domingo, 24 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Economia de resultados
Situação econômica peculiar, com consumo forte apesar de PIB fraco, ajuda a explicar excelente desempenho da popularidade presidencial
No início de seu terceiro ano de mandato, a despeito do desempenho frustrante da produção econômica, a presidente Dilma Rousseff mantém seu alto índice de popularidade. A pesquisa do Datafolha publicada hoje reforça o paradoxo entre o débil resultado líquido das contas nacionais, de um lado, e a persistente avaliação positiva da mandatária, do outro.
A aparente contradição se atenua quando consideradas as causas imediatas do fenômeno. Se o ritmo de crescimento do PIB no primeiro biênio do governo Dilma é pior que o registrado nas chamadas décadas perdidas de 1980 e 1990, não é verdade que a economia esteja padecendo de inanição em seu conjunto.
O segmento da atividade que mais concerne ao conforto e ao otimismo dos cidadãos, além de sustentar-se em patamares historicamente elevados, continua a crescer em ritmo satisfatório. Em 2012, a velocidade da alta no consumo das famílias foi o triplo da apurada para o PIB como um todo. O volume de importações aumentou quase 10%.
A taxa de desemprego hoje é a metade da registrada no início de 2005, período comparável do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O salário médio compra 30% mais. O dinheiro emprestado a juros às pessoas físicas, em geral para adquirir bens, mais que duplicou como proporção do PIB.
Medidas da administração Dilma reforçaram o setor pujante da economia. O corte de impostos em alimentos populares e a queda nos juros básicos -que repercutiu, menos intensa, nas taxas ao consumidor- foram sobejamente festejados pelo marketing oficial e contribuíram para manter elevada a aprovação da presidente.
O que tropeça é o lado produtivo da economia. Os investimentos recuaram 4% no ano passado, em relação a 2011. A indústria, mesmo após a recuperação registrada em janeiro de 2013, ainda peleja para igualar o nível de atividade de dois anos atrás.
Quais seriam as causas mais profundas desse andamento bifásico da economia brasileira? Como é possível que a demanda siga relativamente bem e aquecida enquanto a produção nacional de mercadorias atravessa uma crise?
Por quanto tempo mais pode durar esse arranjo raro, para não dizer inédito, na história econômica do Brasil? Aqui o paradoxo se repõe, pois não se encontra resposta satisfatória no mercado de análises especializadas.
Como o governo Dilma já entrou em ritmo eleitoral, dá-se como certo que continuará tratando uma doença grave com paliativos, apenas para prolongar a sensação de bem-estar até outubro de 2014.

    O STF e o caos tributário
    A decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS no cálculo dos tributos PIS/Pasep e Cofins sobre produtos importados pode causar perdas bilionárias ao governo federal.
    O STF entendeu que a inclusão fere o artigo 149 da Constituição, que prevê taxação só sobre o valor aduaneiro (custo do bem ou serviço no exterior, acrescido de frete e outras despesas de internação).
    Os efeitos práticos da decisão só ficarão claros com a publicação do acórdão. A Fazenda já anunciou que o ressarcimento ocorrerá caso a caso, mas que vai recorrer ao Supremo e solicitar que a decisão não se aplique a ações ajuizadas após a data do julgamento. Caso o argumento seja aceito, o passivo seria reduzido consideravelmente.
    O julgamento se arrastava desde 2004. É absurdo consumir oito anos para decidir uma causa de tamanha repercussão. Em geral, a insegurança tributária termina prejudicando o contribuinte, mas, nesse episódio, ela se voltou contra o governo.
    No contexto atual de superavit fiscais cadentes por causa de desonerações que buscam reforçar a competitividade, a notícia não contribui para tal objetivo. O governo perderá receitas, e produtos importados serão beneficiados.
    A despeito disso, é forçoso reconhecer que o entendimento do STF é sólido. Num contexto mais amplo, contribui para limitar a arbitrariedade tributária do Estado. Pena não ser regra geral.
    Não vem de hoje o costume dos governos, federal e estaduais, de incluir tributos em sua própria base de cálculo. O mesmo STF decidiu, em 2011, pela constitucionalidade da prática no caso do ICMS, o chamado cálculo "por dentro" que incide sobre a conta de telefone, por exemplo -a alíquota de 25%, incluída em seu próprio cálculo, puxa a cobrança para 33%.
    Alguns ministros do STF entenderam que o governo majorava a alíquota de forma legal e transparente. Legal, segundo o Supremo, mas ainda assim em afronta a qualquer racionalidade.
    A mais recente decisão do STF apenas retoma um tema conhecido -o caos da legislação tributária. As empresas brasileiras gastam quase cinco vezes mais horas que a média global para cumprir a legislação complexa e cambiável.
    Tem razão o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda Bernard Appy, que em artigo recente chamou a atenção para a insegurança jurídica relacionada à legislação tributária como um dos principais fatores a travar os investimentos no Brasil.

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