor. Mas talvez seja prudente lembrar que hoje ela está escondida sob múltiplas camadas de opiniões e interpretações", afirma Egeland.
"Claiming Plath" não é necessariamente uma leitura fácil, principalmente para iniciantes no universo da poeta, mas pode ser um bom guia para quem começa, já que situa -e explica- as diferentes visões alardeadas como a "verdadeira" face de Plath.
Para Egeland, há mais um efeito desejado: "Espero que haja um aumento das questões éticas envolvidas na maneira como ela foi reivindicada por seus leitores".
MUITAS VIDAS
Com os 50 anos da morte de Plath, era inevitável que surgissem novas biografias, ainda que o assunto pareça completamente esgotado.
A mais completa é "American Isis" (St. Martin's Press, 336 págs., US$ 29,99), de Carl Rollyson, professor de jornalismo do Baruch College, da City University de Nova York.
Na introdução, Rollyson compara Plath a outra loura trágica: Marilyn Monroe, também biografada por ele.
A comparação inicial pode soar disparatada, mas Rollyson é um biógrafo experiente, que busca mostrar diferentes lados de Plath, como sua sexualidade e o interesse por cultura popular. Assim como Monroe, consagrada como símbolo sexual, ela buscava leituras como James Joyce.
"Quis mostrar que Plath não era apenas uma ótima poeta, mas era ótima em vários aspectos", diz Rollyson.
Ele é o primeiro biógrafo a utilizar uma série de cartas entre Ted e sua irmã Olwyn Hughes, liberadas anos após a morte do poeta, em 1998.
O autor, ao jogar novas luzes em uma história revista tantas vezes, não deixa de avaliar as maneiras como ela foi contada antes. O último capítulo é sobre as biografias de Plath e suas disparidades.
"Sem saber como essas biografias foram escritas, o leitor fica sem referência."
O afã de publicações (que começou com o relançamento de "Bell Jar", que também completa 50 anos, pela Faber) não se repetiu no Brasil.
Os "Diários de Sylvia Plath", editados por Karen V. Kukil, ganharam nova edição (trad. de Celso Nogueira, Globo Livros, 836 págs. R$ 79).
"Ariel", em sua versão "restaurada" (da maneira como a poeta o deixou antes de morrer), traduzido por Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Glenz de Macedo, será republicado pela Verus neste ano, sem conexão com os 50 anos da morte de Plath.
Assim, o leitor brasileiro fica com a opção de ler o que a própria Plath tinha a dizer, tanto para si mesmo, no caso dos diários, como para o mundo, no caso de "Ariel".

    FRASE
    "Fiquei surpresa não só com a quantidade de 'Sylvias' contrastantes [publicadas nos livros sobre ela], mas com o tanto que comentaristas creem que suas versões são corretas"

    Primeira a destoar do mito, biografia segue relevante
    DE SÃO PAULOUm dos aspectos do mito em torno de Sylvia Plath é sua figura de mulher abandonada - colocando o marido de quem se separou, o poeta inglês Ted Hughes, na posição do homem cruel.
    Os amigos de Hughes reagiram, e teve início uma curiosa "guerra das biografias". "Bitter Fame" (1989), da poeta norte-americana Anne Stevenson, aqui publicada como "Amarga Fama" (Rocco, 1992), foi a primeira feita com o auxílio de Olwyn Hughes, irmã de Ted e gerenciadora dos direitos sobre a obra de Plath.
    O livro foi criticado como sendo a versão de Hughes dos fatos, na qual ele era retratado de modo favorável. Primeira biografia "dissidente" da tese da mulher traída e abandonada cultivada por muitos dos seguidores de Plath, "Amarga Fama" segue falada.
    Stevenson publicou também estudos sobre a poeta Elizabeth Bishop, com quem se correspondeu quando ela morava no Brasil. Leia, a seguir, trechos da entrevista que Stevenson, 80, concedeu à Folha, por telefone.
    (MARINA DELLA VALLE)
    -
    Folha - Apesar das várias biografias de Plath publicadas, "Amarga Fama" segue bem conhecida e discutida. A que a sra. credita isso?
    Anne Stevenson - "Amarga Fama" foi escrita com a esperança que eu dividia com Olwyn Hughes quando me propus a escrever o livro: de que a obra revelaria o verdadeiro estado das relações entre Sylvia Plath e Ted Hughes nos meses que antecederam o suicídio de Plath.
    O relacionamento deles tinha dois lados e era complexo, não simplesmente o caso de Ted Hughes abandonar sua mulher por uma "femme fatale", na figura de Assia Wevill. O lado escuro do talento excepcional de Plath era o mito aterrorizante que ela criou de sua própria existência.
    Se o livro foi, como descreveu Janet Malcolm, o primeiro relato inteligente e crível da vida de Plath, isso ocorreu porque, no final, eu tive de me livrar tanto dos preconceitos de Olwyn como da histeria desinformada dos que atacavam Ted.
    Em "A Mulher Calada", Janet Malcolm descreve as condições sob as quais a sra. escreveu o livro, especialmente a pressão feita por Olwyn. O relato é preciso?
    Sim, mas eu acho que Olwyn não me conhecia muito bem. Em princípio, eu não dou a impressão de estar segura sobre mim mesma ou minhas opiniões.
    No início, nós nos demos bem. Acho que Olwyn pensou que eu poderia escrever meu livro como ela ditava. Eu a magoei quando me recusei a tomar seu ponto de vista como uma verdade evangélica.
    A sra. escreveu bastante sobre Elizabeth Bishop. Pesquisou o tempo que ela passou no Brasil?
    Eu comecei a me corresponder com Bishop em 1963, quando ela estava vivendo em Petrópolis com Lota de Macedo Soares, e eu li todos os livros e poemas que ela escreveu sobre o Brasil, mas nunca estudei a vida dela lá. Sinto por não ter visitado o Brasil. Se eu o fizesse durante a vida de Bishop, poderia ter tido uma vida diferente. Mas a rota não trilhada está fechada para sempre. Aos 80 anos, não vou me permitir arrependimentos.

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