terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Por dentro do cérebro dos bipolares-Paloma Oliveto

Cientistas identificaram ações anormais dos neurônios nas três fases do distúrbio mental. Descoberta pode ajudar no desenvolvimento de terapias mais eficazes contra o mal que afeta 70 milhões de pessoas no mundo 

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 12/02/2013 

Em uma hora, a pessoa está eufórica, rindo à toa, mesmo quando a piada não tem graça. Ou então, hiperativa, sem conseguir parar de falar. Na outra, a tristeza é quase insuportável e até um comercial de televisão pode levar às lágrimas. No meio desses extremos, há períodos de calmaria, sem episódios de euforia nem de depressão. O transtorno bipolar, que afeta cerca de 1% da população mundial, é caracterizado por flutuações no humor que estão associadas a anomalias na atividade cerebral. Pela primeira vez, um grupo de pesquisadores conseguiu identificar o comportamento dos circuitos neurais envolvidos nas três diferentes fases do distúrbio. De acordo com eles, o estudo pode ser o ponto de partida para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.

Amit Anand, psiquiatra da Faculdade de Medicina de Indiana e principal autor do artigo, publicado no jornal Biological Psychiatry, explica que por trás dos sintomas do transtorno bipolar há uma imensa dificuldade de resposta a estímulos externos — como uma piada ou um comercial. O indivíduo que sofre do problema apresenta déficits de autocontrole, que se manifestam de diferentes formas. “Tanto a fase da mania quanto a depressiva (veja quadro) são marcadas pela impulsividade, embora isso esteja mais pronunciado no primeiro caso. É importante saber se a mudança na atividade cerebral durante esses momentos está relacionada à doença em si ou se é um efeito secundário da mania ou da depressão”, destaca. 

Para investigar o comportamento cerebral durante as três fases, a equipe de Anand realizou exames de ressonância magnética funcional em pessoas bipolares que estavam maníacas, depressivas ou normais. Como o uso de medicamentos mascara a atividade dos circuitos neurais, apenas pacientes diagnosticados mas não tratados entraram na pesquisa. Pessoas mentalmente saudáveis também participaram, como grupo de controle. Enquanto a máquina registrava o que ocorria em seus cérebros, os voluntários foram submetidos a uma série de testes comportamentais usados frequentemente em estudos psicológicos. Essas avaliações, chamadas de go/no go, têm como objetivo investigar a inibição da resposta, termo usado para definir a capacidade de uma pessoa de controlar e de suprimir ações impróprias a um contexto. 

Reações distintas

No estudo, faces com expressões tristes e alegres foram usadas como estímulo. Durante a sequência de imagens, ora os participantes tinham de apertar um botão apenas quando viam rostos felizes, ora eram instruídos a fazer o mesmo somente quando a expressão era de tristeza. Também havia fotos de letras aleatórias, incluídas como estímulo neutro, não emotivo. Os pesquisadores observaram que nos grupos de maníacos ou deprimidos houve mais dificuldade e falhas quando os pacientes viam faces alegres ou tristes e não podiam apertar o botão, sinal de que a inibição da resposta estava deficiente. 

No dia a dia, isso significa, por exemplo, que o indivíduo maníaco dificilmente resiste à tentação de fazer uma aposta alta quando está em um cassino. Da mesma forma, o bipolar na fase deprimida pode atentar contra a vida por um motivo que, em outros momentos, não o deixaria abalado, devido ao déficit no sistema de resposta a estímulos. 

A ressonância magnética realizada durante os testes mostrou que quando os deprimidos não podiam apertar o botão ao ver um rosto triste, ocorria uma atividade cerebral anormal, comparando ao grupo de indivíduos mentalmente saudáveis. Já os maníacos apresentaram padrões de estímulo cerebral deficientes tanto quando tinham de controlar a resposta diante de faces tristes quanto na hora em que precisavam fazer o mesmo em relação aos rostos felizes ou às letras neutras. As anomalias na ativação do cérebro foram verificadas mesmo nos pacientes que são bipolares mas, no momento do teste, estavam na fase de humor equilibrado. 

“Com isso, constatamos que o transtorno bipolar é mais complexo ainda, do ponto de vista das interações neurais. O comportamento anormal do cérebro difere, dependendo da fase em que o paciente se encontra”, diz Anand. O fato de alterações terem sido identificadas mesmo nas pessoas que não estavam passando por flutuações de humor na época da pesquisa indica que a atividade cerebral desregulada não é apenas um efeito secundário das fases de mania e depressão, mas uma característica da própria doença. Amit Anand reconhece que o estudo ainda é embrionário e precisa ser replicado, mas acha que as descobertas poderão ajudar no desenvolvimento de medicamentos mais precisos. “Para que um tratamento seja eficaz, é importante compreender os mecanismos neurais que estão por trás das anomalias na regulação das emoções. Foi isso que conseguimos fazer no nosso trabalho”, afirma o especialista. 

Saiba mais os sintomas

Também conhecido como doença maníaco-depressiva, o transtorno bipolar é um problema mental que causa mudanças anormais no humor e na energia, interferindo na forma de lidar com tarefas do dia a dia. Os sintomas são severos, com diferentes formas de altos e baixos,  dependendo do paciente. 

Fase maníaca

» Euforia, com sensação de felicidade extrema

» Irritação e agitação

» Ficar facilmente distraído

» Pouca necessidade de sono

» Comportamentos de alto risco, como sexo impulsivo e investimentos financeiros súbitos

Fase depressiva

» Sentir-se preocupado ou vazio

» Perder o interesse em atividades antes prazerosas, incluindo o sexo

» Sentir-se sempre cansado, com dificuldades para se concentrar, lembrar e tomar decisões

» Mudança nos hábitos alimentares e padrões de sono

» Pensar muito em morte

Influência genética 


Stephen Strakowski, cientista da Faculdade de Medicina da Universidade de Cincinnati, também pesquisou o cérebro de pacientes bipolares e encontrou padrões de ativação anormais. Diferentemente do estudo de Amit Anand, contudo, o foco de seu trabalho foi o comportamento do cérebro de pacientes bipolares apenas durante a fase maníaca. Ele constatou que na execução de testes psicológicos que mediam a capacidade de autocontrole, as respostas cerebrais dessas pessoas eram bastante diferentes das exibidas por indivíduos saudáveis. 

“A abordagem de mapear o cérebro bipolar tem confirmado que as características comportamentais da doença, como hiperatividade e impulsividade, são compatíveis com uma atividade cerebral desregulada. Isso é de grande importância para futuros estudos e abordagens terapêuticas, mas a questão crucial que permanece desconhecida é o que faz com que o cérebro aja dessa forma”, observa. De acordo com Strakowski, embora estabilizadores de humor e antipsicóticos tenham uma excelente ação, permitindo que os pacientes que fazem uso correto dos medicamentos levem uma vida praticamente normal, não existem drogas específicas para tratar o transtorno bipolar. “Se soubermos o que desencadeia as respostas anormais do cérebro, poderemos desenvolver terapias que tratem de forma diferenciada as fases de mania e depressiva”, lembra o cientista. 

Acredita-se que as causas do transtorno bipolar sejam diversas, mas o componente genético é um dos mais fortes candidatos, de acordo com um estudo publicado na revista Nature Genetics. Na maior pesquisa do tipo, que envolveu 12 mil pacientes e 52 mil pessoas no grupo de controle, cientistas do consórcio Projeto Genoma Psiquiátrico identificaram 11 regiões do genoma fortemente associadas ao transtorno bipolar e à esquizofrenia. Eles também constataram que dois genes específicos estão diretamente ligados aos distúrbios mentais. “Esse é um dado muito importante quando pensamos no desenvolvimento de medicamentos direcionados”, afirma Philip Mitchell, diretor da Clínica de Distúrbios Bipolares do Instituto Black Dog e um dos autores do estudo. 

“Estamos começando a entender a biologia do transtorno bipolar. Apesar de ter um componente genético, diferentemente de muitas outras doenças, o distúrbio é desencadeado não por mutações ou erros em um único gene, mas por variantes em dezenas ou talvez em milhares de genes”, diz Mitchell. “Descobrir as regiões genômicas que regulam o desenvolvimento neuronal e talvez contribuam para as anomalias cerebrais encontradas na esquizofrenia e no transtorno bipolar é um avanço enorme”, acredita. (PO)

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