quinta-feira, 9 de maio de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Micropolítica
Eleito vice do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) em 2010, Guilherme Afif Domingos (PSD) acaba de ser nomeado ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa pela presidente Dilma Rousseff (PT). Num caso raro de ambivalência política aguda, almeja manter o cargo estadual e apoiar simultaneamente os dois partidos que mais se antagonizam no país.
Afif alcança o limiar dos 70 anos de idade --mais de 30 deles na política, mas em diversos partidos-- servindo a dois governos distintos, levando ao paroxismo a imagem da "geleia geral" como metáfora da política brasileira.
Para tanto, ele precisará, conforme determina a lei, abrir mão dos vencimentos de um dos cargos --R$ 19,6 mil como vice, ou R$ 26,7 mil como ministro. Não surpreende que escolha o mais alto.
Do ponto de vista jurídico, a situação é ambígua. A Constituição Federal não permite ao governador assumir outro cargo na administração pública, mas silencia quanto ao vice. Como a Carta do Estado de São Paulo tampouco trata do caso especial, não haveria impedimento legal para a duplicidade de Afif.
Obstáculo incontornável, porém, surgirá quando o vice precisar substituir o titular. Assumindo o governo estadual, ainda que temporariamente, Afif não poderá manter a chefia do ministério.
Evitar esse impasse exige que o vice se licencie da função federal --mas não há consenso de que isso baste--, seja exonerado do cargo ministerial ou programe viagens para o exterior sempre que Alckmin estiver ausente. Absurdas como são, essas soluções evidenciam o despautério da acumulação.
Na arena política, não há equívoco: trata-se de uma situação esdrúxula, sintomática, como poucas, do estágio avançado de derretimento das fronteiras ideológicas que distinguem os partidos.
Nem Afif nem Dilma Rousseff consideram embaraçoso que um político alojado num governo de oposição se aconchegue à situação mantendo um pé em cada lado. Tudo para sacramentar a aliança do PT com o PSD e angariar tempo de TV na propaganda de 2014.
De olho na reeleição, Dilma faz vista grossa às críticas que Afif lhe dirigiu mais atrás. De olho no poder, o vice-governador ignora seu retrospecto de objeções ao gigantismo do Estado e aceita comandar nada menos que o 39º ministério.
Mesmo num quadro partidário amorfo como o brasileiro, a ambiguidade de Afif ultrapassa os limites do aceitável. Se quiser seguir com seu pequeno ministério, deve renunciar ao cargo de vice-governador de São Paulo.

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    O preço do atraso
    Indicadores de infraestrutura no Brasil ficam aquém da média internacional; governo cede e eleva taxa de retorno das concessões privadas
    Tornou-se já consensual a noção de que a precariedade da infraestrutura brasileira é um dos maiores empecilhos ao crescimento. Raras vezes, contudo, o debate sobre o estado calamitoso de estradas, ferrovias e portos ultrapassa o âmbito das generalizações da macroeconomia e desce ao nível concreto dos prejuízos cotidianos que ocasiona para as empresas e o país.
    Por isso é bem-vindo o estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) que coteja o pífio desempenho nacional com o de outros países. O resultado, constrangedor, explicita o tamanho do famigerado custo Brasil.
    Considere-se o indicador de quilometragem de rodovias por 10 mil habitantes. O Brasil fica em 53% do nível internacional --resultado muito ruim, mas não tão catastrófico quanto a parcela dessas estradas que se encontra pavimentada: somente 19% da média mundial.
    Ferrovias e hidrovias apresentam quadro não menos preocupante: na mesma comparação por habitantes, o país conta com apenas 17% e 26% da média internacional, respectivamente, segundo o relatório da Fiesp. A precariedade das conexões de transbordo entre as diversas modalidades de transporte também é deprimente (meros 23% do padrão mundial).
    A carência de infraestrutura amplifica, como é óbvio, os custos de produzir --por exemplo, ao solapar a agilidade das empresas. Gastam-se 324 minutos, em média, para a liberação de uma carga em aeroportos ao redor do mundo, ao passo que o mesmo procedimento, no Brasil, demanda 3.714 minutos.
    Nos portos, a situação também é dramática. O custo de exportação de um contêiner se multiplica por três no Brasil. Não há competitividade produtiva que resista a tamanha desvantagem logística.
    O governo Dilma Rousseff começa a reconhecer, felizmente, que perdeu tempo precioso com objeções ideológicas à alternativa mais prática para sua incapacidade de planejar e financiar o choque de infraestrutura: atrair investidores do setor privado.
    É positiva, assim, a mudança de atitude evidenciada pela decisão de aumentar a taxa de retorno do investimento aceita nas concessões de infraestrutura, de 5,5% para 7,2%. Como há financiamento para 70% do valor dos projetos, o retorno para o capital próprio desembolsado sobe consideravelmente, para ao menos 15% ao ano.
    Espera-se, agora, que as novas condições atraiam mais interessados. Mesmo assim, já ficou comprometido o que se planejava para 2013. Os primeiros leilões para concessão de rodovias só devem acontecer a partir de agosto, o que empurrará o grosso das obras para 2014. É o preço do atraso.

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