quinta-feira, 25 de abril de 2013

Marina Colasanti - Da execração à moda‏



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Estado de Minas: 25/04/2013 

O garçom se aproximou da minha mesa. Era jovem, um tipo comum, que não teria chamado a atenção, não fossem as sobrancelhas feitas. Feitas é dizer pouco. Os dois arcos exatos eram uma obra-prima de pinça ou cera, impecáveis como curvas de Niemeyer ou traços de pincel chinês. Bastava aquela precisão para dar ao rapaz um quê de diva dos anos 20, difusa lembrança das sobrancelhas da Garbo. No entanto, ele era absolutamente viril.

Ao longo do almoço, reparei que todos os garçons daquele a quilo chique – como se o acostamento dessas duas palavras fosse possível – ostentavam sobrancelhas depiladas. Assim as usava também o ajudante de cozinha, que fez rápida aparição junto a uma das portas. Uma palavra de ordem havia passado de boca em boca como rastilho de pólvora, ligando todos aqueles homens numa espécie de filiação. E os imaginei comentando o desenho da sobrancelha de um e outro, trocando endereço de profissionais e salões. Entre eles, qualquer sobrancelha hirsuta haveria de parecer um despropósito.

Em que momento, em que ponto do percurso, o que era até então execrado se transforma em moda? Ainda ontem, sobrancelhas depiladas constituíam uma espécie de crachá gay, impensável para o universo macho. É provável que tenham mudado de status juntamente com os cabelos descorados, os penteados escultóreos, os cremes de beleza masculinos, trazidos todos pelo novo padrão andrógino de beleza viril. Mas o processo foi lento e muitas das suas etapas passaram despercebidas.

Quando meu irmão ainda não havia chegado à adolescência e à explosão hormonal, raspou os braços com gilete porque tinha ouvido dizer que isso espessava os pelos. Sua loura penugem o constrangia, queria-se cabeludo como um homem primitivo, ou apenas como um homem. Não podia imaginar a conversa que tive recentemente com a minha depiladora, em que me detalhava as reações dos seus clientes masculinos frente aos suplícios quase medievais da cera quente. Nem podia, aquele menino que olhava fascinado enquanto o pai afiava a navalha na tira de couro, prever que no futuro tantos viriam a trocar a navalha pelo raio laser, eliminando a barba definitivamente.

Sou de um tempo em que tatuagem era coisa de cais de porto. Marinheiros, marginais ou prostitutas marcavam em desenhos debaixo da pele sua condição de excluídos. Era uma forma mais profunda de grafite, um protesto, uma agressão ao olhar do outro. Quando minha filha mais velha disse que queria fazer uma tatuagem, respondi que teria que esperar os 18 anos, ficasse claro que a responsabilidade era dela. Aos 18, tatuou-se abaixo da nuca. Quando a mais moça disse que queria se tatuar, respondi a mesma coisa. Chegando ao 18, já gostava tanto da beleza da sua pele que nunca se tatuou. Agora, passam por mim jovens tão estampados, que se viessem nus eu os acreditaria vestidos. A continuar assim, o protesto será não se tatuar.

Foi elegante fumar, tornou-se uma quase abominação. Foi elegante tomar uísque, estamos tomando vinho. Era deselegante falar da intimidade, o próprio conceito de intimidade foi pulverizado. Amar ainda se usa, mas não é indispensável. Quem tem muitos anos de estrada sabe, nada é definitivo. Mas nem a experiência da estrada nos diz quando, exatamente, isto ou aquilo se põe em rota para a mudança.

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