sábado, 29 de junho de 2013

Crime de corrupção deve ser visto como hediondo? [tendências/debates]

folha de são paulo
ALBERTO ZACHARIAS TORON
TENDÊNCIAS/DEBATES
Crime de corrupção deve ser visto como hediondo?
NÃO
Um novo rótulo
Parece que virou moda. Agora não basta mais que a conduta seja criminosa, o que, por definição, já é algo ruim e nocivo. É preciso um "plus": o rótulo de hediondo, como se os outros crimes fossem adoráveis ou coisa parecida.
A medida, aprovada pelo Senado, além de ineficaz, traduz um oportunismo político inacreditável. Não que se deva ter alguma condescendência com a corrupção. A questão é outra.
Quando, em julho de 1990, principalmente em razão dos inúmeros sequestros, editou-se a Lei dos Crimes Hediondos com vistas à imposição de um tratamento processual, penal e penitenciário mais rigoroso, esperava-se um descenso nesse tipo de criminalidade.
Para tanto, impediu-se o juiz de conceder fiança e liberdade provisória, isto é, o direito de o acusado aguardar o desfecho da ação penal em liberdade. Elevaram-se as penas de diferentes delitos e, por fim, revogou-se o direito de o condenado, mesmo que de bom comportamento, passar de um regime penitenciário rigoroso para um mais brando como o semiaberto ou o aberto.
Na verdade, com essas medidas, queria-se aplacar uma voz que é forte nos meios policiais e num certo tipo de imprensa que dizia: "A polícia prende e o juiz solta".
Passados mais de 20 anos da vigência da Lei dos Crimes Hediondos, verifica-se que, embora não tenha resolvido a problemática da elevação dos níveis da criminalidade violenta, ela serviu unicamente para calar ou acalmar aqueles setores da opinião pública que pensam que o crime aumenta ou diminui em razão de penas mais altas e de um maior rigor carcerário.
A constatação do erro dessa visão não decorre de uma ideologia humanista. Fala em favor disso a simples observação dos fatos noticiados pelos jornais no dia a dia.
Agora, a cada novo escândalo, a falta de efetividade do Estado em termos práticos é "compensada" com a edição de leis. Cria-se uma espécie de modelo álibi. Repete-se a estratégia dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. No último, ampliou-se o rol dos crimes hediondos e, o que é pior, de uma maneira desastrosa (incluindo-se, para se ter uma ideia, até a fraude em cosméticos, como se tivessem a mesma importância que remédios).
Desvia-se, com isso, a atenção do que é o essencial: a vontade política no combate à corrupção e a necessidade do aprimoramento dos controles administrativos mais rápidos e eficazes.
Em 9 de julho de 2009, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado realizou uma importante audiência pública para discutir a colocação da corrupção no rol dos crimes hediondos. Estiveram presentes representantes da Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação dos Magistrados Brasileiros e da Ordem dos Advogados do Brasil. Todas as entidades foram contrárias à ampliação do rol dos crimes hediondos.
Naquela oportunidade, o subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, que é também professor da Universidade de Brasília, lembrou que a expressão crimes hediondos ("heinous crime") foi utilizada pela primeira vez no Tribunal de Nuremberg, que julgou os criminosos nazistas pelas atrocidades praticadas durante a Segunda Guerra Mundial. Com propriedade, ele lembrou: "Crime hediondo é um crime que afeta um número enorme de vítimas. Não são crimes quaisquer. Banalizar essa expressão faz mal ao direito penal".
A melhor resposta que se possa dar à corrupção não é uma nova lei, mas o aprimoramento dos mecanismos de controle e a celeridade na apuração dos crimes. Fora daí, o que se vê é uma manobra diversionista.
    MARCOS LEÔNCIO RIBEIRO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Crime de corrupção deve ser visto como hediondo?
    SIM
    A materialização do repúdio social
    O Brasil passou a conhecer melhor as características e os efeitos nefastos da corrupção, cuja letalidade supera a esfera individual para provocar a desorganização social e impedir o desenvolvimento da coletividade. Ela é hedionda por condenar o futuro de gerações de jovens e, até mesmo, de nações inteiras.
    As operações realizadas pela Polícia Federal nos últimos anos têm contribuído de forma decisiva para mudar o paradigma no que diz respeito à intolerância da população brasileira com atos de corrupção. Prova disso é que hoje presenciamos o repúdio da sociedade a esse tipo de crime, manifestada nas ruas de todo o país, com reflexos políticos diretos no Congresso Nacional.
    O Senado acaba de aprovar o projeto de lei legislativo nº 204/2011, que qualifica como hediondos os crimes contra a administração pública. Ele aumenta a pena mínima de dois para quatro anos de reclusão nos delitos de peculato, concussão, excesso de exação e corrupção ativa e passiva. Se transformado em lei, dificultará a concessão de eventuais benefícios aos condenados por tais crimes.
    A aprovação ocorre no contexto de um pacto anticorrupção firmado entre os Poderes da República, com o objetivo de corresponder aos reclames populares manifestados nas mobilizações de rua por todo o país.
    É preciso reconhecer que a resposta legislativa por si só não irá diminuir a corrupção no Brasil. O enfrentamento a tal fenômeno requer medidas permanentes, de longo prazo, e passa necessariamente por mudanças culturais, mais investimentos em educação, mais transparência, controle social e acesso à informação de interesse público.
    Todavia, sinaliza positivamente como uma tentativa de minimizar a sensação de impunidade que reina na sociedade brasileira. Isso pode ser mensurado facilmente pelos efeitos penais inclusive no que concerne à prescrição, com significativo aumento da pena mínima.
    Outra sinalização relevante é para o mundo. O Brasil se mostra em sintonia com os compromissos internacionais para combater o desvio de dinheiro público, como, por exemplo, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
    Na qualidade de signatário da Convenção de Mérida, o país deve promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater de forma mais rigorosa e eficiente toda a forma de corrupção. Não é por menos que a penalização e aplicação da lei nas hipóteses de suborno, peculato, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro mereceram especial destaque no terceiro capítulo dessa convenção.
    Basta uma leitura do preâmbulo do referido acordo internacional para se convencer da adequada qualificação dos crimes contra a administração pública como dignos do tratamento jurídico de hediondo.
    Trata-se de uma preocupação universal com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção para a estabilidade e a segurança das sociedades ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito no mundo.
    É na esteira dessa preocupação universal com a dignidade da pessoa humana que houve a constitucionalização e a equiparação da prática de tortura, narcotráfico e terrorismo com o rigoroso tratamento dispensado aos crimes hediondos nos termos do artigo 5º da Carta Magna brasileira.
    O resultado positivo da indignação popular manifestada nos últimos dias se materializou sob a forma da mudança legislativa proposta no projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo. O primeiro passo já foi dado.

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