quarta-feira, 24 de abril de 2013

Editorial Folha SP

folha de são paulo

Parceiro difícil
Presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes tem biografia controversa, mas isso não pode impedir retorno rápido do país vizinho ao Mercosul
Não são poucas as democracias em que Horacio Cartes, presidente eleito do Paraguai, dificilmente seria aceito como candidato: já foi detido por evasão de divisas, teve drogas apreendidas numa fazenda sua e se encontra sob suspeita de lavagem de dinheiro e contrabando de cigarros para o Brasil.
Cartes, um dos homens mais ricos de seu país, foi eleito pelo Partido Colorado. Versão paraguaia do PRI mexicano, a agremiação conservadora volta ao poder após o abreviado mandato do esquerdista Fernando Lugo, que, em 2008, conseguiu a façanha de pôr fim a seis décadas de colorados no poder.
Mesmo sem a Presidência e divididos internamente, os colorados mantiveram sua histórica capilaridade na sociedade paraguaia. Fruto do clientelismo de décadas, quando ser filiado ao grupo ajudava a abrir muitas portas, o partido supera 1 milhão de membros, numa população de 6,7 milhões.
Tendo ingressado na agremiação apenas em 2009, Cartes conseguiu unificar os colorados graças ao poder econômico. Na campanha, usou a imagem de empresário estranho à política, que não precisaria locupletar-se no poder por já ser rico o suficiente.
Representante do status quo, Cartes parece ter melhores condições de governar o país do que o ex-bispo católico Fernando Lugo, representante local da "onda de esquerda" na América do Sul.
Lugo, eleito com 40,8% dos votos (não há segundo turno no Paraguai), perdeu apoio após o escândalo de filhos não reconhecidos e os poucos avanços em áreas como a reforma agrária. Foi afastado da Presidência no ano passado, num processo constitucional, embora sem direito a ampla defesa.
Ao contrário do antecessor, Cartes, que vem se mostrando um pragmático, não deverá enfrentar dificuldades no Congresso. Elegeu 47 dos 80 deputados e 19 dos 45 senadores. O resultado eleitoral sem contestações e o bom momento econômico também contam a favor --o FMI prevê crescimento de 11% em 2013, o maior da região.
Cabe agora ao Brasil e demais países do Mercosul promover uma rápida reintegração do Paraguai ao bloco, do qual foi suspenso após a deposição de Lugo. Até 15 de agosto, quando Cartes assume a Presidência, há tempo para negociar um roteiro digno de volta do Paraguai, que viu a Venezuela tornar-se membro do grupo à sua revelia, manobra casuística que manchou a diplomacia brasileira.
As variadas e complexas relações bilaterais --basta mencionar os preços da energia de Itaipu, conflitos com brasiguaios e fronteiras permeáveis ao narcotráfico-- exigem que o Brasil mantenha uma relação próxima e de colaboração com o Paraguai. Até pelas sombras que pairam sobre a trajetória de Cartes, quanto menos Assunção estiver isolada, melhor.

    EDITORIAIS
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    Trilhos tortos
    Relatório interno do Ministério dos Transportes, ao qual a reportagem desta Folha teve acesso, aponta novos e graves problemas na ferrovia Norte-Sul. Pelo menos 855 quilômetros da via (de um total de 3.100 km) teriam sido construídos com trilhos de baixa resistência, que já consumiram R$ 470 milhões em recursos públicos.
    O material, importado da China a partir de 2007, apresenta, segundo técnicos, "baixa dureza" --com partes que se desgastam e sinais de trincamento. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Valec, estatal responsável pela obra, foi omissa ao não verificar se o produto apresentava as características exigidas em contrato.
    Não é demais lembrar que em 2011 a presidente Dilma Rousseff, em meio à "faxina" que se viu compelida a promover na pasta dos Transportes, havia afastado o presidente da empresa, José Francisco das Neves, sob suspeita de enriquecimento ilícito.
    O caso tem ramificações que sugerem favorecimento político. Os trilhos foram adquiridos e fornecidos à Valec pela Dismaf, vitoriosa em duas licitações. A empresa, de Brasília, pertence aos irmãos Basile e Alexandre Pantazis, ex-militantes do PTB, ligados ao senador Gim Argello (DF), da mesma sigla.
    Licitada em 1987, durante a presidência de José Sarney, a ferrovia Norte-Sul já nasceu torta. A concorrência para as obras, como expôs reportagem do colunista Janio de Freitas, foi fraudulenta. Os nomes dos vencedores divulgados pelo governo haviam sido publicados com antecipação, de maneira cifrada, pela Folha.
    A anulação da concorrência não bastou para colocar nos trilhos o empreendimento, que já consumiu mais de R$ 8 bilhões do erário. No ano passado, a mesma Valec, que havia comandado a disputa pública na década de 1980, foi apontada por laudos da Polícia Federal como suspeita de superfaturamento em obras da ferrovia.
    O episódio dos trilhos que ora se noticia é apenas mais um a evidenciar que o velho vício do tráfico de influência e da apropriação da máquina pública por interesses privados continua a marcar a cultura política do país.
    Quanto a isso, a atuação do PT em dez anos de governo federal serviu mais para perpetuar do que para remediar os problemas tradicionais. Bastaria, aliás, para demonstrá-lo, mencionar o julgamento do mensalão e o desastroso aparelhamento da Petrobras.

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