terça-feira, 30 de abril de 2013

Vladimir Safatle

folha de são paulo

A invenção do terror
O atentado ocorrido em Boston no último dia 15 transformou-se, durante essas duas semanas, no evento mais discutido da imprensa mundial.
Não foram poucos aqueles que, rapidamente, clamaram aos céus pela nossa proteção diante da disseminação do chamado "terrorismo da terceira era da jihad". Pois, diferentemente do terrorismo operado por grupos guerrilheiros locais contra potências ocupantes (como os talebans contra o antigo Exército Vermelho no Afeganistão) ou por redes internacionais (como a Al Qaeda), estaríamos agora diante da proliferação potencial de ações sem unidade de comando, perpetradas por indivíduos fanatizados que se alimentariam, sobretudo, de material na internet e pequenas "viagens de estágio".
Dentro dessa narrativa, tanto ações como os atentados milimetricamente planejados da Al Qaeda em Madri, quanto a bomba caseira da maratona de Boston, seriam manifestações do mesmo fenômeno, que atenderia pela alcunha de "terror".
Tanto um quanto o outro justificariam a mobilização massiva dos afetos de medo e revolta pela imprensa, assim como a aplicação de um estado de emergência de fato, com direito a toque de recolher e discursos emocionados dos governos contra aqueles que "odeiam nossas formas de vida". Assim, abrem-se as portas para tratarmos todo indivíduo antissocial como uma organização terrorista em potencial.
É tal narrativa que nos explica por que os EUA se sentiram muito mais vulneráveis, exigindo mais ações diante de um atentado de baixa letalidade, do que diante de mais um de seus adolescente hiperarmados que aparecem todos os meses a descarregar suas metralhadoras em escolas ou universidades.
No entanto, temos o direito de nos perguntar se tal narrativa realmente se sustenta. Afinal, por que, por exemplo, não compreender o que aconteceu em Boston como mais um ato covarde e deplorável de delinquência que assola nossas grandes cidades mundiais? Por que tratá-lo como caso de alta segurança nacional, e não como um caso de polícia? Vincular tal ação ao islã, como querem vários, é tão sensato quanto vincular os massacres em escolas ao gosto que certos adolescentes assassinos tinham por Marilyn Manson ou Rammstein.
Esse tipo de violência, com seu ressentimento social paranoico, é de ordem completamente diferente daquelas ações terroristas animadas por grupos que procuram transformar a lassidão árabe contra a política ocidental em violência bruta.
Na verdade, criar o amálgama entre essas duas formas de violência é a melhor maneira de não encontrarmos as respostas concretas contra as verdadeiras causas de tal ressentimento.

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