segunda-feira, 20 de maio de 2013

Banda estreita, lenta e cara


Revista Veja - 20/05/2013


O Programa Nacional de Banda Larga, lançado há três anos pelo governo federal, prometia internet de 1 mega a 35 reais mensais. Hoje, com velocidade inferior e custo bem mais alto, não chegou à metade das cidades prometidas

Pieter Zalis e Alexandre Aragão

AULA ANALÓGICA - Os computadores foram instalados na escola da professora Rosemary, em Goiás, mas a internet não funciona: aulas só com atividades off-line
AULA ANALÓGICA - Os computadores foram instalados na escola da professora Rosemary, em Goiás, mas a internet não funciona: aulas só com atividades off-line (Cristiano Mariz)



Se o governo federal fosse uma empresa privada, poderia ser alvo de uma ação por propaganda enganosa no Procon. Seu Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado com foguetório há três anos, prometia oferecer internet rápida e barata para que os brasileiros das regiões mais pobres pudessem estudar, informar-se, divertir-se e movimentar a economia comprando pela rede. Os objetivos seriam atingidos com a criação, a partir de trechos já existentes, de uma rede nacional de fibra óptica, a ser gerida pela Telebrás — a estatal de telecomunicações que foi reativada especialmente para dar vida ao programa. O governo ofereceria a estrutura e abriria concessões para que operadoras de telefonia conquistassem novos clientes.

O anúncio oficial dizia que, até o fim de 2014, 40 milhões de pessoas, em 4.278 municípios de todos os estados do Brasil, poderiam contar com o serviço. Na propaganda, uma maravilha. Na vida real, porém, nada saiu como o anunciado. Passada mais da metade do prazo estipulado para a conclusão do plano, o governo descumpre todas as promessas que fez.

A reportagem de Veja telefonou para as prefeituras dos 100 municípios escolhidos para ser os primeiros a receber a banda larga do governo. O levantamento, acrescido de dados fornecidos pela Telebrás, concluiu que, em 46 deles, a banda larga popular ainda é uma miragem. Ao todo, a internet está disponível em apenas 2.412 das cidades inscritas no programa, ou seja, 56% do total. Não há mais tempo nem verba para cumprir a meta e, mesmo nos locais a que o PNBL chegou, o serviço é bem mais caro do que deveria e a banda não pode ser chamada propriamente de larga.

Se a promessa de conexão de 1 megabit por segundo estivesse sendo cumprida, um usuário teria de esperar não mais do que três minutos e meio para, por exemplo, carregar o vídeo da música Gangnam Style, o mais visto do YouTube no ano passado. Não é o que ocorre. Em Santo Antônio do Descoberto (GO), a primeira cidade contemplada pelo programa, a conexão, que nunca foi boa, piorou muito desde o início do ano. Embora disponha de uma sala de informática montada, a professora Rosemary Tavares de Oliveira, da Escola Municipal Machado de Assis, é obrigada muitas vezes a limitar as aulas a atividades offline. "Tenho dificuldade de abrir sites didáticos para mostrar aos alunos", reclama.

Se comparado a outros programas públicos de popularização da banda larga pelo mundo, o brasileiro é uma piada. Fica atrás não só dos similares existentes em potências digitais, como a Coreia do Sul e o Japão, mas também daqueles em operação em países como a Eslováquia. No quesito velocidade, os únicos países que perdem para o Brasil são Lituânia e Equador, segundo estudo conduzido pela unidade de inteligência da revista inglesa The Economist.

Outro compromisso que o PNBL descumpre diz respeito ao preço do serviço. O governo fixou em 35 reais o valor máximo a ser cobrado do consumidor, o que não é exatamente uma barganha, mas é pelo menos 40% mais barato que a média do mercado. O problema é que ninguém consegue ser atendido por essa tarifa. Em três das quatro operadoras de telefonia que têm convênio com o Ministério das Comunicações — Oi, Telefonica e Algar Telecom —, os pacotes custam até o dobro do prometido, consequência da estratégia de venda casada. Com autorização estatal, elas só oferecem internet a quem contrata também uma linha telefônica e paga uma assinatura mensal pelo pacote. Resultado: desde o terceiro trimestre de 2011, as companhias conseguiram convencer apenas 2.5 milhões de clientes a aderir aos seus planos. "É muito pouco", avalia o presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), Basilio Perez.

Todas as questões que emperram o PNBL estüo relacionadas, na origem, a dois problemas endêmicos no Brasil: a falta de investimento do poder público e a ausência de planejamento. Entre janeiro de 2010 e abril deste ano, o governo liberou apenas 26% da verba reservada ao plano — 132 milhões de reais. É uma cifra ínfima diante da complexidade de um projeto de construir uma rede de fibra óptica em um país com a dimensiio do Brasil. "A Telebrás, como estatal, nao tem capacidade nem dinheiro para liderar um programa desse porte", afirma o ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros. Na Austrália, cujo território equivale a 90% do brasileiro, os investimentos previstos sao catorze vezes maiores — e a velocidade da internet será 100 vezes superior.

Enquanto a Telebrás descumpre seus compromissos, o improviso toma o lugar que deveria ser do serviço público. O município de Presidente Tancredo Neves (BA), a 263 quilômetros de Salvador, escolhido para ser um dos 100 primeiros contemplados pelo programa, até hoje está desconectado. Para não ficar isolada do mundo, a prefeitura contratou uma provedora de acesso que fica numa cidade vizinha. Mesmo assim, a internet é tão lenta que o prefeito e seus secretários mal conseguem enviar e receber e-mails. Na alagoana Messias, a 34 quilômetros de Maceió, o empresário Erisson Cavalcante montou uma empresa de acesso à internet para aproveitar o vácuo do serviço público: "A Telebrás esteve aqui no ano passado para iniciar a instalação da banda larga, mas nunca voltou", conta Cavalcante. No município de Vespasiano Corrêa (RS), predominantemente rural, o prefeito Aurio André Coser (PP) usou recursos municipais para espalhar antenas de forma a levar a web aos cantos mais afastados. "A velocidade não chega a ser boa, mas é razoável", diz Coser. Hoje, em uma fazenda em Vespasiano Corrêa, é possível ter, por 36,90 reais, acesso à web com velocidade de 256 kilobits por segundo. Assim, se tiver catorze minutos de paciência, qualquer morador consegue assistir a Gagnam Style. Melhor do que nada.

Com o prazo praticamente vencido, o PNBL ainda tem muitas lacunas. Mas, em vez de empenhar-se para resolvê-las, o governo adotou outra saída. Vai lançar em julho o PNBL 2.0, com mais propaganda e novas promessas, como a oferta de internet a 4 megabits por segundo e a desoneração fiscal para empresas que aderirem ao plano. Remendar um projeto nao cumprido com uma "nova versüo" dele mesmo foi exatamente a receita usada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Minha Casa, Minha Vida. Estudo do Banco Mundial mostra que 10% de aumento de acesso à banda larga pode gerar um crescimento de até 1.38% no PIB de um país. Com as tímidas taxas de crescimento apresentadas nos últimos dois anos e um início de ano desanimador para a economia, esse impulso viria bem a calhar. Mas, enquanto o mundo gira a muitos megabits por segundo, o governo brasileiro segue rodando a manivela.

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