sábado, 1 de junho de 2013

Indicador ambiental ameaçado-Humberto Siqueira‏


Ave que tem apenas 250 indivíduos no mundo vive em águas límpidas e é sensível à degradação. ONG que luta para preservar espécie faz trabalho de conscientização da população que vive próxima aos animais e monitoramento da espécie

Humberto Siqueira

Estado de Minas: 01/06/2013 

Ele é tão raro, que poucas pessoas se dão conta de sua existência. Vivia na Argentina, Paraguai e Brasil, mas hoje, os últimos 250 indivíduos de sua espécie estão por aqui. Cerca de metade habita a Serra da Canastra (MG) e outros poucos animais a Chapada dos Veadeiros (GO) e o Jalapão (TO). Não foi caçado, mas encurralado pela falta de hábitat adequado. Trata-se do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), uma das 10 aves mais ameaçadas de extinção no mundo, que encontrou no Instituto Terra Brasilis um aliado.
A organização não governamental mineira criou o Programa Pato-Mergulhão com estratégia ambiental específica para estudar a ave e sensibilizar a população e produtores rurais. Conforme explica a coordenadora do programa, Lívia Lins, “a espécie vive apenas em rios de água corrente limpa. Isso porque ela se alimenta basicamente de peixes. E precisa mergulhar com condições de enxergar a presa. Como boa parte dos rios brasileiros está poluída, o pato perdeu espaço”, explica.

Conscientizar a população que vive no entorno da Serra do Canastra quanto à importância da preservação dos recursos hídricos da região é um dos tripés do programa, que visa ainda ao estudo biológico e comportamental da espécie e orientação das melhores práticas de manejo de solo e recursos hídricos dos produtores rurais. Lívia esclarece que a pesquisa objetiva gerar conhecimento. “Temos poucos registros da espécie, até porque é um animal que vive solitário ou apenas com o parceiro. Nunca foi um animal fácil de ser encontrado”, afirma. 

A primeira ação executada pelo Terra Brasilis foi diagnosticar onde havia a espécie na Serra da Canastra. O conhecimento anterior era da ocorrência em seis trechos de rios. Lívia diz que já foram diagnosticados cerca de 60 territórios onde a ave está na região. “É um trabalho muito desafiador e conseguimos muitos avanços pelo fato de o pato ser um animal desconhecido. Nosso segundo passo foi acompanhar a rotina de vida das aves para entender melhor sua reprodução, seu convívio no hábitat e suas peculiaridades em geral”, acrescenta. 

Ao localizar um ninho de pato-mergulhão, a equipe quebrou um tabu que perdurava desde 1951. O último a ser descoberto foi naquela época, na Argentina, em um tronco oco de árvore. Os biólogos também identificaram um novo ambiente onde a espécie deposita ovos – uma fenda num paredão de rocha. “Isso abriu uma nova perspectiva de busca de ninhos. Aprendemos como e onde procurar esses locais e começamos a estudar ainda os filhotes e famílias inteiras do animal”, comenta Lívia, que trabalha ainda pela recuperação de áreas degradadas e proteção de mata ciliares, com o intuito de proteger as nascentes.

RADAR Com a captura das aves, implantação de anilhas e radiotransmissores nos indivíduos para um monitoramento mais rigoroso e o rastreamento e acompanhamento dos deslocamentos, foi possível identificar alguns hábitos do pato-mergulhão. “Um único casal demanda de cinco a 12 quilômetros de rio para viver. Daí se percebe que para aumentar a população será preciso ter longas extensões de água corrente e limpa. Também pudemos constatar que eles reutilizam o ninho e chegam a ter até oito filhotes numa postura, com período de encubação entre 30 e 33 dias. Os patos já nascem aptos a nadar, mas desses jovens, apenas dois ou três vão chegar à vida adulta”, lamenta. E o mergulhão é fiel ao parceiro. “Pudemos perceber que os casais sempre ficam juntos. Só mudam de parceiro se um dos dois morre.”
Buscando facilitar a vida dos casais e aumentar as chances de reprodução, o Terra Brasilis idealizou caixas-ninho para instalar na região. “Ainda não temos certeza se vai funcionar. Mas pensamos num ninho com características próximas às que eles buscam na natureza. Depois desse período de reprodução, que ocorre entre maio e setembro, é que saberemos a eficácia dessa estratégia.” Até os seis meses, os filhotes ficam com os pais. O que ocorre depois e para onde vão quando se dispersam são questões ainda a serem respondidas pelas pesquisas.
A condição de preservação da espécie, que precisa de água limpa, também é importante para os seres humanos. O trabalho se iniciou com a distribuição de calendários em estabelecimentos comerciais e produtores rurais, explicando como era o hábito de vida dessa espécie e a importância do auxílio da população no cuidado com as águas, solo e vegetação. “Procuramos mostrar nas escolas e comunidades essa relação de benefício mútuo. Mas nem sempre o saber gera um comportamento adequado. Temos pessoas completamente cientes dos cuidados necessários, mas que continuam levando gado até o rio. O convencimento é um trabalho longo”, afirma.
Nas escolas, mais de 1,5 mil crianças assistiram a teatros infantis e palestras de conscientização. “Fizemos oficinas e um material didático voltado para os professores para que o assunto pato-mergulhão estivesse também dentro de sala de aula”, ressalta Lívia.
Ficha técnica

Destaca-se o longo penacho nucal e os pés vermelhos; tem bico negro longo, estreito e serrilhado nas bordas. Cabeça e pescoço escuros, com reflexos verde-metalizados.

É uma ave delgada, com comprimento
total entre 48cm e 55cm e peso médio
de 800 gramas.

Alimenta-se principalmente de peixes e de invertebrados aquáticos. Na Serra da Canastra, seu principal alimento é o lambari. Os peixes são capturados nos mergulhos, que podem durar até 30 segundos.

O pato-mergulhão é extremamente sensível à degradação e perda de seu ambiente natural. Por isso, é considerado um bom indicador da qualidade dos ambientes aquáticos.

Entre as principais ameaças
à espécie estão:

destruição de matas ciliares, perda de árvores de maior porte e a degradação das margens e dos leitos dos cursos d’água

uso de pesticidas nas pastagens e lavouras que são carregados para os cursos d’água

a mineração, que impacta diretamente os cursos d’água e, consequentemente, sua fauna associada

construção de barragens, que modificam profundamente os ambientes aquáticos

atividades esportivas mal planejadas realizadas ao longo dos cursos d’água

Fonte: Instituto Terra Brasilis

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