terça-feira, 5 de março de 2013

Geração sem Aids - Luciane Evans

Especialistas recebem com otimismo a notícia de que criança nos Estados Unidos foi curada do HIV. Diagnóstico precoce é apontado como diferencial para o tratamento 


Luciane Evans

Estado de Minas: 05/03/2013


Uma futura geração livre da Aids. Essa é a aposta do mundo diante da notícia de que uma criança de 2 anos pode ter sido curada do HIV nos Estado Unidos. O estudo, divulgado domingo durante a Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, em Atlanta (EUA), foi apontado pelos pesquisadores como prova de que o vírus pode ser eliminado em pacientes infantis infectados pelas mães soropositivos durante o parto. Mas especialistas pedem cautela diante da possibilidade de essa criança ter nascido com um sistema imunológico raro, mais resistente ao vírus. Por isso, novos testes serão necessários para assegurar que o tratamento – que foi iniciado 30 horas depois do nascimento da menina – funcionaria para outras pessoas. Se comprovado, a descoberta pode significar uma mudança radical no diagnóstico infantil para a doença e esperança mundial de uma geração passível da cura do mal que mata, por ano, 1,7 milhão de pessoas em todo o mundo. 

O diagnóstico precoce é apontado como o diferencial para esse caso de repercussão mundial, que a própria  Organização das Nações Unidas (ONU) comemorou, ontem, como um passo a mais rumo a uma geração livre da Aids. Em nota, o Ministério da Saúde informou que os resultados do estudo da “cura funcional” do bebê americano ainda não estão publicados com a totalidade das informaçoes científicas necessárias, o que impede assim uma introdução no sistema de saúde neste momento.

Apesar de ainda não ter sido publicado em revista científica, o estudo mostrou que, em 2010, a mãe da criança, ao dar à luz no estado do Mississippi (Sul do país), não sabia que era soropositivo e, por isso, não tomou o coquetel de remédios recomendado e a presença do vírus foi detectada durante o parto. 

Diante disso, em menos de 30 horas de vida, a recém-nascida foi medicada com três drogas usadas no tratamento da doença em adultos. Hoje, com 2 anos, ela está há um ano sem tomar medicamentos e não apresenta qualquer sintoma visível do HIV.
A médica responsável pelo caso, em entrevista ao "New York Times", esclareceu que solicitou duas amostras de sangue com uma hora de intervalo para testar a presença do vírus  no RNA e no DNA do bebê. Os exames identificaram 20 mil cópias do HIV  por milímetro de sangue, índice baixo para bebês. Sem esperar os exames que confirmariam a infecção, a médica deu à criança três drogas usadas para tratamento, e não para a profilaxia. Com esse tratamento, os níveis do vírus diminuíram rapidamente, e ficaram indetectáveis quando o bebê completou um mês de vida. Foi assim até que a criança completasse 18 meses, quando a mãe parou de levá-la ao hospital. Quando elas retornaram, os testes deram negativo. Suspeitando de erro nos exames, ela pediu mais testes. "Foi uma surpresa", disse a pediatra Hanna Gay.

Uma quantidade praticamente desprezível de material genético viral foi encontrado, mas sem vírus que pudesse se replicar. Por isso, segundo o grupo, foi uma cura funcional da infecção.  "Do ponto de vista clínico, isso significa que se você conseguir colocar um bebê infectado sob drogas antirretrovirais imediatamente depois do parto, será possível prevenir ou reverter a infecção, essencialmente curar o bebê", disse o pesquisador Steven Deeks, da Universidade da Califórnia.   que contraiam o HIV no nascimento.

De acordo com Andrea Lucchesi de Carvallho, infectologista pediátrica do Centro de Referência em Doenças Infectoparasitária Orestes Diniz, da Prefeitura de Belo Horizonte e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Brasil o  diagnóstico é feito quando a criança completa um mês de vida. "Usamos um protocolo internacional de 1994 e, ao saber que a mãe é soropositivo, já medicamos o bebê assim que ele nasce, sem ter a certeza de que ele tem o vírus", explica. Ela acrescenta que, aqui, o coquetel dado ao bebê é parcial. "Damos a eles doses de dois antirretrovirais: nevirapina e azivodidiana (AZT). O bebê toma durante seis semanas. Depois disso, fazemos o exame de sangue para a carga viral. Caso seja negativo para o HIV,  a criança abandona os remédios. Se for positivo, continua tomando-os pelo resto da vida", explica. Andrea diz que nos EUA esse coquetel é composto por três drogas, sendo a terceira o lamivudina. "Por isso, dizemos que o diferencial no caso foi o diagnóstico precoce, que resultou em uma postura mais agressiva para o tratamento. Se comprovados os resultados, pode ser que sirvam de alerta para exames antecipados", diz. 

À espera de respostas para confirmar a boa notícia, especialistas afirmam que devem ser respondidas antes de o feito ser considerado uma grande vitória. Uma delas é se a criança do caso tem sistema imunológico mais resistente ao vírus. "A menina pode ter tido o HIV detectado dentro da célula, mas o seu organismo não permitiu a reprodução dele, tratando-se assim de um caso raro. Por isso, pode ser chamado de cura funcional", comenta Andrea. Otimista com os resultados, o vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling, diz que trata-se de uma situação nova, que pode mudar muita coisa. "É uma possível cura. Mas é necessário um acompanhamento dessa criança", avisa. 

Já o presidente da organização não governamental Grupo Vhiver, Valdecir Fernandes Buzon, aplaude a ciência. "Ela  está conseguindo dar passos largos. Mas acho que é cedo para comemorar. Não sabemos ao certo como se comporta o organismo dessa criança. É ainda um único caso. É muito triste ver os pequenos soropositivos sofrendo com os efeitos colaterais das medicações, como diarreia, enjoo e a debilitação da doença. Enfim, é algo positivo que está sendo descoberto, mas temos que esperar mais testes para confirmar essa cura da Aids", comenta.

MINAS A coordenadora do Programa Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES), Fernanda Araújo Junqueira de Oliveira, diz que o importante é o acompanhamento da gestação da mulher. "Ao se descobrir soropositivo, a gestante tem que receber as medicações e fazer o tratamento", aconselha.  O trabalho de prevenção – chamado de profilaxia – diminui muito a incidência do vírus causador da Aids em bebês cujas mães foram infectadas. Há menos de 1% de chance de a criança nascer com HIV se a gestante tomar o coquetel de remédios recomendado. Essa incidência sobe para cerca de 33% quando a mãe não faz tratamento contra a infecção.
"Há o projeto Nascer, do governo federal, que acompanha essa grávida durante a gestação, e o bebê já nasce sendo medicado. Depois de seis meses, muitos não têm o diagnóstico positivo para o vírus. Esse trabalho é feito desde 2005", ressalta Fernanda. (Com agências)

Anos de luta

Em setembro do ano passado, morreu no Brasil a primeira criança do país e umas das primeiras no mundo a tomar coquetel contra Aids. Luciane Conceição faleceu aos 24 anos, em Sorocaba, em São Paulo, de falência múltipla dos órgãos. Na época, conhecidos da jovem disseram que ela começou a ser negligente com o tratamento cinco anos antes. Em 2008, Luciane teve uma filha, Vitória, que nasceu sem o vírus do HIV. Na época, a mãe estava com uma carga viral indetectável. O nascimento da menina rendeu reportagens em diversos jornais e revistas do país.

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