quarta-feira, 8 de maio de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Senado além da conta
Na era dos computadores portáteis, celulares inteligentes e terminais de autosserviço, ficou ainda mais fácil efetuar o registro de passageiro antes de embarcar num avião. Bastam poucos cliques para confirmar uma viagem, e isso até pode ser feito com alguns dias de antecedência.
Os senadores brasileiros, no entanto, julgam necessário manter no aeroporto de Brasília nove servidores de prontidão. São os "funcionários do setor de serviços aeroportuários". Ou, em linguagem mais direta, auxiliares de check-in.
A função deles é simples: trata-se de ajudar os senadores a fazer o embarque e despachar as malas. Para isso, esses auxiliares recebem uma remuneração líquida entre R$ 14 mil e R$ 20 mil. Não é demais lembrar que esses recursos saem do bolso do contribuinte.
A lista de mordomias aeroportuárias não se esgota nesse absurdo. Senadores contam com sala especial para aguardar o embarque e têm direito a cinco passagens aéreas mensais de ida e volta para seu Estado. Coroa esses gastos despropositados o serviço de "apoio operacional" no Rio de Janeiro, resquício de quando a cidade era a capital federal.
Vê-se que não vai longe a propalada disposição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para reduzir as despesas da Casa. Eleito presidente do Senado sob protesto da opinião pública, ele anunciou cortes anuais de R$ 262 milhões (num orçamento de R$ 3,4 bilhões). Mas a tesoura preservou os congressistas.
Por exemplo: foi extinto o atendimento ambulatorial gratuito para servidores; senadores, porém, mantiveram o reembolso ilimitado de gastos médicos (extensivo a cônjuges e dependentes até 21 anos).
Isso para nada dizer da equipe de 32 pessoas que zelam pelas residências oficiais dos senadores --como se marcenaria e instalações sanitárias, entre outros serviços, fossem um problema de Estado.
Além da remuneração de R$ 26,7 mil, cada senador ainda dispõe de quase R$ 170 mil mensais para contratar até 55 auxiliares de gabinete.
Nessa atmosfera de descaso com a coisa pública, não é à toa que Renan Calheiros se permite pagar R$ 11,3 mil líquidos para ter um mordomo. Alguém precisa assumir a culpa por tamanha prodigalidade.


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Uma árdua missão
Conquista do posto de diretor-geral da OMC por brasileiro prestigia o país; órgão enfrenta desafios que podem se tornar insuperáveis
O Brasil obteve um trunfo diplomático com a eleição de seu candidato, Roberto Carvalho de Azevêdo, para diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). É a primeira vez que um latino-americano chega ao cargo --o outro postulante finalista era Hermínio Blanco, do México.
A OMC, que congrega 159 países, é o principal fórum multilateral para a solução de controvérsias comerciais e a promoção de políticas de liberalização das transações internacionais.
A indicação de Azevêdo, engenheiro e diplomata de carreira, reforça o "soft power" brasileiro e reflete o peso crescente das economias emergentes no mundo. Trata-se, contudo, de uma missão com consideráveis chances de redundar em insucesso.
Não que se duvide do preparo do eleito. Ao contrário, sua capacidade é amplamente reconhecida --Azevêdo atua na OMC desde 2008 como hábil negociador do Brasil. O novo diretor já se mostrou competente na busca de acordos, além de possuir minucioso conhecimento das dificuldades ora enfrentadas pela organização.
A principal delas será ressuscitar a chamada Rodada Doha --ou pelo menos evitar que seja sepultada ainda sem conclusão.
Esse ciclo de negociações, lançado na capital do Qatar em 2001, visa a complementar o anterior, a Rodada Uruguai, concluída em 1994. Sua missão é aprofundar a redução geral de tarifas e obstáculos comerciais --numa palavra, a liberalização-- como contrapartida de um corte drástico, pelos países ricos, de subsídios e barreiras a produtos agrícolas.
O Brasil apresentou-se como um dos protagonistas das negociações, que começaram por esbarrar na intransigência dos EUA e da União Europeia. Com a crise financeira de 2008, o impasse tornou-se paralisia.
Com efeito, seria fantasioso imaginar que os países desenvolvidos, premidos pela estagnação e pelo desemprego, admitissem fazer concessões justamente agora.
Também o Brasil, que em troca de vantagens no comércio agrícola acenou com o corte de tarifas industriais e sobre serviços, vive um período de recrudescimento protecionista. As dificuldades competitivas da indústria nacional e a notória vocação intervencionista do governo Dilma Rousseff não deixam espaço para propostas que possam fazer a rodada avançar.
Paralelamente ao malogro iminente de Doha, vários grupos de países optaram por acordos bilaterais de livre-comércio e pela integração de cadeias produtivas em escala internacional --este, infelizmente, não é o caso do Brasil.
O mais ambicioso desses entendimentos poderá reunir num mesmo bloco comercial, em futuro incerto, EUA e Europa, responsáveis por metade da riqueza do mundo. Caso tal pacto se concretize, o papel da OMC na definição de uma nova ordem comercial perderia ainda mais relevância, apesar de continuar como órgão central para arbitragem de contenciosos.

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