quinta-feira, 9 de maio de 2013

Conselho de Medicina restringe reprodução assistida para mulheres acima dos 50 anos

folha de são paulo

JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

O CFM (Conselho Federal de Medicina) determinou que mulheres com mais de 50 anos não podem ser submetidas a técnicas de reprodução assistida.
Segundo o conselho, a medida foi tomada por causa dos possíveis riscos à saúde da gestante mais velha, como hipertensão e diabetes, além da ocorrência de nascimentos prematuros e bebês nascidos com baixo peso.
Casos de pacientes acima dessa idade, mas com boa condição de saúde, deverão ser avaliados individualmente pelos Conselhos Regionais de Medicina.
Editoria de Arte/Folhapress
arte de saúde reprodução assistida
arte de saúde reprodução assistida
A determinação é de uma resolução que altera vários pontos da atual normal do CFM sobre reprodução assistida. Publicada no "Diário Oficial da União" de hoje, a norma já está em vigência.
Quem descumprir a regra incorrerá em desvio ético profissional e ficará sujeito à cassação do registro.
"A idade reprodutiva da mulher alcança os 45 anos. Após discussão exaustiva, chegamos ao limite de 50 anos", afirma José Hiran Gallo, coordenador da câmara técnica sobre o tema no CFM.
Esse limite vale para quem gera seus próprios filhos ou se oferece como "barriga de aluguel" --prática que não pode ser comercializada.
Para Selmo Geber, ex-diretor da Rede Latinoamericana de Reprodução Assistida, fixar a idade máxima para o tratamento em 50 anos é interessante, mas o melhor seria abordar o limite como recomendação, e não regra.
Estados Unidos e Espanha não têm um limite definido. Já a Dinamarca mantém o teto aos 43 anos, segundo Adelino Amaral, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, que integrou as discussões.
SELEÇÃO DE EMBRIÕES
Outra novidade com relação à atual regra --publicada em 2011-- regula uma situação cada vez mais frequente: a seleção de embriões compatíveis com um filho mais velho e doente para que as células-tronco ou os órgãos do bebê ajudem no tratamento.
A posição foi elogiada por Ciro Martinhago, médico responsável pela seleção do embrião que se transformou na pequena Maria Clara, de um ano. Em março, a menina doou células-tronco para a irmã, que nasceu com uma doença hereditária.
"Tenho uns cinco casos de [seleção de embriões para transplante] para aplasia medular. A criança corre contra o tempo."
José Roberto Goldim, chefe do serviço de bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, afirma que é preciso tratar esses casos como excepcionalidades.
A resolução ainda permite que, se os pais desejarem, embriões congelados por mais de cinco anos podem ser descartados. Há outras soluções --a doação para outros casais , para pesquisa ou a guarda até que seja de interesse dos pais.
Arnaldo Cambiaghi, diretor do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia, criticou a possibilidade de descarte, mesmo diante dos custos de manter um embrião congelado. "A vida já existe com o embrião." Para Martinhago, o casal deve ter o direito de decidir sobre isso.
DOAÇÃO DE ÓVULOS
Ao atualizar as regras da reprodução assistida, o CFM chancelou um mecanismo que é prática nos consultórios: uma paciente mais nova doar óvulos excedentes a uma mulher mais velha em troca do custeio de parte do seu tratamento --cerca de 50% do valor total, gasto com a estimulação ovariana.
O processo deve ser anônimo: a doadora dos óvulos não pode ter informações sobre a receptora e vice-versa.
A entidade rejeita a visão de que se trate de mercantilização do ato. "É solidariedade", afirma Carlos Vital, presidente em exercício do CFM.
Adelino Amaral, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, diz que a troca e consequente redução do valor do tratamento não pode ser usada como atrativo de pacientes para uma determinada clínica. Um tratamento para engravidar, majoritariamente feito na rede privada de saúde, chega a custar até R$ 20 mil.
As novas regras ainda ampliam a possibilidade de parentes mais distantes (tias e primas) servirem de "barriga de aluguel", desde que sem fins lucrativos. Hoje, a regra fala em mãe, avós e irmãs.
Para o ginecologista Arnaldo Cambiaghi, a medida é boa. "Muita gente com problema de útero não tem irmã nem mãe. É excelente."
Outra alteração incorpora de forma mais clara as demandas das "novas famílias". A regra agora afirma que duas mulheres podem gerar um filho, de fato, em conjunto: o óvulo de uma pode ser fecundado e implantado no útero da outra --fato que já ocorreu no Brasil.

'O que importa é a saúde da mulher, não a idade'
DE SÃO PAULO
Para a relações-públicas Rosana Beni, 55, limitar a idade para tratamentos de reprodução é acabar com a possibilidade de realizar um sonho. Nesta semana, seus filhos, os gêmeos Raphael e Anita, completaram quatro anos de vida. Os dois nasceram depois de seis tentativas de fertilização in vitro.
"Respeito os médicos, mas sou o exemplo vivo de que a gestação pode dar certo. Agradeço a Deus e à ciência por essa oportunidade. O que importa é a saúde, não a idade."
Rosana conta que sempre se dedicou muito ao trabalho e acabou adiando a maternidade.
Ela diz que se cuidou muito durante a gestação. "Foram oito meses sem um sangramento. Não parei de trabalhar, mas respeitei meus horários."
A gestora de contratos Roseli Sicilia, 52, vai ser avó pela primeira vez em junho e mãe pela terceira vez em outubro.
Grávida de quatro meses de dois meninos, ela conta que buscou o tratamento porque, depois de ficar viúva, casou-se com um homem dez anos mais novo e que queria filhos.
Ela já tem dois --um de 26 e um de 20, que vai ser pai. A nova gestação veio na segunda tentativa de fertilização.
Para Roseli, a fertilização após os 50 anos deve permanecer um direito da mulher. "Sou contra um limite. Às vezes, a mulher demora a achar a pessoa certa. Quem tem de escolher o que quer é o casal."


ANÁLISE
Limitar a idade da gravidez em 50 anos é questionável
CLÁUDIA COLLUCCIEM JERUSALÉM
A decisão do CFM (Conselho Federal de Medicina) de limitar em 50 anos a idade materna para a fertilização in vitro pode resolver alguns dilemas éticos, mas deixa dúvidas do ponto de vista da saúde feminina.
Será mesmo que mulheres acima dos 50 têm um risco tão maior de complicações em relação às mais novas quando se trata de fertilizações com óvulos doados?
O último e maior estudo sobre o tema diz que não. A pesquisa avaliou 101 mulheres que engravidaram com óvulos doados: metade tinha 50 anos ou mais e a outra metade, 42 ou menos.
A conclusão foi que ambos os grupos tiveram taxas similares de complicações como diabetes gestacional, pressão alta e nascimentos prematuros. O estudo foi publicado ano passado no "American Journal of Perinatology".
A idade acima de 35 anos é apontada por si só como um fator de risco para a gestação. Segundo a cartilha "Gestação de Alto Risco "" Manual Técnico", do Ministério da Saúde, ela está relacionada a sérias consequências para a saúde da mãe e do bebê.
Por que então o corte em 50 anos? Quais são os estudos controlados nos quais o CFM se baseou para fixar esse limite?
O aumento da taxa de longevidade (nos EUA, as mulheres estão vivendo, em média, até os 84 anos) também é um outro ponto a favor das cinquentonas que tem sido levado em conta nos debates sobre maternidade tardia pelo mundo.
Ainda que represente um percentual muito pequeno no total das gestações, o número de mulheres que têm filhos com mais de 50 anos de idade tem aumentado em vários países. Na Inglaterra, a taxa dobrou na última década e já existem até associações de apoio específicas para essa faixa etária.
Lá, a recomendação é que a idade limite para gravidez com óvulos doados seja de até 55 anos.
Na ausência de uma regulamentação específica para reprodução assistida no país, a resolução do CFM pode desestimular médicos a tratar pacientes mais velhas, mas não fecha a questão. Se quiser comprar a briga, a mulher facilmente conseguirá valer o seu direito de ser mãe recorrendo à Justiça.

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