terça-feira, 7 de maio de 2013

Michael Kepp

folha de são paulo

Politicamente correto, sim, e daí?


A maioria dos brasileiros acha a cultura americana politicamente correta ("pc"), chata e confusa.
Tome-se o caso de um carioca que conheço. Quando ele era pós-doutorando em Boston, comentou com duas colegas americanas que o que mais o impressionara na professora deles fora a beleza. "Meu elogio as ofendeu", comentou. "Por quê?"
Expliquei que, nos EUA, destacar a beleza de uma mulher quando se fala de seu desempenho no trabalho a desvaloriza como profissional. Se as mulheres não forem julgadas unicamente por sua competência, nunca haverá igualdade de gêneros, especialmente em locais de trabalho, onde algumas pessoas são acusadas de usar sua aparência para obter vantagens.
Mas ele não entendeu meu argumento. E quatro dos cinco amigos cariocas que convidei para jantar pouco depois, e para quem contei essa história, também não entenderam.
Afinal, uma brasileira provavelmente não se ofenderia se alguém no trabalho dissesse que ela ou uma colega dela era bonita.
No jantar, um amigo reagiu ao meu argumento, chamando-me de "pc" naquele tom pejorativo em que o termo geralmente é usado.
Eu poderia ter dito que uma pessoa de uma sociedade mais machista, em que o feminismo é menos avançado, teria mesmo dificuldade para entender o conceito. Mas eu queria que ele ficasse para a sobremesa.
Eu me recordei de minha cultura "pc" no mês passado, quando o presidente Obama descreveu uma colega de partido como "a procuradora-geral mais bonita do país", depois de dizer que ela era brilhante, dedicada e forte.
Depois de vários graus de reações negativas da mídia --um comentarista considerou a frase "vergonhosa", outro a qualificou como uma gafe pequena--, Obama ligou para a colega e pediu desculpas.
Se ele tivesse descrito um colega de partido como bonitão, não teria sido criticado. Isso é porque os homens, diferentemente das mulheres, não sofrem discriminação sexual no trabalho, um ambiente cujas regras de conduta ainda estão sendo negociadas e no qual as mulheres têm uma relação meio complicada com sua aparência.
Eu disse isso ao amigo que me tachou de "pc". Falei também que o termo não deveria ser sinal de patrulhamento linguístico, mas apenas de sensibilidade em relação a grupos marginalizados, entre eles o das mulheres.
Eu não esperava que ele aderisse ao meu argumento. Queria apenas que me aceitasse como sou, o que todo mundo deseja. E ele não me decepcionou.
Michael Kepp
Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

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