terça-feira, 7 de maio de 2013

Resistência perigosa - Vilhena Soares‏

Uma das principais drogas no tratamento da tuberculose, a isoniazida também é usada para evitar a contaminação pelo bacilo de Koch. No entanto, especialistas temem que prescrição exagerada facilite o surgimento de uma superbactéria 


Vilhena Soares

Estado de Minas: 07/05/2013 


O uso duplo da isoniazida – uma das três drogas prescritas contra a tuberculose – reaquece o debate sobre o surgimento de variações de micro-organismos cada vez mais resistentes aos medicamentos. A substância é usada tanto para prevenir quanto para tratar a doença respiratória. Mas cientistas temem que a prática fortaleça o bacilo de Koch, causador da enfermidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2011, 77 países já enfrentavam a versão multirresistente da infecção. Em alguns deles, 35% dos novos casos se enquadravam nesse perfil.

Recente estudo publicado na revista científica Science sinaliza que o uso preventivo da droga é o mais adequado, principalmente para soropositivos. Os voluntários, todos com o vírus da Aids, ingeriram a substância durante seis meses. Os resultados do estudo feito na Universidade de Amsterdã apontaram uma melhora significativa durante esse período em que os pacientes foram tratados com a isoniazida. Ela conseguiu reduzir rapidamente o número de bacilos na divisão, nos pulmões e em outros órgãos. “Essa droga é um dos medicamentos mais importantes nas semanas iniciais de tratamento da doença, e que mostrou um resultado muito positivo ao ser aplicada em portadores do HIV”, explica um dos pesquisadores do estudo, Frank Cobelens.

Após os resultados, os cientistas pretendem recomendar à OMS o uso da droga em soropositivos moradores de nações subdesenvolvidas. “Ela é prescrita em boa parte dos países de alta renda como parte de estratégias de eliminação da tuberculose, mas pouco indicada na maioria dos países de baixa e média renda porque, muitas vezes, eles são considerados lugares em que existe uma prioridade menor em relação ao combate da doença. Queremos recomendar que esse tratamento chegue a todos os lugares e faça parte das estratégias de eliminação da tuberculose para, assim, diminuir a incidência da doença”, explica Cobelens.

Renato Martins, pneumologista do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (HUB), explica que o tratamento com a isoniazida já é feito no Brasil com bastante sucesso. “Esse método é usado como profilaxia, que são medidas para prevenir ou atenuar doenças. Ele é usado não só em pessoas com HIV, mas também em pacientes que, por conta de outras enfermidades, ficariam expostos a contrair a tuberculose”, explica. Para o pneumologista, o uso da droga em países de baixa renda reduziria os índices de tuberculose principalmente em pessoas mais suscetíveis à doença, como os soropositivos e os pacientes com câncer. “A isoniazida é um dos poucos recursos que temos na área de combate à tuberculose, mas esperamos que, no futuro, com novas pesquisas, tenhamos outras opções tão eficazes quanto ela”, complementa.

Cobelens também aposta nos avanços da ciência para que o papel da isoniazida no combate à tuberculose seja mais definido. Enquanto isso, segundo o pesquisador, os médicos deveriam recorrer a tratamentos alternativos. “Acredito que não há razão para não dar isoniazida àqueles que precisam, mas que devemos estar preparados para um aumento gradual na resistência a ela. A maneira que proponho para lidar com isso é usá-la para um tipo de tratamento só, preventivo ou curativo, e remédios alternativos semelhantes, substituindo a isoniazida por outras drogas. Nos próximos anos, o desenvolvimento de medicamentos poderá resolver isso melhor”, diz. Martins também defende que a droga continue sendo usada, mas ele tem esperança de que surjam novos medicamentos contra a doença, que matou 1,4 bilhão de pessoas no mundo em 2011.

Mais verbas Também preocupados com o avanço de uma tuberculose resistente aos medicamentos, a OMS e o Fundo Global para o Combate à Aids, Tuberculose e Malária solicitaram, no início deste mês, às autoridades sanitárias US$ 1,6 bilhão por ano para ajudar em pesquisas que auxiliem o tratamento da doença. “Estamos com a água pelo pescoço em um momento em que precisamos desesperadamente ampliar nossa resposta à tuberculose resistente a múltiplas drogas”, declarou Margaret Chan, diretora- geral da OMS.

A OMS preocupa-se com a visão disseminada de que a doença é uma “enfermidade do passado”. Na verdade, o surgimento de cepas (linhagem de um agente infeccioso) resistentes a várias drogas está fazendo com que a tuberculose se torne um dos grandes problemas sanitários do planeta. Em 2011, a infecção respiratória atingiu cerca de 8,7 milhões de pessoas. A OMS estima que até 2 milhões poderão estar contaminadas com cepas resistentes até 2015.

O Brasil ocupa o 17º lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo. Em primeiro está a África do Sul, seguida do Zimbábue e de Moçambique. A predominância em países da África, de acordo com especialistas, indica a ocorrência maior da doença em soropositivos. As mortes em território brasileiro, de acordo com a OMS, chegam a cerca de 4.600 ao ano. As metas internacionais estabelecidas pela entidade e pactuadas pelo governo brasileiro são de descobrir 70% dos casos de tuberculose estimados e curá-los em 85%.

Proteção comprometida
A imunodisfunção promovida pelo vírus da Aids dificulta o controle do sistema imunológico sobre o bacilo de Koch, causador da tuberculose, O micro-organismo acaba tendo, então, o crescimento intracelular favorecido. Para descobrir a causa disso, em 2009, cientistas da Universidade de Harvard examinaram os pulmões de pacientes soropositivos e descobriram níveis elevados da molécula IL-10, que causa a elevação da proteína BCL-3 nos macrófagos alveolares, reduzindo a capacidade de essas estruturas pulmonares lutarem contra a infecção da tuberculose. Pesquisas estão sendo feitas na área para combater a ação da IL-10 , já que a combinação das duas infecções é devastadora. 

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