domingo, 26 de maio de 2013

Mauricio Stycer

folha de são paulo

O futuro: conteúdo para aplicativos

DE SÃO PAULO

Numa declaração que causou muito barulho, no início do ano, o CEO da Netflix, Reed Hastings, disse que o objetivo da empresa é se tornar a HBO antes que a concorrente venha a ser a Netflix ("The goal is to become HBO faster than HBO can become us").
Hastings entende que, na nova configuração do mercado mundial de TV, existirão apenas provedores de conteúdo e plataformas (ou aplicativos) que permitem ao espectador assistir ao que quiser, na hora em que bem entender, do jeito que achar mais conveniente (no aparelho de televisão, no iPad, no celular etc.).
Hoje com 36 milhões de assinantes (29 milhões nos Estados Unidos), a Netflix não é mais apenas um provedor on-line, com um enorme catálogo de filmes e séries, mas também um produtor de conteúdo original. Ao final deste ano, a empresa terá lançado quatro séries e afirma ter planos para fazer o dobro em
2014.
Em fevereiro, lançou "House of Cards", em abril colocou no ar os 13 episódios da série de horror "Hemlock Grove" e ainda prevê lançar este ano a comédia "Orange Is the New Black". Hoje, de uma só vez, os 15 episódios da quarta temporada de "Arrested Development" estão sendo oferecidos aos assinantes do serviço.
Exibida a partir de 2003, esta série de humor foi cancelada pela Fox em 2006, ao final da terceira temporada, por causa da sua baixa audiência. Nos últimos anos, as três temporadas existentes se tornaram um produto cult no cardápio da Netflix, mostrando para os executivos da empresa a existência de um mercado a ser explorado.
O apetite e a agressividade da Netflix preocupam o mercado. Em primeiro lugar, a decisão adotada em "House of Cards", e seguida desde então, de oferecer todos os episódios originais de uma só vez coloca em questão o sistema adotado, até hoje, por emissoras no mundo inteiro, de exibir um capítulo inédito por semana.
Em entrevista ao "Hollywood Reporter", Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, conta que foi chamado de "louco" por executivos de TV ao lançar a série com Kevin Spacey desta forma. Ele responde, não sem uma ponta de arrogância, que está mais preocupado com a satisfação do cliente do que com a satisfação da indústria.
É isso, exatamente, o que mais impressiona, para não dizer que assusta, na Netflix. A empresa tem todas as ferramentas para "ouvir" os seus clientes e entender o que eles querem ver. "'Arrested Development' fez sentido para a gente porque o programa se tornou cult ao longo dos anos e a gente sabia quantos novos fãs estavam sendo criados pelo nosso serviço", diz Sarandos.
O mesmo tipo de estudo das estatísticas internas levou às escolhas de David Fincher para dirigir e de Kevin Spacey para protagonizar "House of Cards". Com base no comportamento dos assinantes, pareceu claro que uma série com estes dois na equipe era um tiro certo.
O serviço se recusa a dar dados de audiência ao mercado, mas divulga números do seu investimento. Em 2013, planeja gastar US$ 2 bilhões no licenciamento de séries e filmes e na criação de seus próprios programas, além de US$ 350 milhões em marketing. O valor impressiona. É significativo que a Globo não tenha, até hoje, licenciado suas séries e novelas para a Netflix. Como escrevi antes, o futuro assusta.
Arquivo pessoal
Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de "História do Lance!" (Alameda Editora). Escreve aos domingos em "Ilustrada".

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