quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

ANITA WAINGORT NOVINSKY
O judeu Raposo Tavares e os jesuítas
Há um mistério em torno da vida de Raposo Tavares. Foi o verdadeiro explorador de um continente mas, em seu tempo, totalmente ignorado
Pesquisas recentes acrescentaram um fato novo à história dos bandeirantes: a origem judaica de Antônio Raposo Tavares.
Natural do Alentejo, Raposo foi criado pela madrasta, Maria da Costa, em uma casa onde se praticavam as cerimônias e festas judaicas clandestinamente. Maria foi presa pela Inquisição, juntamente com vários membros da família, e confessou sob tortura seu judaísmo secreto.
Raposo Tavares chegou em São Paulo aos 18 anos, com seu pai e um irmão. Em 1628, atacou as reduções jesuíticas, expulsou os jesuítas do Paraguai, fez recuar a expansão castelhana e apossou-se das terras, que foram incorporadas ao Brasil. Descrentes e iconoclastas, os bandeirantes demoliam as igrejas, quebravam as imagens sagradas e matavam os jesuítas.
A historiografia brasileira tem atribuído a fúria devastadora com que os bandeirantes se lançaram contra as reduções jesuíticas a motivações econômicas, como a posse dos índios e a busca de metais preciosos. Sem excluir esses interesses, um mergulho nos documentos revela que uma forte razão ideológica os movia, pois quase todos os bandeirantes tinham membros da família nos cárceres inquisitoriais.
De fato, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lima já funcionava desde 1570, e exatamente entre 1635 e 1639, no auge das Bandeiras, foram condenadas por ele 80 pessoas, 64 das quais por judaísmo.
Os jesuítas do Brasil já eram cúmplices da Inquisição portuguesa desde que esta enviou ao país, em 1591, a primeira visitação. Toda correspondência dos inquisidores referente à prisão dos hereges brasileiros era enviada ao provincial da Companhia de Jesus.
Nessas cartas, os paulistas eram apontados como "judeus encobertos", "falsos cristãos" e acusados dos crimes mais vis. E nas crônicas jesuíticas, os bandeirantes, além de judeus, eram chamados de corsários, facínoras, bestas e feras.
Felipe 6º ordenou ao vice-rei do Brasil que Raposo Tavares fosse entregue à Inquisição. Um acaso impediu que o bandeirante fosse preso e morresse queimado: eclodiu então a revolução que separou Portugal da Espanha e a ordem ficou sem efeito.
Em 1647, Raposo Tavares partiu para a maior expedição de descobrimento de todo o mundo. Um dos seus mais surpreendentes resultados foi conhecer, pela primeira vez, a extensão da América do Sul. Raposo Tavares dilatou o Brasil e foi o descobridor de um continente. Júlio de Mesquita Filho o caracterizou como "o herói de uma das mais famosas façanhas de que guarda memória a história da humanidade".
Há um mistério até hoje não desvendado em torno da vida de Raposo Tavares. Entre 1642 e 1647, seu nome não aparece nas atas da Câmara e em nenhum documento. Foi o verdadeiro explorador de um continente mas, em seu tempo, totalmente ignorado. Jaime Cortesão, o famoso historiador português, chama esse fato de "conspiração do silêncio" e pergunta: onde esteve Raposo durante esses anos e como explicar esse silêncio? Até que ponto está relacionado à sua origem judaica?
Na verdade, não sabemos qual foi a dimensão de seu judaísmo. Sabemos que Raposo Tavares, questionado sobre qual lei o autorizava a se contrapor aos jesuítas, respondeu: "A lei que Deus deu a Moisés". E sabemos, principalmente, que ele representou os contestadores dos regimes de opressão e do fanatismo.
Além de explorador, foi um revolucionário, um político e um idealista. Cortesão ergueu Raposo Tavares ao pedestal dos homens que construíram o Brasil.

SILVANO RAIA
Como avaliar a gestão na saúde pública
Aferir o impacto que verbas e profissionais experientes teriam sobre o SUS reforçaria a defesa de que 10% do PIB seja destinado à saúde
No cenário atual de crescimento e progresso, é difícil entender a qualidade do atendimento oferecido pela rede pública de saúde no Brasil. Há décadas, repetem-se críticas procedentes que explicam a constante má avaliação do setor.
Surpreendentemente, essa questão não tem merecido uma discussão consistente por parte da população em geral, ao contrário do que acontece com outras questões polêmicas.
Os técnicos apontam falta de recursos e má gestão como as causas mais prováveis. De fato, destinamos à saúde um percentual de nosso PIB muito menor do que outros países, tendo sido infrutíferas as várias tentativas para aumentá-lo.
Já quanto à importância da gestão, a avaliação não é tão fácil. Entretanto, a procura de uma solução depende do conhecimento de alguns dados. São eles: o quanto uma boa gestão melhoraria o aproveitamento dos recursos atuais; qual é o acréscimo de recursos necessário por habitante/ano para atender adequadamente todos os acessos; como capacitar gestores para melhor aproveitar os recursos disponíveis.
Cria-se, assim, espaço para uma pesquisa capaz de definir claramente essas variáveis, cuja execução no momento é facilitada por alguns fatos circunstanciais. Nesta gestão, o Ministério da Saúde se aproximou da academia, que tem sido pioneira no emprego de metodologia científica experimental que aceita apenas resultados baseados em evidências.
Comparam-se dois grupos semelhantes denominados grupo de estudo e grupo controle. No primeiro, aplica-se o novo método que se deseja estudar e, no segundo, o método tradicional. Se, após o período programado, houver diferença estatisticamente significante entre os resultados obtidos em cada um deles, a diferença pode ser atribuída ao método empregado no grupo de estudo.
Uma pesquisa, com duração de dois anos, poderia empregar a seguinte sistemática. No primeiro ano, o grupo de estudo seria constituído pela população de um Estado ou região bem definida (1,5 a 2 milhões de habitantes). Na área definida, a gestão e a regulação dos leitos SUS (públicos e privados) seria feita por profissionais com reconhecida experiência, sem aporte de recursos adicionais. O grupo controle seria constituído pelo resultado histórico da mesma região no período de um ano imediatamente anterior ao início do estudo.
No segundo ano, seria adotada a mesma sistemática, mas com uma diferença. No grupo de estudo, além da nova gestão, haveria um aporte de recursos adicionais suficientes para atendimento adequado de todos os acessos.
O grupo controle seria constituído pelos resultados do grupo de estudo do primeiro ano da pesquisa. Adicionalmente, o grupo gestor escolhido assumiria o compromisso de, durante a pesquisa, capacitar profissionais nativos para que pudessem assumir a gestão após o período de dois anos.
A divulgação e a discussão do conceito da pesquisa desde já e, mais tarde, dos seus resultados, determinarão um maior contato da população com a essência do problema. Isso facilitaria a iniciativa atual do Movimento Nacional em Defesa da Saúde, que inclui as entidades mais importantes do setor.
Elas estão coletando 1,4 milhão de assinaturas necessárias para embasar um projeto de lei popular que determina o repasse efetivo para a saúde de 10% das receitas correntes brutas da União. Representaria um acréscimo por ano de aproximadamente R$ 35 bilhões aos R$ 92 bilhões repassados atualmente.
É legítimo prever que ações desse tipo determinem maior pressão popular sobre os órgãos decisórios em relação à saúde pública, o que tem ocorrido para outras questões como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a criminalização do racismo e da homofobia.

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