sábado, 4 de maio de 2013

João Montanaro - Charge e Editoriais FolhaSP

folha de são paulo


A arte da guerra
Relatório no Senado deturpa projeto de reforma do ICMS e restabelece, reforçados, elementos que propiciam as batalhas fiscais entre Estados
A cargo dos Estados, a arrecadação do ICMS retira do bolso dos contribuintes mais de 7% de tudo o que é produzido no Brasil durante um ano. Nenhum outro tributo vai tão fundo. Com 6% do PIB, o Imposto de Renda, de responsabilidade federal, fica em segundo lugar.
Ao contrário do IR, cujo saque é informado no contracheque ao trabalhador, o ICMS tem incidência dissimulada. Está acoplado ao preço final de mercadorias e serviços que o consumidor adquire. As mordidas invisíveis do imposto estadual podem abocanhar até um terço do valor desembolsado numa compra.
O ICMS também é origem de uma grave distorção federativa, a guerra fiscal. A fim de atrair empresas, governos estaduais passaram a conceder descontos no imposto.
A atitude gerou reação nos outros Estados, dos quais as empresas fugiam. O resultado foi um amontoado de regras incongruentes e lesivas à racionalidade econômica e à Constituição. As manobras com o ICMS têm sido, porém, invalidadas pelo Supremo Tribunal Federal.
A corte estuda transformar as reiteradas decisões numa súmula vinculante, de efeito imediato e universal sobre casos semelhantes. A iminência desse "apagão legal" apressou o trâmite, há décadas adiado, da reforma do ICMS no Congresso.
Um meio eficiente de resolver o impasse seria retirar dos Estados o poder de conceder benefícios com o tributo. Cobrá-lo no destino final da mercadoria, e não mais na origem, como é hoje, esvaziaria na prática o uso dessa ferramenta para atrair investimentos. O desequilíbrio no desenvolvimento regional poderia então ser enfrentado de modo mais racional, com fundos nacionais para incentivar a produção nos Estados mais atrasados.
Esse é o cerne de uma proposta antiga, reapresentada pelo governo federal ao Congresso. Seria preciso, para efetivá-la, diminuir bastante e unificar a alíquota do ICMS retida pelo Estado de onde a mercadoria é vendida para outro. Hoje as operações interestaduais podem ser gravadas, na origem, por 7% ou 12%, a depender da unidade da Federação. A intenção do projeto do governo era chegar, paulatinamente, a uma única alíquota de 4%.
A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, contudo, ameaça desfigurar a proposta. O relatório do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) cria um sistema ainda mais complexo, com três alíquotas (4%, 7% e 12%), em vez das duas atuais. Prevê também um privilégio para o gás que, vindo da Bolívia, passa por Mato Grosso do Sul. O Estado do relator ficaria com 12% do preço do gás vendido a outros Estados.
Caso o projeto saia da comissão como se encontra, após a votação prevista para a semana que vem, estará mantido, talvez até agravado, o regime de taxas altas e assimétricas que possibilita a guerra fiscal.



EDITORIAIS
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Vale-tudo na Venezuela
As cenas de pugilato protagonizadas por deputados venezuelanos dão prova de que está longe de amainar a tensão política deflagrada logo após as eleições presidenciais de 14 de abril.
Derrotado por menos de dois pontos percentuais de diferença, o oposicionista Henrique Capriles recusa-se a reconhecer o resultado. Nicolás Maduro, o vitorioso herdeiro escolhido por Hugo Chávez, seria, segundo Capriles, um presidente ilegítimo.
Protestos antichavistas foram realizados nos dias seguintes ao pleito, deixando, de acordo com informações oficiais, um saldo de sete mortos. Em meio aos distúrbios, o Conselho Nacional Eleitoral anunciou que faria a recontagem de todos os votos, e não de apenas 54% deles, conforme o procedimento padrão na Venezuela.
Dificilmente o resultado será alterado. A própria oposição pouco espera do procedimento. Para Capriles, as fraudes --comuns em regimes autoritários como o chavista-- não estariam na contagem dos votos, mas na coação de eleitores.
Com esse argumento, a oposição agora pede ao Tribunal Supremo de Justiça a invalidação do processo eleitoral. Dado o alinhamento da corte com os chavistas, são nulas as chances de sucesso desse recurso. Trata-se, ainda assim, de caminho mais adequado do que acirrar manifestações de rua, o que poderia dar pretexto ao regime para alguma aventura.
Por arriscadas que possam parecer as atitudes de Capriles, nada justifica a resposta do governo venezuelano. A imagem do olho inchado do deputado oposicionista Julio Borges é o retrato mais acabado da truculência chavista.
Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, comanda a retaliação contra a oposição. Partidários de Capriles foram destituídos da direção de comissões parlamentares, viram seus salários sob ameaça de corte e tiveram, por duas vezes, o direito à palavra negado em sessões do Legislativo.
O silêncio imposto aos antichavistas serviu de estopim para uma briga parlamentar. Sopapos foram desferidos por deputados dos dois lados --pelo menos 22 políticos saíram feridos, a maioria de oposição.
Mais que o patético episódio de violência física, o que preocupa é o endurecimento das reações governistas. O presidente Nicolás Maduro e seus asseclas, sem contar com o carisma pessoal de Hugo Chávez, demonstram pouco receio de recorrer a uma escalada de intimidação com o propósito de ocultar as fragilidades do próprio poder.

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