segunda-feira, 17 de junho de 2013

Humor e fantasia guiaram a obra de Tatiana Belinky

folha de são paulo
ANÁLISE
Humor, musicalidade e fundo ético marcam obra
MARISA LAJOLOESPECIAL PARA A FOLHATatiana Belinky foi uma figura ímpar na literatura infantil brasileira.
Meio alheia aos percursos institucionais dos livros para crianças, a obra de Tatiana Belinky impôs-se para o público e para a crítica pela alta qualidade, que vinca seus textos com marcas muito especiais.
Ecoam particularmente em seus livros algumas das mais fortes tradições do gênero infantil, como o humor e a musicalidade.
Primeira voz a difundir por terras verde-amarelas, como tradutora, os "limericks", ela marcou sua produção literária pelo abrasileiramento do tom poético do tradicional gênero inglês, caracterizado por versos curtos e pelo humor.
No conjunto de sua obra, suas raízes russas e judaicas também se fizeram importantes na construção de suas muitas e belas histórias, por vezes recontadas a partir destas matrizes culturais.
Figuras fantásticas, camponeses, cenários ora rurais, ora urbanos, envolventes enredos sentimentais, discussões de fundo ético temperadas de humor são a espinha dorsal de seus livros.
Na atual voga de vampiros e similares criaturas, ganham especial atualidade seus versos de um quase "t 'esconjuro": "Vampiros dentuços,/Viscosos e ruços,/Querendo assustar/A você e a mim;/()/Porque meu segredo/É nunca ter medo /São eles que tremem/Com medo de mim!".
Chegando a centenas de títulos, espalhados em diversas editoras, a obra de Tatiana Belinky cumpre a função maior da literatura para qualquer idade: a fantasia, o reforço da identidade e a solidariedade com o diferente, como tão bem ilustram seus versos que proclamam (com razão): "Tudo é humano,/Bem diferente/Assim, assado/todos são gente/Cada um na sua /E não faz mal/Di-ver-si-da-de /É que é legal".
    Amigos se despedem de Tatiana Belinky
    Escritora se dividiu entre peças, versões para TV e criações originais
    Nascida na Rússia, autora de literatura infantil tinha 94 anos e morreu anteontem; obra supera 200 títulos
    MÔNICA RODRIGUES DA COSTAESPECIAL PARA A FOLHAFoi enterrado ontem à tarde, no Cemitério Israelita da Vila Mariana (zona sul de São Paulo), o corpo da escritora Tatiana Belinky, que morreu no sábado, aos 94 anos, de causa não divulgada.
    Mais cedo, cerca de 80 pessoas estiveram no velório, na casa dela, no Pacaembu (zona oeste). Segundo amigos, Belinky havia sofrido um AVC (acidente vascular cerebral) há pouco e desenvolvera um princípio de pneumonia.
    Ao longo da carreira, ela se dividiu entre os ofícios de poeta, contista, tradutora, roteirista, dramaturga e crítica de teatro e literatura infantis.
    Em mais de 200 livros, Belinky inventou um mundo de aventuras completo, salpicado de prosa e poesia sempre bem-humoradas.
    Quem não se lembra do livro "Dez Sacizinhos" (1998)? Ou das peripécias de "A Operação do Tio Onofre" (1985), em que crianças e adultos brincam de mudar o nome das coisas? Já em "Que Horta!" (1987), a autora se põe a inventar plantas engraçadas ao modo de Edward Lear (1812-1888), como "rabamate" e "palmipolho".
    Além das criações originais, são notáveis as adaptações que Belinky assinou de obras e mitos estrangeiros, como "A Saga de Siegfried" (Companhia das Letrinhas), "O Nariz" (Ática), a partir do conto do russo Nicolai Gógol, e "Di-versos Alemães" (Scipione), com quatro traduções de poemas de Goethe.
    Também verteu ao português textos de Turguêniev, Tolstói, Púchkin, Tchékhov, Makarenko, Kipling e Dickens, entre outros.
    A escritora tornou célebres entre as crianças os "limeriques", estrofes rimadas e levemente cômicas decalcadas dos "limericks" ingleses do século 19, cujo representante maior foi Lear, precursor de Lewis Carroll (1832-1898), outro autor que Belinky transpôs ao português.
    Os tais versos se desdobraram em "Medoliques", "Cacoliques", "Bisaliques", "Bregaliques", "Mandaliques e "Limeriques da Cocanha".
    ORIGEM RUSSA
    No livro de memórias "Transplante de Menina", ela retraça sua chegada ao Brasil, aos dez anos, em 1929, vinda de Riga, na Letônia. Ela nascera na russa Petrogrado (hoje São Petersburgo).
    Em 1948, Belinky fundou o Teatro-Escola de São Paulo. Há registros de que a primeira montagem voltada ao público mirim paulistano, um "Peter Pan", teria estreado ali ainda naquele ano.
    Em 1952, ela e o marido, o educador Julio Gouveia (1914-1988), adaptaram para a TV Tupi "O Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato. Tratou-se da primeira transposição da obra para a tela. O casal também produziu telepeças para o "Teatro da Juventude" (Tupi).
    No campo institucional, nos anos 1960, Belinky presidiu a Comissão Estadual de Teatro de São Paulo e, no âmbito desta, foi líder da Comissão de Teatro Infantojuvenil Na década seguinte, colaborou para a Folha com resenhas de livros e espetáculos infantis.
    PRÊMIO JABUTI
    Em 1989, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria de personalidade literária do ano; em 1991, ganharia distinção da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança.
    Mantendo até há pouco publicações em diferentes casas editoriais, Belinky assinou versos a um só tempo prosaicos e vivazes. Como estes, pinçados de "Limeriques das Coisas Boas": "O parque, o jardim, a floresta.../ Na rede, um gosto de sesta.../ Na escola, no lar,/ Brincar e sonhar.../Viver pode ser uma festa!".
    Belinky deixa um filho, o jornalista, tradutor e escritor Ricardo Gouveia.
      REPERCUSSÃO
      Ziraldo, escritor e ilustrador:
      "A literatura infantil no Brasil tem uma importância maior do que em boa parte dos países. E um dos pilares desse processo foi Tatiana Belinky. Ela nasceu na Rússia, mas foi uma grande brasileira."
      Pedro Bandeira, escritor:
      "Foi pioneira e mestra. Cresci assistindo na Tupi a suas adaptações de Pollyana, do 'Sítio' e da Bíblia. Com o marido, criou o fazer televisivo, numa época em que era tudo 'ao vivo', não havia videoteipe. No caso do 'Sítio', fez a melhor versão, entendeu perfeitamente o que Lobato queria dizer com a boneca Emília. Além disso, era um repositório de folclore germânico, russo e escandinavo. Sabia histórias que nunca tínhamos ouvido por aqui."
      Ruth Rocha, escritora:
      "Ela foi uma personalidade muito importante na cultura brasileira e na de São Paulo. Não só na literatura infantil mas também no teatro e na televisão."
      Eva Furnari, escritora e ilustradora:
      "Foi uma das pioneiras da literatura infantojuvenil brasileira. Tinha uma visão muito clara sobre as crianças. Sua literatura era marcada pela brincadeira e pelos jogos de palavras. Uma pessoa muito doce e de uma energia impressionante. Foi um exemplo."
      Marta Suplicy, ministra da Cultura (em nota oficial):
      "Tatiana Belinky é joia rara. Da lavra de Niemeyer e outros poucos incansáveis. Sensível, produtiva.
      Capaz de nos brindar com centenas de livros para um público extremamente desafiador: o infantojuvenil. Embalou muitas das minhas alegrias de infância! [...] Nossa literatura perde uma grande criadora."
      Heloisa Preito, escritora e editora:
      "Belinky tinha uma lista de méritos infinita. Ela nunca subestimava a inteligência das crianças, nem nos livros, nem em debates. Isso era muito explícito nas suas obras, que, assim como ela, eram muito bem-humoradas. Dona de uma cultura enorme, ela trouxe muitos clássicos para o país, com grande qualidade. Ela tinha um olhar cosmopolita, que fará muita falta."

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